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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Risco Máximo (Maximum Risk, EUA, 1996, 101 min.)

    Sim, meus caros! Esse blog presta homenagem a esse gênio incompreendido que foi responsável pelo crescimento das escolas de karatê e videolocadoras no fim dos anos 80! Odiado pelos críticos e idolatrado pela molecada. Contraditório. Cocainômano assmuido. Posteriormente abstêmio assumido. Jean-Claude Van Damme representa um verdadeiro pedaço da infância e adolescência de muita gente. Da minha inclusive. Recentemente zapeando na tv a cabo parei num reality show bizarro que consistia em acompanhar o dia-a-dia do ex-astro belga. Nenhuma revelação impactante. Apenas um cara comum que vez por outra tem os delírios de grandeza que acometem todos nós. Van Damme é sim um cara como eu e você que sonhava em se tornar astro de cinema, batalhou para isso, conseguiu, perdeu a carreira se afundando em outras carreiras e a recuperou parcialmente, ensaiando uma reinvenção metalinguística agora, em plenos anos 2000.

  De todos os astros de ação surgidos na década de 80, Van Damme era o mais bagaceira de todos. Enquanto Schwarzenegger cercava-se de bons realizadores e aqui e ali realizava bons filmes independente de sua parca habilidade como ator, Stallone sobrevivia à custa de seus Rambos e Rockys e Seagal surgia como um embuste rapidamente abortado, Van Damme abraçava o cinema B com vontade. Seus filmes me atraíam quando moleque porque eram mais violentos que os da concorrência, cheios de pancadaria e com muita mulher pelada. Para um moleque nos seus 13, 14 anos, isso era o paraíso. Lembro de grandes sessões em vídeo: "Garantia de Morte", "Cyborg", "Kickboxer", "Leão Branco - O Lutador Sem Lei" e a obra máxima, "Bloodsport - O Grande Dragão Branco". Todos horríveis, todos clássicos, introduções pernetas ao mundo do grande cinema tosco de ação.

   E quando entrou no esquema dos grandes estúdios, foi tragado pela megalomania e esculhambou uma carreira promissora. Trouxe John Woo para os Estados Unidos sob um contrato com a Universal de três filmes. Mas o sábio Woo realizou apenas o primeiro, "O Alvo" (1993), e caiu fora para abraçar uma carreira vitoriosa, enquanto Van Damme ficou a ver navios, sempre à mercê de diretores de segunda categoria e roteiros péssimos. Sua tentativa de emplacar um grande hit na Universal gerou o catastrófico "Street Fighter", adaptação do jogo para videogame imensamente popular na época. O filme foi um fracasso de crítica e público retumbante e Van Damme foi para a Columbia Pictures, onde realizou três péssimos filmes que selaram sua queda para a terceira divisão do cinema de ação. Risco Máximo (96), A Colônia (97), e Knock Off (98) são bombas inegáveis, mas que acabam se tornando interessantes na carreira do astro, pois os três contaram com a direção de dois cineastas chineses de ação que à exemplo de Woo estreavam sob os auspícios de Van Damme: Tsui Hark (veterano que produziu o início de carreira de Woo em filmes como Alvo Duplo) em A Colônia e Knock Off e Ringo Lam em Risco Máximo.

 Revi Risco Máximo no último final de semana e acho que é um dos melhores filmes ruins de Van Damme. É cheio de falhas no roteiro. Mas Ringo Lam, o realizador de City of Fire, filme que Tarantino 'emprestou' para a realização do seu Cães de Aluguel, não é qualquer um. Ao contrário de seus compatriotas Woo e Hark, Ringo Lam tem uma pegada mais setentista e menos alucinada. Sua condução nas cenas de tensão é legítima. Muito habilidoso no uso do foco crítico na ação e sempre firme na edição. Você compreende a geografia das cenas de luta. As perseguições funcionam. É uma pena que o filme tenha se perdido em algum ponto no roteiro, que consiste no policial francês interpretado por Van Damme investigando a morte de seu irmão gêmeo separado no nascimento, envolvido com a máfia russa e policiais corruptos. Ele assume a identidade do irmão e se infiltra na quadrilha tentando descobrir o que aconteceu de fato com seu duplo.

