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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Os 10 Melhores Filmes de 2013

Posso dizer sem medo de errar que 2013 foi ótimo para o cinema no mundo todo. Para além da diversão das listas, o importante é que cinematografias de países muito distintos contribuíram com obras que comentam o mundo de hoje, e isso faz com que a sétima arte seja extremamente efetiva como estudo da vida que vivemos. Se existe alguma crise de conteúdo, não posso concordar: deixei muitos filmes ótimos de fora. ("Antes da Meia-Noite" de Richard Linklater, o espetacular "O Som Ao Redor" de Kleber Mendonça Filho, "Suspeitos" de Denis Villeneuve, entre outros) Vale destacar que essa é a minha lista, reflexo de gosto particular, e não obedece nenhuma escola de cinema em específico. Meu único critério é se me balança, se me retira da realidade e me deixa absorto num outro mundo, me envolvendo com informações e pontos de vista que outrora eu desconhecia. Se emociona, se coloca um espelho na minha cara, se me faz passar mal: é digno de nota. Estes dez distintos pedaços de cinema fizeram isso por mim em 2013. Lá vai:


10 - "Upstream Color", dir. Shane Carruth (Upstream Color, EUA, 2013, 96min.)
   Shane Carruth é um escritor/diretor americano de cinema independente, rico em idéias. Não é um reinventor da forma, pois "Upstream Color", assim como seu filme de estréia, "Primer", são exercícios que tem vida dentro dos limites impostos pelo orçamento modesto. Mas ele compensa esse fato com um ponto de partida intrigante, (a saber: um cientista disposto a executar testes em animais e seres humanos para descobrir a origem da vida, a existência de um 'deus') e uma narrativa quase abstrata que desafia nossa capacidade cognitiva, por provocar associações inusitadas através da montagem de cenas sucessivas e aparentemente desconectadas, muitas vezes alterando o texto narrativo que é proposto, pedindo uma atenção redobrada do espectador. Essa manobra usada por gente do calibre de David Lynch é renovada aqui pelas mãos de Carruth num estudo profundo e devastador sobre a natureza humana, que não oferece respostas fáceis. Seria simples acusar o filme de intelectualóide ou confuso, mas assim como Chris Nolan em início de carreira e o próprio Lynch, esse jovem cineasta propõe uma experiência que transcende a narrativa comum e nos deixa extasiados com sua habilidade técnica brilhante, digna de veterano. Assista, antes que esse cara seja cooptado pelo cinemão Hollywoodiano.


9 - "Bling Ring: A gangue de Hollywood", dir. Sofia Coppola (The Bling Ring, EUA/UK/GER, 2013, 90 min.)
Baseado livremente em um artigo da escritora Nancy Jo Sales para a revista Vanity Fair, "The Bling Ring" é a nova obra de Sofia Coppola. Fala sobre um grupo de jovens ricos e bem-nascidos cujos modelos de afirmação são as Irmãs Kardashian, Paris Hilton e Lindsay Lohan. Dos pais, têm apenas uma dieta à base de vitaminas e muita filosofia barata de auto-ajuda. Não lhes restam alternativas para espantar esse horror todo a não ser saquear as mansões de seus ídolos, num ritual doentio onde roubam jóias e roupas. Tudo o que importa para eles, enfim. Sofia não perdoa: filma tudo com influência de Nouvelle Vague e raiva genuína, retratando uma geração no fundo do poço, sem sinais de redenção. É mordaz, moderno, e deixa o recado em menos de 90 minutos. "The Bling Ring" é o auge do desconforto da pequena Coppola com a modernidade e seus códigos, traduzido em cinema furioso, barulhento e que não pede desculpas ao final.


