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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O Melhor Show de Rock que Eu Já Vi (Não Existe) - Pearl Jam no Morumbi - 03/11/2011

     Desde a  madrugada de sexta passada eu não consigo esquecer a experiência que foi o show do Pearl Jam no Morumbi. Foi, de longe, a apresentação de rock mais honesta que eu já vi de uma banda que goza do nefasto status de 'megabanda', alcunha esta, vale a pena ressaltar, aferida à contragosto dos membros do grupo. Houve um desprendimento, um sentimento de rock de bar, de inferninho, que já estava anunciado desde a performance elétrica da veterana 'X', punks californianos que tem como única promessa e compromisso tocar como se não houvesse amanhã...é música crua e descompromissada, tudo o que uma noite nublada e muito fria pedia. Sem firulas, sem acessórios...só a excitação.  

     Voltando um pouco: dentro do estádio, tentei capturar o espírito da noite; qual seria o zeitgeist de um grupo de pessoas que em plena quinta-feira se reúnem para testemunhar um show de rock? Em vão. Mistura ácida, azeda até: playboys, patricinhas, apreciadores, jovens que pensavam estar numa balada...desanimo, fico disperso. Me pergunto se ainda existe algum significado nesse tipo de reunião que não seja um puro simulacro de Disneylândia, uma Las Vegas roqueira mofada, preocupada apenas em vender memorabilia e cerveja para jovens incautos que tentam desesperadamente alcançar um tempo que passou há tempos. As máquinas fotográficas pululam, os celulares são sacados à uma velocidade impressionante e a última coisa que passa pelos corações e mentes é a música. Nunca precisei de souvenir especial para me lembrar de momentos especiais...a lamentável procissão das camisetas arrogantes, afirmando, erguendo o troféu: "Eu Fui!!". Vade retro. Para além da pirotecnia, me basta saber que o som saindo das caixas é realmente executado pela banda que vejo à alguns metros de distância. O resto é distração.

       Mas afinal, o que EU esperava do Pearl Jam? A 'outra' banda do Grunge (péssimo termo, é so hard rock de Seattle, folks), o 'Messias' de nossa geração: Eddie Vedder. Uma banda munida de referências intocáveis: Ramones, The Who, Zeppelin, Neil Young. A briga com a Ticketmaster, na metade dos anos 90. Seus shows mitológicos de quase três horas(e quem esteve no Pacaembu em 2005 sabe disso melhor), seus setlists imprevisíveis. As canções épicas...a honestidade da performance.

      Então, poucos instantes antes do início, concluí que a exigência principal, para mim, seria a emoção genuína. 'Aquele' momento, aquele erro, uma alongada num solo que pode correr diferente da gravação original. Qualquer coisa que me fizesse crer que mais do que uma máquina executando hits de maneira burocrática, ali estavam caras como eu, que montaram uma banda de rock porque simplesmente gostam muito de música e conseguem ver as canções como uma resposta e um comentário ao mundo às vezes por demasiado chato.

       Me enganei redondamente.

    O que Vedder e seus comparsas aprontaram nas quase duas horas e meia seguintes foi muito além disso. Como em toda Grande Arte, ela não se anuncia como 'inteligente' ou 'grandiosa'. Começa de maneira lenta, sem grandes pretensões (a entrada diferente de tudo que eu já vi, com a cadenciada e épica 'Release'), e aos poucos toma todos os espaços, te coloca no meio de um furacão. É preciso se segurar. Muitos que foram apenas para cantar os famigerados hits talvez não tenham compreendido a proposta da banda: trata-se de dar um passo para trás e apreciar o quadro completo. Aos poucos, as canções formavam blocos que realmente transmitiam algo. A sequência com 'Save You', 'The Fixer' e o arrasa-quarteirão 'Do The Evolution' ilustrou de maneira perfeita a idéia de altruísmo-nem-que-for-na-porrada, o supra-sumo da filosofia Vedder. Emoção transmitida através das canções, ora em lamentos épicos ('Black' em uma versão de mais de 10 minutos!)que lembravam a velha Crazy Horse de Neil Young, ou punk energético...Ramones encontrando Tom Petty e Pete Townshend na melhor tradição do rock energético que na virada dos anos 90 foi chamado de...Grunge.