    É um ponto de partida batido, mas grandes filmes policiais como Os Infiltrados, Fogo Contra Fogo, Ronin e tantos outros também possuem argumentos banais. É a habilidade do diretor em conduzir esse roteiro de maneira satisfatória que torna o filme interessante, e isso Ringo Lam não faz. Não sabe driblar maus atores, diálogos ruins e soluções pífias. Mas consegue um registro de ação digno e acerta a mão na ambientação, seja em Paris ou quando se desloca para a Little Odessa ,bairro reduto da Máfia Russa nos EUA. Conduz o filme até o final com um lampejo aqui e ali de dignidade, mas não consegue tirá-lo do lugar comum.

    Quase quinze anos depois, Van Damme realizou o primeiro filme realmente bom de sua carreira. "JCVD" é uma mescla de thriller de assalto com metalinguagem em que Van Damme interpreta...Van Damme: um astro cinquentão, decadente, cheio de dívidas que se vê no meio de um assalto numa agência dos correios na Bélgica e repassa sua vida num monólogo arrepiante de dez minutos, quebrando a quarta parede cinematográfica e confessando para nós, seu público, todos os seus arrependimentos e anseios. Esses dez minutos valem por todos os filmes que ele fez. Apenas não sei se a essa altura do campeonato nós, admiradores do bom e velho Van Damme tosco e B, estaríamos dispostos a trocá-lo pelo Van Damme bem-intencionado e bom ator.
 
Afinal, depois que até Keanu Reeves e Cameron Diaz se tornaram autoridades em artes marciais, o moleque em mim anseia mesmo é pelo retorno de um cinema-pancadaria mais ególatra e inconsequente. De baixa qualidade, com sangue e mulher pelada. E chutes giratórios, por favor.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O Palhaço (Idem, Brasil, 2011, 88 min.)

    Tem sessões de cinema que, por razões as vezes alheias ao próprio filme, se tornam inesquecíveis. Me lembro claramente quando, numa noite de calor em 2000, fui ao SESC aqui de Araraquara conferir, numa exibição ao ar livre, o filme de Luís Fernando Carvalho baseado na obra de Raduan Nassar, "Lavoura Arcaica". Saí extasiado por diversas razões: o clima de reverência da sessão em si, a complexidade da obra, dirigida com afinco por Carvalho, a entrega dos atores. Raul Cortez, Simone Spoladore e...Selton Mello. Até então Mello era mais um ator de tv que tentava a sorte na tela grande após um grande sucesso (O Auto da Compadecida, de Guel Arraes) e em "Lavoura" surpreendia num papel de filho rejeitado. Era uma entrega, uma raiva difícil de esquecer. E uma promessa de ator que poderia ou não se concretizar.

   Eis que estou aqui, dez anos depois, para dizer que Selton se tornou não apenas um ator único, conseguindo equilibrar versatilidade no cinema e uma carreira de astro de tv incomum no Brasil (note como diferente de muitos de sua geração, só topa séries, projetos fechados que se destacam mais na cabeça do público volátil de televisão). Se tornou ainda um diretor, arrisco dizer um cineasta relevante, com identidade visual e bom gosto na escolha de projetos.

   Seu primeiro projeto em 2008, "Feliz Natal", era um drama de tintas carregadas, influenciado pelo cinema de Lucrecia Martel e o naturalismo de "Sombras", obra seminal de Cassavetes. Já apresentava ali duas de suas características mais marcantes: o casting inspirado, principalmente em pontas inesquecíveis (Lúcio Mauro como um chefe de família assustador, Darlene Glória fazendo uma matriarca decadente), e um cuidado na elaboração do roteiro e na mise-en-scène incomum para realizadores nacionais, até veteranos.
 Ao mesmo tempo, era de se notar sua preocupação temática: o núcleo familiar em dissolução, uma crise moral que assolava todos os personagens e era presenciada, de maneira crua e eficaz, sempre pelas crianças. É um grande filme.

    E que alegria confirmar que mais da metade dessas qualidades estão presentes de maneira bem dosada por Mello em seu segundo e consagrador filme, "O Palhaço", um verdadeiro tributo a todo tipo de artista que algum dia ousou se questionar sobre sua habilidade, sua capacidade de ver o mundo sob um viés mais otimista. É a história de Benjamim, um palhaço de circo que junto à sua trupe familiar circense roda um Brasil atemporal, rural, levando um pouco de alegria aos recônditos esquecidos do país.

