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sábado, 16 de julho de 2011

Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, EUA/SPA, 2011, 95 min.)

  Ah, a nostalgia. É sempre ela que embaça nosso julgamento, faz crer que o passado é muito melhor que o presente e não nos deixa vislumbrar um futuro possível. Às vezes me pergunto se aos 30 não sou nostálgico em demasia, se não valorizo demais coisas que em revisão envelheceram mal.

 Enfim. A pergunta que cabe aqui é: alguém pode me responder como é que um senhor de 75 anos fez o grande filme de 2011 até agora? Um verdadeiro manifesto humanista e anti-nostálgico: isso é Meia-Noite em Paris, o melhor filme de Woody Allen em muito tempo, que me fez sair do cinema gargalhando de felicidade, com a sensação de refeição completa, um banquete cinematográfico inigualável.

  O filme conta a história de Gil (Owen Wilson, melhor atuação da carreira), roteirista que ganha a vida escrevendo filmes sem alma em Hollywood. E o que é pior, ele já se deu conta disso. Junto com sua noiva, Inez (Rachel McAdams, linda e competente), vão passar as férias em Paris e na verdade o que temos aqui é o choque de duas visões opostas sobre o romantismo, encapsuladas em personagens que poderiam cair no estereótipo fácil, mas não nas hábeis mãos de Allen: Gil é o artista que acredita na cidade-luz como combustível para a inspiração que irá melhorar sua arte. Ele crê que estar ali, no berço artístico onde tantos gênios conceberam obras imortais vai torná-lo um escritor melhor. Paris nos anos 20, a época da ´grande arte', é onde Gil sempre quis viver. Já Inez quer mesmo é que o marido ganhe muito dinheiro para ela fazer compras, no inferno dos intermináveis 'Malls' nos subúrbios da América. É uma escolha arriscada de Allen, a de colocar a noiva como uma vazia, sem alma, 'pós-moderna', apenas interessada na forma e no status que os titulos trazem, mas sem um mínimo de conteúdo. De qualquer forma, essa dicotomia entre as visões do casal é expressa logo no início do filme, e é brilhante.

  Logo em seguida aparece o amigo de Inez, Paul (interpretado com a dose correta de pedantismo pelo grande ator inglês Michael Sheen). É o típico clichê que Allen adora espinafrar, e com razão: o cara é um chato. Ele é a epítome do raciocínio  pós-doutorado que reina e engana tanta gente desavisada atualmente.
Cita autores com muita facilidade, mas nós sabemos muito bem que ele é falso. E Gil, o alter ego de Allen e nosso herói no filme conhece arte, tem paixão por Paris, mas não é homem de citações, um falastrão. Ele sente a arte.

  Saber é sentir, e essa é a máxima Alleniana que desde os tempos de Annie Hall rege o seu universo intelectual. Os 'pseudos', que vomitam referências e tem uma aura de auto-importância, nada mais são do que bozos escrachados pela câmera que parece desnudar o idiota que existe dentro deles. E quem melhor do que Woody Allen para desmascará-los?

  Insatisfeito com essa verdadeira overdose de fakes querendo chamar mais a atenção para si do que para a beleza da arte e da cidade, Gil caminha sozinho pelas ruas de Paris durante a madrugada, e súbito, um carro  antigo o arrasta para uma outra época. A década de 20, em Paris. E eis que, sem explicações picarescas ou artifícios baratos, estamos acompanhando Gil conversando com Hemingway, Fitzgerald. Dando conselhos para Buñuel, sendo influenciado por Salvador Dalí (Adrien Brody, se divertindo à beça), se envolvendo num romance platônico com Adriana (Marion Cottilard, espetacular), entregando um manuscrito de seu livro ainda não lançado para a escritora Gertrude Stein (Kathy Bates em grande performance) analisar e dar sua opinião. Isso não antes de discutir o conteúdo de uma obra com Pablo Picasso.

  Como numa espécie de versão farsesca e delirante de 'De Volta para o Futuro', Allen coloca sua filosofia, sua visão de mundo na boca de todos os personagens, seja no presente ou no passado. Hoje temos o elogio ao filme que consegue comunicar com muitas pessoas, e no fim das contas acho que quem está interessado em ser muito abrangente corre o risco de não falar para ninguém. Allen não perde tempo em justificar sua posição-seu cinema é uma carta de intenções: contra a nostalgia, contra as convenções, abertamente iconoclasta e romântico, adjetivo tão maltratado pelo cinema nos tempos que correm. Isso fala certamente para mim, e está muito bem assim.

   A felicidade com que Gil interage com seus heróis nos faz lembrar que podemos ser reverentes em relação à arte, e não mitificar ou endeusar pessoas e obras que nunca tiveram esse tipo de senso de grandeza errado, orgulhoso, elitista e mofado enquanto produziam. Sempre desconfie de um artista que classifica seu trabalho novo como clássico.

    A boa arte está sendo feita agora, em silêncio, sem a pretensão de ser eterna ou vanguardista. Basta observarmos com atenção e entendermos que cada época tem a representação que precisa. Nem mais, nem menos. É claro que o passado glorioso pode e deve ser saudado com respeito, mas o que será do amanhã se todo mundo insiste em chafurdar nas referências de ontem?

   Então insisto para que os neófitos na obra de Woody Allen parem de endeusar sempre aqueles mesmos filmes (que são brilhantes mesmo, não contesto isso: Annie Hall, Manhattan, Hannah e Suas Irmãs) e se concentrem nas suas obras de 2000 para cá, todas riquíssimas em grande cinema e observações sobre a humanidade, coisa complicada de se decifrar. Posso afirmar que dentre esse bloco de filmes, Meia-Noite em Paris é a grande obra dele nessa década. Reverente, mas tentando deixar a nostalgia para trás. Afinal o homem está com 75 anos e 41 filmes. Woody Allen, hoje você fez um cinéfilo feliz, e fez uma pequena obra-prima.

Um comentário:

  1. Maravilha Bruno. Perfeito.
    Sem contar que ele fez com que gostássemos do Owen Wilson, kkkkkkkkkkkk........

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