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domingo, 10 de fevereiro de 2013

...ainda sobre Quentin Tarantino e 'Django Livre'

Enquanto seu Django Livre lota cinemas pelo mundo todo, ainda é possível dizer muita coisa sobre essa obra de Tarantino. Através do sucesso comercial e artístico confirma-se a habilidade inesgotável desse criador enquanto contador de histórias, como reciclador de gêneros.

 Encanta o Dr.Schultz (Waltz, um ator maior) á beira da fogueira, em 1847, contando para o recém-liberto Django (Jamie Foxx, enérgico e carismático no papel-título), sobre a analogia entre a busca de Django pela sua amada, Broomhilda, e a Broomhilda da lenda alemã, que é colocada no topo da montanha e submetida às dores do inferno até que seu amado Siegfried parta para o seu resgate. Tudo pelo amor, como bem são as lendas, e os filmes, e as histórias. Todos unificados, como que dando sentido à vida dentro da vida que os personagens de Tarantino vivem dentro de seus filmes.

 Maneira soberba de dizer, à moda tarantiniana, que o cinema, esse que conta sobre feitos heróicos e que encanta, sempre existiu, antes mesmo até da invenção do próprio cinema. Desde que haja alguém interessado em ouvir e outro interessado em contar, seja em frente à uma fogueira, usando as sombras como formas na parede de uma caverna, ou num cinema sofisticado, o que importa é a habilidade do contador em engajar sua platéia, em motivá-la o suficiente para que o final seja digno de ser testemunhado.

Em praticamente todos seus filmes os personagens fingem ser outro dentro do filme; a idéia de performance se junta à idéia maior de que em maior ou menor escala, em nossas vidas, todos nós em um momento ou outro interpretamos papéis com diferentes propósitos. Essa idéia é revolucionária porque evoca o teatro de Brecht e quebra com a idéia americana de estereótipo minimalista estabelecida. Mais ousado ainda, Tarantino se diz fanático por cinema de gênero e talvez até inconscientemente se torna um grande perversor de gêneros, com seus personagens que se perfazem pelo o que dizem ser e não pelo o que fazem. Essa é a grande contribuição dele, a cara do seu cinema, que não é sobre estereótipos, como dizem os caretas querendo parecer acelerados. Os tipos estabelecidos são usados como máscaras.

 E todo o cinema de Quentin me parece fundamentado nessa idéia de que o importante na base narrativa de um filme são os diálogos, coisa quase sempre dificílima de ser feita. Não existe uma convenção que dirija os personagens à um destino pré-estabelecido de estrutura básica de roteiro com três atos (ainda que vários de seus filmes apresentem essa estrutura, mais uma ousadia)...todos estão vulneráveis aos ventos da mudança. Essa imprevisibilidade é o que traz um frescor autêntico à sua obra. O sentimento de 'vale-tudo' é um trunfo no cinema controlado de hoje, em que vale a fórmula sobre a criação.Sua escrita me parece orgânica no sentido que respeita seus tipos peculiares ao mesmo tempo em que os conduz numa moldura de filme de gênero, de cinemão de rua dos anos 70 e 80. Mais uma vez, a convenção é usada como casca para uma subversão maior.

 É imensamente satisfatório ver idosos e jovens desfrutando do cinema de Tarantino com prazer insuspeito. As sessões de Django Livre que acompanhei são quase sempre acompanhadas de reverência, espanto e muitas risadas de prazer pela irreverência como esse cinema livre corre sem amarras, sem julgamentos e isento de recalques.  

 Desde Kill Bill, passando por Bastardos Inglórios e chegando agora ao excepcional Django Livre, esse autor constrói o que eu estou classificando como 'fantasias de vingança', que arrebentam com as amarras do gênero e criam verdadeiras experiências catárticas. Nunca faz parte do jogo a realidade ou a fidelidade histórica. O que vale é a satisfação prazerosa e irresponsável de ver um herói triunfar sobre chagas históricas. Em Bastardos...a justiça suprema era enfiar Hitler, Goebbels e cia. dentro de um cinema e matar todos eles. Aqui em Django...fica a supremacia de um herói negro que vence em última instância o racismo e consegue até influenciar em termos geracionais o futuro da linhagem dos heróis de ação do cinema, já que o sobrenome de Broomhilda é Von SHAFT, e Tarantino não esconde o prazer em citar nas entrevistas de divulgação que sua intenção também era fazer uma referência a criação do maior herói da Blackxploitation dos anos 70.

 A fascinação do cinéfilo por Tarantino não é difícil de ser compreendida: ele faz filmes populares, que congraçam ao mesmo tempo em que dividem, portanto geram discussão. Ao mesmo tempo consegue ser autoral e sempre ter a sorte de trabalhar com astros populares, o que ajuda na conquista do público neófito. E agora já entra em fase de colocar sua 'marca' dentro de gêneros, assim como Kubrick fez nos anos 80 com O Iluminado, Full Metal Jacket e seu último filme, De Olhos Bem Fechados. Ele já encontrou um viés seu para contar qualquer tipo de história, e isso é raro, raríssimo de se ver. Só espero que o público continue abraçando as ousadias dele e não o tenha como um sabor do momento, ou um simples transgressor. Tarantino é um dos grandes diretores americanos de todos os tempos, e filme à filme ele luta com garra por esse título. Não consigo lembrar de outro diretor com esse fôlego para com a própria obra e para surpreender o público médio de cinema. Que continue assim, até que outro moleque apaixonado por cinema tome respeitosamente (ou não) o seu lugar.

2 comentários:

  1. Sem exageros, o melhor filme que já vi no cinema. Foi como se me permitissem que assistisse "3 homens em conflito" ou pudesse me redimir por não ter visto "pulp fiction" no cinema. E uma das coisas que faz com que seja ótima experiência no cinema é porque o filme além de ele ser ótimo em si, ele faz a platéia reagir (nem nos filmes do Jim Carrey vi a platéia rir tanto quanto na cena dos capuzes que aliás lembrou Felipe Gomes, muito parecida com um grupo de comédia inglesa - Monty Python). Dizer que a fotografia é excelente é muito óbvio.. acho que a fotografia do filme continuaria boa vendo o filme mudo, mas, a trilha, os enquadramentos, os pequenos clipes na apresentação ou quando cavalgam é que dão sentido na fotografia. Os personagens: além de ser um melhor que outroestão atuando com garra. E parafraseando Bruno, filme feito para agradar todos os públicos (até neofitos) sem desagradar quem realmente gosta de cinema. Filme complexamente simples.
    Tarantino fez um filme sobre a segunda guerra onde mostra um personagem nazista carismático sem mostrar o flagelo dos judeus, aí ele faz um bang bang sem melindres ao falar dos abusos sexuais, torturas e exploração dos negros.
    Também faz o filme parecer um seriado dos anos 70 com todos os elementos possíveis e ainda melhorado pois não parece clichê (a parceria, as emboscadas sem saídas, a criatividade excessiva para se sair das emboscadas, a escolha pela tortura longa e demorada que possibilite a reviravolta). Foi o único filme com uma contagem regressiva que realmente causou aflição. Filme completíssimo e que já não teve o reconhecimento da academia (já que merecia mais indicações). Que Django ganhe todas as indicações, mas, mesmo assim: dane-se o Oscar.

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  2. Maravilha Rodrigo!!! Fico muito feliz cara...é uma obra atemporal, talvez o grande filme de Tarantino. Abraço.

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