          Isolado numa ilha de som perto de uma banca de merchandising da banda, consegui encontrar a paz de espírito e a solidão para sorver em goles generosos o vinho de boa safra do Pearl Jam. Com as caixas de som coladas aos meus ouvidos e a imagem da banda cristalina à uma distância maior, o frio implacável tornava a noite mais memorável...como um teste de resistência. Talvez seja idiotice minha, mas não há nada mais motivacional do que ver centenas de pessoas à sua volta entoando um refrão, pulando, dançando num frio de 7, 8 Graus...é algo para ser contemplado com atenção: momentos que nos escapam, parecem sonhados até.

         E ali, sozinho, Vedder conseguiu a grande proeza do rock de estádio: comunicou uma emoção universal e ao mesmo tempo fez o sentimento bater de maneira particular em cada pessoa do recinto. Quando dedicou 'Come Back' para o falecido guitarrista Johnny Ramone, transformou uma canção de lamento amoroso pelo retorno da pessoa amada em algo muito maior: a conexão emocional estabelecida pela saudade do velho roqueiro morto pelo câncer, e consequentemente a saudade dos Ramones desencadeou a memória afeitva de muitos (tá bom, eu) no estádio.

    E então 'Come Back' se tornou a trilha sonora para aqueles que sentem a falta de alguém. Pode ser a namorada, a esposa, o filho, o pai, o avô, a avó...pode até ser mesmo saudades de si mesmo. Da época em que um show de rock não precisava de tanta análise...tanta justificativa. Enfim, enquanto o abençoado guitarrista Mike Macready destroçava sua guitarra em um solo longo e dolorido, um filme passava na minha cabeça...e eu consegui alcançar a emoção genuína que procurava no parágrafo lá em cima.

    Depois disso, veio a catarse: 'I Believe In Miracles' e 'Alive', juntas, cantadas em uníssono por 50 mil pessoas me deram a certeza de que eu estava testemunhando algo muito especial. Nem precisava encerrar com 'Rockin' In The Free World' , nem precisava bajular o Brasil...para mim o momento já estava consumado e o caneco já era meu, nenhuma jogada no tapetão iria tirar os pontos dessa noite tão incrível.

    Mas meus amigos, a mágica, como tudo nessa vida, não dura para sempre. São momentos fugazes e depois...de volta à programação normal. Por isso é tão difícil comprovar um milagre: o extraordinário está, enfim, nos olhos da testemunha. Contar, tentar recuperar um momento através da memória é uma vã tentativa de capturar o raio na garrafa duas vezes...mas de vez em quando, o milagre acontece.

   Conclusão: se é possível classificar, esse Pearl Jam na quinta passada entra para o rol das grandes experiências que eu já vivi. Pode ter sido o grande show de rock que eu sempre esperei assistir, mas não sei se isso existe. Acho que aconteceu mesmo na minha cabeça...e olha que minha canção favorita só foi tocada no dia seguinte: 'State of Love and Trust'. Seus versos me assombram já fazem mais de dez anos:

'And I listen for the voice inside my head
Nothin', I'll do this one myself '

Já pensou se eu tivesse visto isso na sexta? Funciona assim: para mim, chegar à perfeição pode ser perigoso...o grande barato é viver na borda da perfeição, contemplar aquilo que pode ser...é o 'quase' que faz a gente continuar perseguindo o 'Mystery Train' que Elvis perseguiu a vida inteira...e é assim que eu quero para mim. Então essa coisa de 'show da minha vida' não existe! Sem ponto final, sem 'topo do mundo'...os Road Movies deixaram a lição: é a viagem, e não o objetivo, que valida todo o resto.

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