8 - "Cães Errantes" (Jiao You/Stray Dogs, Taiwan/FRA, 2013, 138 min)
 Muito já foi dito sobre Tsai Ming-Liang: um esteta, gênio, desafiador de convenções. Milhares de rótulos. Numa sessão espetacular de seu novo filme, "Cães Errantes", sobra apenas uma definição: cineasta que domina com exatidão o poder cinematográfico de provocar emoções através das imagens. O ponto de partida: um homem tenta sobreviver trabalhando em subempregos para cuidar de dois filhos em Taipei, até que seu caminho cruza com o de uma balconista solitária, que pode ou não tirá-los do limbo e levá-los rumo a uma vida melhor. Tsai revira e comenta a vida desses personagens usando todo tipo de artifício a que tem direito. Em uma determinada cena, ele enquadra o homem e a mulher durante 15 minutos, numa cena estática. Nada acontece. E tudo acontece. Somente com um vocabulário visual tão arrojado e uma direção de atores precisa, ele conseguiria desnudar a alma de pessoas que vivem à margem da sociedade, arriscando tudo todos os dias. Na cena em que o protagonista está no meio de um cruzamento movimentadíssimo embaixo de chuva torrencial, 'trabalhando' enquanto entoa um hino marcial que versa sobre honra e resiliência sob ataque, fica claro o tema do filme: almas testadas ao limite, que seguem numa torrente, assim como a água que não para de cair. Uma aula de cinema, para poucos que tiverem a paciência de destrinchar, de saborear. Serão recompensados.


7 - "Um Toque de Pecado" (Tian Zhu Ding/A Touch of Sin, China, 2013, 133min.)
 Esse é um filme proibido na China pelo seu governo. Não por conta de suas imagens fortes, mas por seu conteúdo explosivo e indesejado. Usando analogias espetaculares sobre animais subjugados por seus donos e trabalhadores oprimidos; e fazendo uma crítica pesada ao novo parceiro econômico do Brasil, que insiste em trocar humanidade por alta lucratividade, o diretor Jia Zhang-Ke faz um drama de ação arrepiante. Quatro histórias interligadas narrando a saga de figuras encurraladas por situações de desconforto social e moral. Todas com desfechos pesados, amargos. Como que se mostrando a violência banal em atos isolados, revela-se a opressão do Estado contra o indivíduo, que se rebela e reage com intensidade e inconsequência. Uma obra inusitada, que usa a violência como ato de libertação que nunca vem. Apenas assinala que quando se destroem regras de convívio, estamos fadados á autodestruição. O grande feito do autor Jia é nunca ser panfletário. Ele é um legítimo contrabandista de idéias na tradição de Paul Verhoeven e John Woo: dentro da estrutura de filme criminal, drama policial ou até mesmo filme de ação, ele consegue consumar sua visão sobre a China moderna e suas contradições, que refletem curiosamente as nossas por aqui. Um 'milagre' de governos pretensamente populistas? Um paradoxo? Assista e confira.


6 - "Frances Ha"
Primeiro, o óbvio que precisa ser reafirmado: Noah Baumbach é o sucessor legítimo de Woody Allen, um cara que tem prazer em retratar os meandros da vida urbana enquanto utiliza influências do cinema europeu. A fórmula aparentemente modesta vem sendo burilada há vários filmes e em "Frances Ha", alcança a perfeição. É um filme sobre duas amigas muito próximas, que querem tudo da vida, mas ainda estão aprendendo como conseguir. E essa busca, essa paixão por conseguir algo que se quer mas por um caminho ainda não delineado com exatidão é a matéria-prima de Baumbach e sua atriz protagonista e esposa, Greta Gerwig, defensora de uma personagem alegre, cheia de dúvidas e errante, mas com uma paixão que é difícil ignorar. "Frances Ha" é sobre as nossas vidas, e tem uma das melhores cenas do cinema nos últimos 10 anos: Frances correndo e dançando pelas ruas de Nova York ao som de "Modern Love", de David Bowie. Só os grandes alcançam esse grau de despojamento em tão pouco tempo. Sem falar que o diretor vê graciosidade na mulher moderna, o que já não acontece mais com o seu mentor cinematográfico. O que nos leva a....

5 - "Blue Jasmine" (Blue Jasmine, EUA, 2013, 98 min.)
....Woody Allen meus amigos! Nenhuma novidade: mais um filme brilhante. É impressionante como conforme a idade avança, Woody vai ficando cada vez mais mordaz e desesperançoso sobre relacionamentos, sobre o amor, sobre confiança. Ao mesmo tempo seu olhar é generoso, mesmo que a personagem em questão, Jasmine (defendida com perfeição por Cate Blanchett), não inspire nada além de desprezo: uma socialite em desgraça, que perde marido, filho e dinheiro, e vai terminar seus dias de infortúnio na casa da irmã (a brilhante Sally Hawkins, de "Simplesmente Feliz"), confrontando sua visão de mundo materialista e sonhadora com pé-rapados, losers que ela jamais gostaria de ver novamente. É desse choque de mundos que Allen faz uma investigação saborosa, revelando todos como farsantes, mesquinhos, mas paradoxalmente, dotados de humanidade. Não é um filme feliz, é um filme lúcido. Ainda bem. Mas é um roteiro brilhante, que se revela em camadas de flashbacks,e a direção de atores e o casting são impecáveis. É sobre desilusão, e nosso escritor/diretor fabuloso jamais foge ou atenua as consequências de uma vida desejada apenas pelas aparências. Por mais um ano consecutivo, que bravura de cinema.


