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domingo, 23 de fevereiro de 2014

Robocop (Dir. José Padilha, EUA, 2014, 117min.)

O primeiro "Robocop" foi dirigido por Paul Verhoeven em 1987 e hoje ainda é influencial para minha geração. Fez parte de um pacote da cultura pop que incluiu "O Cavaleiro das Trevas" de Frank Miller e "Watchmen" de Alan Moore nas HQs. Revisões no mito do herói muito bem-vindas, executadas por autores completamente cientes do que estavam fazendo: estocadas irônicas na 'Era Reagan', no perigo do fascismo pelas mãos dos vigilantes.

Corta para 2014 e José Padilha é um cara muito ciente do que está fazendo. Tem visão clara sobre os temas que aborda e consegue entregar a encomenda direitinho. Seus "Tropa de Elite" tem o equilíbrio perfeito entre denúncia social com tintas de documentário e o thriller policial de procedimento. Esse estilo e garra trouxeram ele até esta refilmagem. Uma visão invulgar, denotando responsabilidade para com o material original e com a legião de fãs ávida (e transtornada) desde que a primeira foto do robô caiu na internet.

Exagero. Padilha e seu roteirista Joshua Zetumer pegaram do original apenas o conceito: um policial assassinado brutalmente transformado num ciborgue e vendido por uma grande corporação à população como a resolução do caos urbano, enquanto alivia a barra de políticos corruptos e força policial cada vez mais enfraquecida e desacreditada. É fácil ver porque o diretor abraçou esse material com tanta voracidade. É o cenário de "Tropa de Elite" extrapolado para a ficção-científica americana, o que permitiu a ele incluir muito bem-vindas sacaneadas no atual status quo da política externa americana, bem como o militarismo exacerbado apoiado pela mídia de direita alá Fox News e a cada vez maior possibilidade das máquinas assumirem o comando no front de guerra, via drones e outros meios de controle tático.

Daí ser desigual a comparação com o filme de 87. O 'zeitgeist' agora é outro e o personagem e sua jornada de herói são inseridos nesse novo contexto. Isso significa uma miríade de subtextos, pontos de vista e camadas que resultam num filme razoavelmente complexo, acima da média do material lançado no gênero ultimamente. Nos anos 80, época em que a política e as forças armadas se levavam cada vez mais a sério nos EUA, Verhoeven sabia que a única maneira de fazer um comentário realmente relevante seria esculachando, exagerando, apelando para a sátira de tintas fortes. Hoje vivemos um tempo em que qualquer sátira empalidece diante da corrupção do Estado, que corre livre, delirante, sem amarras. Padilha sabe disso e abre mão da ironia, entregando um filme complexo que não faz vilões fáceis, apesar da obrigação de estabelecer conflitos óbvios.

Esse é o maior problema deste novo "Robocop": o drama é infinitamente mais interessante que as convenções do gênero. Competente e nada mais na condução da ação, fica claro que o foco está na jornada de cada personagem, e isso pode afastar o público-alvo do filme. Lição que o diretor poderia ter aprendido melhor com Christopher Nolan e Bryan Singer: os 'fanboys' querem sim roteiro inteligente, cativante e desenvolvimento de personagens. Mas não perdoam um filme desse tipo com sequências de ação burocráticas e a descaracterização dos fetiches que no fim das contas, fazem a alegria das discussões de boteco. Sobre fetiche, me refiro ao novo visual do herói. Todo preto, nada memorável, muito longe do design icônico desenvolvido por Rob Bottin ou até mesmo a imponência de outro concorrente homem-de-lata contemporâneo, o Homem de Ferro da Marvel.

Mas se você gosta de cinema e especialmente do gênero, são falhas perdoáveis, que não tiram o brilhantismo dos acertos: temos aqui uma estréia das mais satisfatórias de um cineasta brasileiro em Hollywood, o que não é pouco. A direção de atores (Joel Kinnaman, Michael Keaton, Gary Oldman, Abbie Cornish e Samuel L. Jackson estão uniformemente ótimos e se entregando ao conceito) funciona, a fotografia de Lula Carvalho é vigorosa. E se a trilha incidental de Pedro Bronfman não chega a se impor como deveria, ao menos acerta ao invocar o tema clássico composto por Basil Poledouris para a trilogia original. José Padilha se saiu muito bem, num projeto danado desde o início. Conseguiu aparentemente fazer o filme que queria, contendo sua visão de mundo. É ficção científica boa. Se é ou não um bom filme de Robocop, aí é outra história.

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