Em 2014, a Marvel Comics completa 75 anos de publicações.
É interessante observar que na logo comemorativa constam
apenas - em silhuetas icônicas - respectivamente, O Homem-Aranha, Capitão
América, Hulk e Homem-de-Ferro. Mas é bom que seja assim. Os X-Men, cria de
Stan Lee e Jack Kirby e de mais um punhado de visionários, são um grupo de
párias, excluídos sob qualquer condição. Mesmo sendo os mais vendidos da
editora, mesmo sendo estrelas de sete (!) filmes, numa série que não dá sinais
de parada. Comercial e criativamente, nos quadrinhos e agora no cinema, os X-Men
são os párias mais cool que eu consigo pensar na cultura pop. Neste fabuloso
"X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido", quem recupera esse bem-vindo
status é o diretor e artista responsável pela concepção da série nos cinemas
desde 2000, Bryan Singer.
Seus primeiros X-Men e X-Men 2 são luminares que conduziram
filmes baseados em histórias em quadrinhos de volta ao panteão das grandes
produções. Vale lembrar que esses mais Blade de Stephen Norrington e os dois
primeiros Homem-Aranha de Sam Raimi, deram o tom que todas as outras obras de
gibi seguiram posteriormente. Vale lembrar que esses criadores trabalharam com
os personagens da Marvel dentro de grandes estúdios, o que implicava restrições
criativas diversas, ainda que não prejudicando o resultado final. No caso dos
X-Men, a debandada de Bryan Singer, trocando os mutantes por decisões de
carreira equivocadas e a entrada de diretores menores, sem pulso firme e pegada
autoral, como Brett Ratner e Gavin Hood, gerou filmes medíocres como X-Men: O
Confronto Final e X-Men Origens: Wolverine. A esperança dos fãs da série
parecia ir pelo ralo junto com a qualidade da série, que como comprovou
Wolverine ano passado, só parecia despencar.
Todo esse preâmbulo apenas para dizer que paralelo à
ascensão da Marvel Filmes e seus bilhões faturados com Os Vingadores, Homem de
Ferro, Thor e Capitão América, alguma cabeça pensante na FOX deve ter colocado
a mão na consciência. E assim como X-Men: Primeira Classe, do brilhante Matthew
Vaughn já prenunciava uma volta ao glorioso estilo de Singer, com o próprio
produzindo, é com prazer que eu informo a você - que gosta dos X-Men e sabe
como é bom o conceito - o quanto essa série é bacana: "X-Men: Dias de Um
Futuro Esquecido" é o filme dos mutantes que eu esperava há mais de dez anos,
mais precisamente desde o final de X-Men 2.
Usando com inspiração todo o cânone dos personagens
construído na mitologia do cinema, Singer e o roteirista Simon Kinberg trazem
ainda a inspiração da HQ Dias de Um Futuro Esquecido, escrita por Chris Claremont
e desenhada por John Byrne nos anos 80. Mas tudo é ponto de partida para um
desenvolvimento inusitado, original, transgressor de regras e que ao mesmo
tempo honra as raízes do comic book. Principalmente, dos primeiros filmes,
crias de Singer, mais o Primeira Classe dirigido por Vaughn.
A história é derivativa, mas como toda boa ficção
científica, deliciosa, implausível e cheia de possibilidades.
Num futuro dominado pelos Sentinelas, máquinas criadas para
localizar e eliminar mutantes, a raça humana está á beira da extinção. Quem
sobrou vive em campos de prisioneiros (uma analogia com o primeiro filme da
série, os campos de concentração do nazismo), como fugitivo ou escravizado,
colaborador de robôs. Aliados nesse futuro possível, Charles Xavier (Patrick
Stewart) e Magneto (Ian McKellen) criam um plano para transferir a consciência
de um deles para sua versão do passado a fim de impedir um assassinato que
selou o destino da humanidade e a construção dos sentinelas pelas mãos do
empresário Bolivar Trask (Peter Dinklage). Entretanto, apenas Wolverine (Hugh
Jackman, de volta á melhor fase do personagem, uma mescla de Clint Eastwood/
Dirty Harry com os desenhos em movimento de Jim Lee) é capaz de suportar o
estresse físico da viagem devido ao seu fator de cura. Assim, Logan se
voluntaria para voltar aos anos 70.
E daí em diante começa a diversão. Em pouco mais de duas
horas, tantos detalhes, referências pipocam na tela que é melhor listar sem
ordem tudo que eu consegui captar numa primeira visita à "Dias de Um
Futuro Esquecido":
* O velocista
Mercúrio (o novato Evan Peters, brilhante), no filme apenas intitulado 'Peter',
é dono da melhor cena do filme e possivelmente da melhor cena de ação de 2014.
E ainda existe uma menção ao garoto ser filho de Magneto. Vamos ver como isso
se desenrola nos próximos filmes.
* Singer entende o
personagem Wolverine melhor do que nenhum diretor. Parece protagonista, mas
funciona de fato como coadjuvante de luxo, um
durão-motherfucker-com-coração-de-ouro indestrutível, ao mesmo tempo em que boa
parte da trama é ancorada no carisma dele. Hugh Jackman faz aqui sua melhor
representação do personagem desde o segundo filme da série. Vai ser um baita
desafio para a Marvel substituir esse cara, e assim como Bond para Sean
Connery, o próximo que usar as garras do mutante canadense vai sofrer
inevitavelmente com a comparação.
* Jennifer Lawrence
como Mística prova que mesmo a maquiagem mais pesada não é capaz de esconder
a... Exuberância e o... Talento desta jovem atriz. E tenho dito.
* O sabor de Além da
Imaginação, de toda a ficção científica de boa cepa desenvolvida por gênios
como Irwin Allen e Gene Rodenberry, está aqui. Inclusive uma referência ao
seriado Star Trek original. Singer é trekkie fanático, e sabe que boa Sci-fi se
faz com idéias, e não com CGI.
* Longe de ser
spoiler, mas que final, que clímax absurdo de bom. A costura das duas linhas
temporais, a ação incessante e a conclusão da trama deixa qualquer fã salivando
pelo que virá a seguir.
* A constatação de
que X-Men foi, é, e sempre será sobre a dicotomia Charles Xavier/Magneto. São
duas visões que entendem de maneira diferente o mundo que os rodeia e os
rejeita. Por mais que a trama dê voltas, e tente encontrar antagonistas, o
cerne do universo dos mutantes é essa disputa ideológica que sempre extrapola a
diplomacia e tem consequências desastrosas.
*A trilha sonora com
a fanfarra clássica da série, composta por John Ottman, responsável também pela montagem preciosa e a ambientação nos
anos 70, influência declarada no cinema de Singer. Tudo funciona.
Mais detalhes virão
numa revisão atenta, mas o que dá para dizer agora é que se você ficou feliz
com a surpresa que foi o primeiro filme da série, se gostou mais ainda do
segundo, detestou a lambança cometida por Ratner no terceiro filme, assim como
esses terríveis filmes solo do Wolverine...
E no fim das contas, viu luz no fim do túnel com X-Men: Primeira Classe...
Então eu te digo que "Dias de um Futuro Esquecido" é a melhor versão
dos mutantes na tela grande até agora. Não é apenas um grande filme ou
adaptação boa dos quadrinhos, mas um passo necessário para colocar de volta aos
trilhos uma franquia que parecia desconjuntada, agora num único universo
coerente e funcional, cheio de possibilidades.
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