4 - "Círculo de Fogo" (Pacific Rim, EUA, 2013, 131 min.)


Felizmente, "Círculo de Fogo" não precisa de desculpas. Não é minha paixão de infância falando mais alto, nem o 'evento nerd' que o hype elevou a categoria de fita maior. É um filme de arte de quase 200 milhões, é o projeto da vida do diretor Guillermo Del Toro, e é uma aventura arrasadora, que não nega nada ao seu público-alvo. Nem cabe falar sobre a trama do filme, afinal é auto-explicativo: são robôs gigantes que lutam contra monstros pelo futuro da humanidade. Se você acabou de ler isso que eu escrevi e não achou ridículo, por favor, assista: os tipos são recortes de animes (O General interpretado por Idris Elba vem em linha reta do outro General de "Akira"); a ação é acachapante, mas nunca incompreensível ou ininterrupta; e o desenvolvimento da história deve muito mais ao heroísmo dos filmes de John Ford do que aos robôzinhos 'aditivados' de Michael Bay. Não é original, e nem é esse o ponto: é sim uma matinê daquelas que todo moleque de 12 anos merecia ter, e felizmente o diretor Del Toro não tem problemas para conversar com sua 'criança interior'. Uma grande aventura que pode sim ser levada à sério, graças a sua direção atenta aos detalhes e a um elenco fantástico, que entendeu a proposta. Esse não é baseado em HQ: ele É a própria HQ. A não perder.



3 - "Gravidade" (Gravity, EUA, 2013, 90 min.)
Eu não serei louco em tentar descrever o que é essa verdadeira doideira do diretor Cuarón (que já tinha no bolso o espetacular "Children of Men"), porque á essa altura do campeonato eu espero que você leitor já tenha assistido essa pérola no cinema, de preferência no IMAX, ou na maior tela possível, com o melhor som. Não é uma afetação: é uma exigência para que se aproveite em totalidade esse drama sobre uma astronauta (Bullock) que se perde no espaço e...bom, vc já sabe, não sabe? O que me chamou mais a atenção nessa epopéia de 90 minutos além da perfeição técnica, é como Alfonso Cuarón fez um filme que fala sobre nossa pequenez, e a grandiosidade do nosso microcosmo de vida: apesar de parecermos formigas diante a imensidão assustadora do espeço, é o NOSSO olhar que valida tudo, e jornada não termina quando o próximo Big Bang varrer tudo. Termina quando nossos olhos se fecham...e além. Um grande pacote que une o maior filme de ficção científica dos últimos 10 anos e um drama pessoal intenso, nunca piegas, mas que afirma a vida em todos os sentidos. O 'Don't Let Go' do pôster faz muito, muito sentido.


2 - "Django Livre" (Django Unchained, EUA, 2012, 165 min.)
Quem me conhece ou acompanha esse blog sabe que eu já falei tudo sobre Quentin Tarantino e "Django Livre", e sabe também que o filme foi lançado nos Estados Unidos há exato um ano atrás, no dia de Natal em 2012. Mas foi lançado aqui na primeira semana de janeiro,e portanto, visto por esse humilde escriba em 2013. E quer saber? É inegável a força desse filme e como Tarantino evoluiu de um 'sabor da época', como era em 94 quando do lançamento de "Pulp Fiction" ('o cineasta dos 90', diziam os críticos), para um autor consagrado hoje, que trafega por diversos gêneros sempre sendo Tarantino. Desnecessário dizer mais, depois de sucesso mundial e aplauso da crítica. Mas quem foi ver "Django Livre" no cinema em janeiro desse ano sabe que esse diretor é mágico porque ele não pede intermediário. Ele é iconoclasta. Ele fala nos seus filmes sobre a paixão dele sobre filmes, e ele fala diretamente comigo, com você. Ele congraça, ele une jovens e idosos num mesmo cinema, rindo das mesmas piadas, por razões diferentes. E todos se emocionando em uníssono, porque convenhamos: o melhor do cinema é ir ao cinema, e Tarantino, assim como nós, sabe muito bem disso.