   Mas há um problema. Benjamim não consegue encontrar mais paixão no que faz. Perdeu a capacidade de ver o belo da vida há tempos. Seu pai, palhaço experiente interpretado com afeto e emoção inenarráveis por Paulo José, sabe que este é um calvário que o filho terá de atravessar sozinho. A busca pela identidade, a viagem pelo mundo que o fará entender um pouco mais sobre si mesmo e o próprio ofício. Rir e fazer rir. Novos ares, ventos de mudança. E não é à toa que o ventilador é uma obsessão quase recorrente de Benjamim durante o filme. Selton domina a metáfora e a torna simples, mas não desprovida de significado.
Dirige com esmero nos enquadramentos, sabe quando o filme pode aliviar e pegar pesado no sentimento de inadequação do personagem. Existe algo de Tim Burton, uma esquisitice simpática, um quê dos ciganos amalucados de Emir Kusturica, e muito de Wes Anderson. Mas sempre essencialmente brasileiro, sem se deixar soterrar por essas influências.

   E ainda há participações preciosas de gente como Moacir Franco e Jorge Loredo, o Zé-Bonitinho, em pontas impagáveis, momentos-chave do filme que Selton confia a esses veteranos. Eles não decepcionam. De certa forma, é como se o ator-diretor olhasse para os grandes do passado de maneira a poder seguir em frente com uma identidade própria, mas com uma consciência de que todo tipo de arte é como um manto herdado. Toda a angústia que um artista passa no processo criativo já foi sentida de maneira maior ou menor por outro lá atrás. E é esse conhecimento em história, essa atenção aos artistas veteranos que talvez o faça entender que se eles chegaram até ali, refinando seu ofício sem esconder as marcas da vida...quem sabe a nova geração também possa seguir adiante. Sorrindo aqui e ali.

A Pele Que Habito (La Piel Que Habito, ESP, 2011, 117 min.)

     Há tempos não via um filme tão bom como esse 'A Pele Que Habito', nova obra de Almodóvar que funciona como uma verdadeira maratona de patologias autoreferentes embaladas no melhor cinema que o autor espanhol produziu desde sua obra de 1999, 'Tudo Sobre Minha Mãe'. É um misto de filme fantástico (a qualquer momento pensei que iria descambar para um 'Noiva do Reanimator', podreira de Brian Yuzna, mas ledo engano folks, isto aqui é cinema classudo) com a marca indelével de Almodóvar. Todas as suas paranóias sexuais alcançam aqui o zênite, graças a um roteiro espetacular de sua autoria, baseado no romance 'Tarantula', do autor francês Thierry Jonquet.

    Um cirurgião plástico brilhante, Robert Ledgard (Banderas em grande forma), traumatizado com a perda grotesca de sua esposa, passa a recriar, reformar, burilar, transformar em laboratório uma nova mulher (a deslumbramte Elena Anaya): um experimento, um rato de laboratório que tem consciência de seu papel como objeto de obsessão do renomado cirurgião - curiosamente de origem brasileira, referência confessa do cineasta ao Dr. Ivo Pitanguy.

   Mas isso é só a camada superficial, o 'macguffin' de Almodóvar para nos mergulhar em uma trama cuja idéia principal é a extrema punição em vida: para além do óbvio aceno ao cinema de gênero - o horror de Frankenstein - com suas convenções bastante rígidas, existe uma idéia de morte que se consuma o tempo todo: o perigo e o desejo são reais, e a punição pelo desejo é sempre catastrófica, moralista. Existe toda uma subtrama familiar que dá estofo ao argumento inicial, e essas relações cíclicas de mães e filhos que se afastam e se aproximam são a marca do cineasta.

  Em um momento singular da fita, Ledgard (Banderas), usa uma navalha de maneira que faz lembrar em linha direta Buñuel em 'Um Cão Andaluz' e claro, Hitchcock. Mas a mutilação que pertence ao assassino do filme de horror banal não é o objetivo claro do diretor: o que está em jogo aqui é uma idéia macabra de rearranjo e interpenetração...é algo que não pode ser revelado sob pena de se perder a grande virada da trama, mas pode-se adiantar que há tempos a temática habitual de Almodóvar não encontrava soluções tão férteis e doentias do ponto de vista criativo. Mas nota-se que em momento algum se perde a humanidade de vista. Não cai na caricatura, tampouco vira um thriller barato. Ainda é um drama típico com as características do realizador.

