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sábado, 23 de fevereiro de 2013

De que vale o Oscar para o Cinema?

....e eis que chega aquela época do ano em que todo mundo entende de cinema! É tempo de Oscar! É brega, é injusto, todo mundo diz que não liga mas, no final das contas, fica doido para assistir os indicados e vencedores, os perdedores e os subestimados. Entra ano sai ano, sempre haverá para cada 'Um Estranho no Ninho' um 'Shakespeare Apaixonado', para cada Jack Nicholson um Roberto Benigni subindo nas poltronas e por aí vai.

   Mas é uma festa da convenção: vale o 'tema' do ano, o 'zeitgeist' do momento. E isso vai ao largo de qual filme realmente presta. Nunca esqueço uma entrevista em que Woody Allen diz que jamais poderá acreditar em Oscar (ele próprio vencedor por Annie Hall), porque não é uma competição como atletismo, em que você efetivamente vê o vencedor cruzando a linha de chegada. Morro de rir pensando nisso. E no campo artístico, quem pode dizer o que é melhor que o que? É tudo questão de semântica, diria o pensador.

Visto assim, e só assim, o Oscar é sim, importante para o cinema não só americano, mas para o interesse mundial por cinema, nem que seja começando com um interesse pelo cinema estadunidense e eventualmente evoluindo para uma opção por outras cinematografias, ao gosto do freguês.

Se um desavisado que raramente vê filmes assistir apenas a essa seleção de nove filmes escolhidos pela Academia esse ano, tenho que dizer: ao menos, ele estará em boas mãos. Tirando as esnobadas assassinas (O Mestre, veja crítica no post anterior e assista esse grande filme pelamordedeus), a seleção de 2013 foi um mistura decentíssima de bons filmes com grandes filmes. Nada ficou sobrando; é tudo digno ao menos.

Argo, de Ben Affleck, é um ótimo suspense com trama baseada em fatos históricos, e até o momento pinta como favorito. É um thriller em que o papel de Hollywood é exaltado num contexto político, e isso aliado à cada vez maior habilidade de Affleck atrás das câmeras com certeza atraiu a atenção dos votantes da academia. Um filme tenso e honesto, de storytelling direto, como os acadêmicos gostam. Um ótimo filme.

A Hora Mais Escura, filme de Kathryn Bigelow sobre o caçada humana a Osama Bin Laden é uma fita difícil e emocionalmente fechada, quase o oposto do seu vencedor de Oscar anterior, The Hurt Locker.
Mas tem uma performance poderosa de Jessica Chastain e um meia hora final de trincar o maxilar. No máximo foi lembrado pelo tema relevante e pela atriz. Bigelow não é genial, mas tem seus momentos na condução da tensão e no retrato imparcial, na medida do possível, dos acontecimentos pós-11 de Setembro.

Os Miseráveis, adaptação musical do romance de Victor Hugo, é uma fita digna, mas é impossível segurar a impressão de que o diretor Tom Hooper é um embuste...eu penso isso desde sua vitória pelo superestimado O Discurso Do Rei, mas acho que agora fica claro para um grande público que se trata de um diretor limitado, correto porém medíocre, conduzindo um elenco excepcional (Russell Crowe não sabe cantar, Hugh Jackman competente, a sempre linda e talentosa Anne Hathaway) num filme que nunca alcança a grandiosidade, mas que vale a sessão. Fica apenas um senão: academicismo demais estraga até a mais reverente das obras...é preciso renovar a linguagem para se comunicar com o grande público.

Lincoln é o triunfo de um Steven Spielberg solene, pretensioso, emocionado mas não emocionante e, principalmente, tecnicamente perfeito. Desde a reconstrução de época irretocável e discreta (o filme passa-se quase todo dentro de gabinetes, não há praticamente cenas de guerra), passando pelo roteiro equilibrado de Tony Kushner e culminando na atuação e caracterização soberba de Daniel Day-Lewis, a sensação que fica ao final é de um filme que cumpre seu objetivo entregando ao público uma fatia histórica satisfatória (no caso, a votação da emenda que levou ao fim da escravidão a ao posterior final da Guerra Civil nos EUA), embalada pela direção competente de Spielberg e um show de atuação de Day-Lewis e veteranos como David Strathairn, e principalmente o fabuloso Tommy Lee Jones como o abolicionista Thaddeus Stevens. Não sei se Lincoln é um filme que irá melhorar ou piorar numa revisão, mas por agora, achei imensamente satisfatório.

