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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A Pele Que Habito (La Piel Que Habito, ESP, 2011, 117 min.)

     Há tempos não via um filme tão bom como esse 'A Pele Que Habito', nova obra de Almodóvar que funciona como uma verdadeira maratona de patologias autoreferentes embaladas no melhor cinema que o autor espanhol produziu desde sua obra de 1999, 'Tudo Sobre Minha Mãe'. É um misto de filme fantástico (a qualquer momento pensei que iria descambar para um 'Noiva do Reanimator', podreira de Brian Yuzna, mas ledo engano folks, isto aqui é cinema classudo) com a marca indelével de Almodóvar. Todas as suas paranóias sexuais alcançam aqui o zênite, graças a um roteiro espetacular de sua autoria, baseado no romance 'Tarantula', do autor francês Thierry Jonquet.

    Um cirurgião plástico brilhante, Robert Ledgard (Banderas em grande forma), traumatizado com a perda grotesca de sua esposa, passa a recriar, reformar, burilar, transformar em laboratório uma nova mulher (a deslumbramte Elena Anaya): um experimento, um rato de laboratório que tem consciência de seu papel como objeto de obsessão do renomado cirurgião - curiosamente de origem brasileira, referência confessa do cineasta ao Dr. Ivo Pitanguy.

   Mas isso é só a camada superficial, o 'macguffin' de Almodóvar para nos mergulhar em uma trama cuja idéia principal é a extrema punição em vida: para além do óbvio aceno ao cinema de gênero - o horror de Frankenstein - com suas convenções bastante rígidas, existe uma idéia de morte que se consuma o tempo todo: o perigo e o desejo são reais, e a punição pelo desejo é sempre catastrófica, moralista. Existe toda uma subtrama familiar que dá estofo ao argumento inicial, e essas relações cíclicas de mães e filhos que se afastam e se aproximam são a marca do cineasta.

  Em um momento singular da fita, Ledgard (Banderas), usa uma navalha de maneira que faz lembrar em linha direta Buñuel em 'Um Cão Andaluz' e claro, Hitchcock. Mas a mutilação que pertence ao assassino do filme de horror banal não é o objetivo claro do diretor: o que está em jogo aqui é uma idéia macabra de rearranjo e interpenetração...é algo que não pode ser revelado sob pena de se perder a grande virada da trama, mas pode-se adiantar que há tempos a temática habitual de Almodóvar não encontrava soluções tão férteis e doentias do ponto de vista criativo. Mas nota-se que em momento algum se perde a humanidade de vista. Não cai na caricatura, tampouco vira um thriller barato. Ainda é um drama típico com as características do realizador.

   A diferença primordial é que desta vez além do estudo de personagens característico do cineasta, existe um 'plot', uma trama para qual tudo converge. As elipses, os flashbacks, narrações em off...todas as peças do filme existem de maneira a exercer funções simbólicas. Á moda dos grandes artistas, Almodóvar subverte um gênero. Parte do lugar comum para dizer coisas que lhe são caras, e com isso sai de sua zona de conforto e realiza seu melhor filme em muito tempo. Cru, desagradável, delirante, mas com uma força tamanha que é impossível negar sua energia pura de cinema que brota de suas imagens e palavras.

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