   A diferença primordial é que desta vez além do estudo de personagens característico do cineasta, existe um 'plot', uma trama para qual tudo converge. As elipses, os flashbacks, narrações em off...todas as peças do filme existem de maneira a exercer funções simbólicas. Á moda dos grandes artistas, Almodóvar subverte um gênero. Parte do lugar comum para dizer coisas que lhe são caras, e com isso sai de sua zona de conforto e realiza seu melhor filme em muito tempo. Cru, desagradável, delirante, mas com uma força tamanha que é impossível negar sua energia pura de cinema que brota de suas imagens e palavras.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O Melhor Show de Rock que Eu Já Vi (Não Existe) - Pearl Jam no Morumbi - 03/11/2011

     Desde a  madrugada de sexta passada eu não consigo esquecer a experiência que foi o show do Pearl Jam no Morumbi. Foi, de longe, a apresentação de rock mais honesta que eu já vi de uma banda que goza do nefasto status de 'megabanda', alcunha esta, vale a pena ressaltar, aferida à contragosto dos membros do grupo. Houve um desprendimento, um sentimento de rock de bar, de inferninho, que já estava anunciado desde a performance elétrica da veterana 'X', punks californianos que tem como única promessa e compromisso tocar como se não houvesse amanhã...é música crua e descompromissada, tudo o que uma noite nublada e muito fria pedia. Sem firulas, sem acessórios...só a excitação.  

     Voltando um pouco: dentro do estádio, tentei capturar o espírito da noite; qual seria o zeitgeist de um grupo de pessoas que em plena quinta-feira se reúnem para testemunhar um show de rock? Em vão. Mistura ácida, azeda até: playboys, patricinhas, apreciadores, jovens que pensavam estar numa balada...desanimo, fico disperso. Me pergunto se ainda existe algum significado nesse tipo de reunião que não seja um puro simulacro de Disneylândia, uma Las Vegas roqueira mofada, preocupada apenas em vender memorabilia e cerveja para jovens incautos que tentam desesperadamente alcançar um tempo que passou há tempos. As máquinas fotográficas pululam, os celulares são sacados à uma velocidade impressionante e a última coisa que passa pelos corações e mentes é a música. Nunca precisei de souvenir especial para me lembrar de momentos especiais...a lamentável procissão das camisetas arrogantes, afirmando, erguendo o troféu: "Eu Fui!!". Vade retro. Para além da pirotecnia, me basta saber que o som saindo das caixas é realmente executado pela banda que vejo à alguns metros de distância. O resto é distração.

       Mas afinal, o que EU esperava do Pearl Jam? A 'outra' banda do Grunge (péssimo termo, é so hard rock de Seattle, folks), o 'Messias' de nossa geração: Eddie Vedder. Uma banda munida de referências intocáveis: Ramones, The Who, Zeppelin, Neil Young. A briga com a Ticketmaster, na metade dos anos 90. Seus shows mitológicos de quase três horas(e quem esteve no Pacaembu em 2005 sabe disso melhor), seus setlists imprevisíveis. As canções épicas...a honestidade da performance.

      Então, poucos instantes antes do início, concluí que a exigência principal, para mim, seria a emoção genuína. 'Aquele' momento, aquele erro, uma alongada num solo que pode correr diferente da gravação original. Qualquer coisa que me fizesse crer que mais do que uma máquina executando hits de maneira burocrática, ali estavam caras como eu, que montaram uma banda de rock porque simplesmente gostam muito de música e conseguem ver as canções como uma resposta e um comentário ao mundo às vezes por demasiado chato.

       Me enganei redondamente.

