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domingo, 22 de setembro de 2013

Bruce Springsteen: O Último Concerto de Rock

Na última quarta estive no Espaço das Américas, casa de shows localizada na Barra Funda, em São Paulo, para assistir ao show de Bruce Springsteen e a E Street Band. Eles voltaram à América do Sul após um hiato de 25 anos. A única pista do quão grandioso o espetáculo poderia ser foram duas décadas acompanhando os discos, dvds, bootlegs de shows e mais recentemente vídeos profissionais ou amadores que captavam, ou ao menos tentaram traduzir a grandiosidade dessa "Wrecking Ball Tour", que desde já é a mais extensa do artista norte-americano.

Nada poderia me preparar para o que vi e ouvi na noite de 18 de Setembro. Abençoado dia em que assisti o melhor concerto de rock de toda a minha vida.

Outros shows com certeza virão, mas em pouco mais de dez minutos de Bruce e banda no palco, eu tive a certeza que aquilo sim é uma banda real tocando, uma banda que recebe a energia do público e devolve a empolgação. Uma banda que não apenas encena, mas reage, dialoga, complementa. Que joga o jogo com maestria. Que entrega a conexão REAL que eu sempre procurei e até então nunca havia encontrado num show de rock. Uma banda verdadeira, pessoas tocando música verdadeira como se não houvesse amanhã.

E meus amigos, se ver é acreditar, então eu lhes digo: não há nada parecido com a experiência de ver Bruce Springsteen e a E Street Band ao vivo. Eu poderia passar o dia aqui elogiando o repertório inacreditável e musicalidade, o grau de entrega absurdo. Mas o que eu vi foi trabalho prazeroso, o resultado de muito, muito trabalho e vontade. Desde a abertura transcendental com 'Sociedade Alternativa' (sim, a canção de Raul Seixas num arranjo de metais soberbo e definitivo, o maior tributo a um roqueiro brasileiro feito por um músico estrangeiro em muito tempo), até o encerramento solitário com 'This Hard Land' (e a estrofe final que não sai da minha cabeça: 'Stay hard, Stay Hungry, Stay Alive...If you can...and meet me in a dream of this Hard Land'), Springsteen trabalhou, suou, cantou como ninguém, estraçalhou sua clássica guitarra Telecaster. Comandou banda e público numa missa pagã, celebração dos sonhos mais fetichistas do rock'n'roll, uma sequência de canções tão devastadora que transportou o Espaço das Américas para um grande boteco 'honky tonk' em algum canto perdido da América, onde numa quarta à noite após um dia cansativo de trabalho, escravos e patrões podem se reunir e deixar as desavenças de lado para declarar à plenos pulmões a máxima proferida pelo Boss ao final de 'Shout', cover magistral do Isley Brothers: 'I'M A PRISONER OF ROCK 'N'ROLL!'

Eu não sou iniciante nisso, na cultura rica do rock'n'roll, meus amigos. Talvez a maior cultura de massa surgida a partir da segunda metade do século 20. Bruce Springsteen não é normal. Porque a proposta dele, de início derivativa de outros artistas como Dylan, Guthrie, Hank Williams e os Stones, se transforma em uma coisa completamente nova e estonteante quando toma vida naquela que é sua casa: o palco. É como se por algumas horas ele fosse dono de nossas memórias afetivas mais íntimas e num golpe mágico e catártico, usasse essas mesmas lembranças à favor da sua música, aquela que ouvimos há tanto tempo. Mas agora, ao vivo, amplificada e com seu impacto multiplicado por dez, graças à performance arrasadora, que parece exceder qualquer limite, e graças também à memória afetiva do fã, ele liga aquele conjunto de canções, ou aquele solo, ou aquela frase, a um momento específico de SUA vida.

Pode ser um pai que se foi, um divórcio dilacerante, uma noite de amor inesquecível, ou apenas uma noite de sábado bêbado num quarto, onde milhares de moleques sonham em ser estrelas do rock enquanto descobrem o quão fundo é a toca dos desejos e decepções da vida adulta, tudo isso embalado em muito air guitar e leitura detalhada de letras em inglês nos encartes de vinil empoeirados que expõem os sonhos de Springsteen, e os nossos sonhos.

E quando todos estes ingredientes se juntam ao vivo, a bomba nuclear explode, e meus caros, ela explodiu gloriosamente. Vi ontem pela televisão o show no Rock in Rio e foi igualmente espetacular, mas quem estava lá em São Paulo SABE o quão único foi aquele momento.

Eu espero sinceramente que Bruce Springsteen volte, e que toque música com a mesma paixão que eu e muitos presenciaram, mas tem coisas que acontecem apenas uma única vez na vida, e reconhecer isso significa reconhecer nossa própria mortalidade, o vislumbre de que tudo tem um final concreto, um clímax que amarra todas as pontas soltas, que dá novo sentido a nossa vida e nos faz ver coisas que antes ignorávamos.

Mas Bruce prova que esse clímax, essa vontade de vida que não para e está em cada segundo de suas canções, pode durar dias, meses, anos. Uma vida inteira de paixão, de dedicação. De tempos ruins que vem e vão, de vitórias e derrotas que constroem uma vida completa.

Eu tive essa visão numa quarta-feira a noite,e Bruce Springsteen me mostrou isso. Então não vou dizer adeus a ele. Direi adeus a mim. E como ele me ensinou, devo seguir em frente após o seu glorioso Último Concerto de Rock.


2 comentários:

  1. Perfeito,Bruno! Matou a pau! Belíssimo texto! Bruuuuce! Grande abraço.

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  2. Obrigado pelas palavras elogiosas, Pedro! Vc estava lá, vc sabe! E que Bruce volte, volte sempre....abraço!!!

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