Indomável Sonhadora (no original, Beasts of Southern Wild), é um aceno da academia para um cinema independente e preocupado com causas sociais. A história de uma garotinha ( a estreante mais jovem á ser indicada a um Oscar, a pequena Quvenzhané Wallis) que vive num mundo próprio junto ao seu pai , rodeada por uma Nova Orleans devastada pós-furacão Katrina, tem na sua indicação a melhor filme seu maior elogio. Ponto para a Academia pela indicação do filme, pois mesmo que não ganhe prêmios, já terá a oportunidade merecida de alcançar um público maior. Uma bem vinda mistura de realismo fantástico com denúncia social, marca a estréia de Behn Zeitlin na direção. Merece ser descoberto.

E muito bem-vinda é a volta do eclético diretor chinês Ang Lee à direção com um belíssimo filme, As Aventuras de Pi. Uma aventura com tons filosóficos baseada na obra de Yann Martel, Pi é um obra de imenso poder estético, e junto com Hugo Cabret de Scorsese é uma das únicas a explorar corretamente o potencial do 3D no cinema moderno. Se ganhar prêmios técnicos, será merecidíssimo. Mas não creio que a Academia se dobrará ao sucesso mundial desse diretor que já fez obras tão díspares quanto O Tigre e O Dragão, Brokeback Mountain, Tempestade de Gelo e Hulk. Fica a curiosidade em saber qual será o próximo passo do sempre competente Ang Lee.

Outro grande destaque entre os indicados, e possivelmente o melhor filme entre os concorrentes, é Amor, do diretor austríaco Michael Haneke. Conhecido por filmes espetaculares e difíceis como a Professora de Piano, Violência Gratuita e A Fita Branca, aqui Haneke conta a derradeira história de vida e morte de um casal apaixonado encarando a velhice, o último desafio do amor consumado, da memória afetiva, da vida à dois. Uma obra-prima difícil de se esquecer, graças às performances superiores de Emmanuelle Riva (Indicada a Melhor Atriz) e Jean-Louis Tringnant. E um triunfo de Haneke, que finalmente vê seu cinema sendo reconhecido mundialmente fora do circuito de Cannes, onde sempre foi premiado.

Mas se a conversa é sobre palpite e favoritismo, a despeito da qualidade de cada filme, meus dois favoritos são O Lado Bom da Vida e Django Livre, ambos produzidos pelo über-midas de Hollywood Harvey Weinstein, que desde os anos 90 com sua Miramax consegue emplacar Oscar após Oscar suas produções. O Lado Bom da Vida é uma comédia dramática com toques setentistas como há muito não se via...algo na linha de Melhor é Impossível ou Um Estranho no Ninho...um filme cuja força reside no elenco afiado e na direção humanista e discreta de David O. Russell, autor de grandes obras como Três Reis, O Vencedor e Huckabees.

 E Django Livre, como todo mundo já sabe, é mais uma obra de Quentin Tarantino destinada à grandiosidade. Um Western Spaghetti (ou Southern, como bem disse o escritor/diretor) com todas as marcas registradas de Tarantino: roteiro perfeito, grandes momentos de ação e um senso épico grandiloquente como  há muito não víamos numa sala de cinema. Se a prova de autenticidade for a prova da sala de cinema, então Django deveria ser o grande vencedor: em todas as sessões que compareci, a platéia reage ao filme extasiada, e sai com a sensação de refeição completa, coisa que só os grandes filmes são capazes de proporcionar. Muito provavelmente Django não levará muitos prêmios, mas é meu filme predileto entre os concorrentes. E só a alegria de ver entre os indicados um filme cheio de vida, da autoria de um transgressor como Quentin Tarantino, já vale a festa.

Se você gosta ou não de Oscar, isso é outra história, e plenamente justificável. Mas se você gosta de cinema, uma safra variada e cheia de qualidades como essa não pode passar batida. Sem medo de parecer político, mas nós cinéfilos, dessa vez, somos os vencedores.    

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