    O que Vedder e seus comparsas aprontaram nas quase duas horas e meia seguintes foi muito além disso. Como em toda Grande Arte, ela não se anuncia como 'inteligente' ou 'grandiosa'. Começa de maneira lenta, sem grandes pretensões (a entrada diferente de tudo que eu já vi, com a cadenciada e épica 'Release'), e aos poucos toma todos os espaços, te coloca no meio de um furacão. É preciso se segurar. Muitos que foram apenas para cantar os famigerados hits talvez não tenham compreendido a proposta da banda: trata-se de dar um passo para trás e apreciar o quadro completo. Aos poucos, as canções formavam blocos que realmente transmitiam algo. A sequência com 'Save You', 'The Fixer' e o arrasa-quarteirão 'Do The Evolution' ilustrou de maneira perfeita a idéia de altruísmo-nem-que-for-na-porrada, o supra-sumo da filosofia Vedder. Emoção transmitida através das canções, ora em lamentos épicos ('Black' em uma versão de mais de 10 minutos!)que lembravam a velha Crazy Horse de Neil Young, ou punk energético...Ramones encontrando Tom Petty e Pete Townshend na melhor tradição do rock energético que na virada dos anos 90 foi chamado de...Grunge.

          Isolado numa ilha de som perto de uma banca de merchandising da banda, consegui encontrar a paz de espírito e a solidão para sorver em goles generosos o vinho de boa safra do Pearl Jam. Com as caixas de som coladas aos meus ouvidos e a imagem da banda cristalina à uma distância maior, o frio implacável tornava a noite mais memorável...como um teste de resistência. Talvez seja idiotice minha, mas não há nada mais motivacional do que ver centenas de pessoas à sua volta entoando um refrão, pulando, dançando num frio de 7, 8 Graus...é algo para ser contemplado com atenção: momentos que nos escapam, parecem sonhados até.

         E ali, sozinho, Vedder conseguiu a grande proeza do rock de estádio: comunicou uma emoção universal e ao mesmo tempo fez o sentimento bater de maneira particular em cada pessoa do recinto. Quando dedicou 'Come Back' para o falecido guitarrista Johnny Ramone, transformou uma canção de lamento amoroso pelo retorno da pessoa amada em algo muito maior: a conexão emocional estabelecida pela saudade do velho roqueiro morto pelo câncer, e consequentemente a saudade dos Ramones desencadeou a memória afeitva de muitos (tá bom, eu) no estádio.

    E então 'Come Back' se tornou a trilha sonora para aqueles que sentem a falta de alguém. Pode ser a namorada, a esposa, o filho, o pai, o avô, a avó...pode até ser mesmo saudades de si mesmo. Da época em que um show de rock não precisava de tanta análise...tanta justificativa. Enfim, enquanto o abençoado guitarrista Mike Macready destroçava sua guitarra em um solo longo e dolorido, um filme passava na minha cabeça...e eu consegui alcançar a emoção genuína que procurava no parágrafo lá em cima.

    Depois disso, veio a catarse: 'I Believe In Miracles' e 'Alive', juntas, cantadas em uníssono por 50 mil pessoas me deram a certeza de que eu estava testemunhando algo muito especial. Nem precisava encerrar com 'Rockin' In The Free World' , nem precisava bajular o Brasil...para mim o momento já estava consumado e o caneco já era meu, nenhuma jogada no tapetão iria tirar os pontos dessa noite tão incrível.

    Mas meus amigos, a mágica, como tudo nessa vida, não dura para sempre. São momentos fugazes e depois...de volta à programação normal. Por isso é tão difícil comprovar um milagre: o extraordinário está, enfim, nos olhos da testemunha. Contar, tentar recuperar um momento através da memória é uma vã tentativa de capturar o raio na garrafa duas vezes...mas de vez em quando, o milagre acontece.

   Conclusão: se é possível classificar, esse Pearl Jam na quinta passada entra para o rol das grandes experiências que eu já vivi. Pode ter sido o grande show de rock que eu sempre esperei assistir, mas não sei se isso existe. Acho que aconteceu mesmo na minha cabeça...e olha que minha canção favorita só foi tocada no dia seguinte: 'State of Love and Trust'. Seus versos me assombram já fazem mais de dez anos:

'And I listen for the voice inside my head
Nothin', I'll do this one myself '

Já pensou se eu tivesse visto isso na sexta? Funciona assim: para mim, chegar à perfeição pode ser perigoso...o grande barato é viver na borda da perfeição, contemplar aquilo que pode ser...é o 'quase' que faz a gente continuar perseguindo o 'Mystery Train' que Elvis perseguiu a vida inteira...e é assim que eu quero para mim. Então essa coisa de 'show da minha vida' não existe! Sem ponto final, sem 'topo do mundo'...os Road Movies deixaram a lição: é a viagem, e não o objetivo, que valida todo o resto.