1 - "Azul é a Cor Mais Quente" (La Vie D'Adèle/Blue is The Warmest Color, FRA/BEL/SPA, 2013, 179 min.)
   Quem é Abdellatif Kechiche? Bom, antes desse aqui ele fez um filme estupendo chamado "O Segredo do Grão", e vá alugar, porque é fantástico. Eu vi em 2010, algo assim, e fiquei espantado porque claro, ele é da escola européia de privilegiar emoção e ambientação sobre enredo (á saber: ele é nascido na Tunísia, e tem 53 anos). Eu fiquei encantado com a intensidade, não, a voracidade com que ele filmava uma cena de reunião familiar em volta da mesa. As pessoas comiam e falavam com tanta autenticidade que parecia documental. Claro, pensei: é Gillo Pontecorvo e um aceno para Laurent Cantet, talvez? E eu segui em frente, e esse diretor/escritor/ator formidável seguiu em frente (consta outro filme chamado "Vênus Negra", ainda não vi), e no circuito de arte, de filmes em festivais, muitas vezes é possível ver um grande filme por um cineasta que depois desaparece e nunca mais se ouve falar....é algo muito comum até.

  Corte rápido para semana passada. Assisto uma sessão de "Azul é a Cor Mais Quente" e minhas emoções vão à extremos. Sem medo de errar, Kechiche fez um filme sobre a liberdade de amar e as consequências do amor real, e o resultado é um estouro. Léa Seydoux é atriz capaz de abarcar várias oitavas num breve olhar, jovem veterana que foi revelada num filme de Honoré ("A Pequena Junie"), e depois conquistou o mundo, trabalhando com Tarantino e Woody Allen. Virou estrela popular. Mas Adèle, a Adèle do filme, a Adèle real, Adèle Exarchopoulos, é essa quem vai entrar para a história. É com a câmera colada ao coração dessa revelação de atriz que somos convidados a testemunhar 'a' história de amor definitiva. Um arroubo de três horas que nunca perde o fôlego, um filme para sair nocauteado da sala de projeção, louco de paixão e com a fé renovada num cinema de arte que finalmente alcança as grandes massas e oferece algo substancioso de fato. O que diretor e atrizes oferecem em "Azul é a Cor Mais Quente" é a verdade.

 A paixão das garotas é autêntica e quebra qualquer discussão sobre homossexualismo, afastando moralistas de ocasião (que inclusive chiaram em Cannes, onde ganhou a Palma de Ouro) O sexo é cru, e explode em cenas belíssimas, intensas, longas e detalhadas. Elas não usam maquiagem e nada é coreografado. Não existe muleta na mise-en-scène de Kechiche. Quando choram, é pra valer. E assim esses personagens seguem, e eles comem com gosto, amam e se odeiam, fazem sexo e andam na rua, pintam quadros, leem poesia, vão á escola, discutem com os pais, com os colegas de classe...o gozo e a tristeza são reais, e durante três horas eu convivi com essa gente, eu estive dentro da cabeça delas, entendendo as deixas de uma para a outra, muito além dos cortes de cena. O diretor não te deixa testemunhar o filme de fora: você está DENTRO do relacionamento. E arrebata, é devastador.

  E se a experiência foi tão intensa, é porque a dita Grande Arte (assim, em maiúsculas) não existe de maneira hermética, para poucos: ela se concretiza colocando um espelho na cara da gente e revelando que sim, apesar de ser representação da vida, pode ser verdadeira e deve ser desfrutada de maneira livre. Esse é um filme cuja proposta é muito simples, mas não a execução e o resultado final. Reza a lenda que o diretor pediu às duas atrizes que lessem o roteiro apenas um vez e o esquecessem de súbito. Se isso é verdade, eu não consigo pensar em algo mais democrático do ponto de vista artístico e mais verdadeiro e condizente com os amores que vivemos na vida 'real': sabe-se o começo, meio e fim de todas as histórias, mas não a vida nos detalhes imprevisíveis, nas ações não-calculadas, no romance que brota daquilo que uns chamam de sorte, e outros de destino. "Azul é Cor Mais Quente" é um sonho adolescente que abraça todas essas possibilidades de amor num cinema vigoroso, que nos faz sair do cinema com vontade de viver, mesmo que o preço seja muito intenso quase sempre. E com tanto novelão por aí, não é melhor assim?

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