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sábado, 10 de setembro de 2011

Profissão, Ladrão (Thief, EUA, 1981, 117 min.)

   Após um longo tempo sem postar neste blog, o escriba que vos fala poderia comentar muitos filmes novos que já foram vistos e devidamente absorvidos (A Árvore da Vida, Um Sonho de Amor, entre outros), mas devido à proximidade da estréia nos EUA daquele que pode se tornar o grande filme de 2011, Drive, de Nicolas Winding Refn, esse blog começa aqui um pequeno ciclo de três filmes quintessenciais para se entender o cinema de ação do final dos anos 70/começo dos 80, pré-Duro de Matar. Fitas policias herdeiras de alguma estrutura dos faroestes e sempre dirigidas por grandes nomes como Michael Mann, William Friedkin e Walter Hill. Como já consegui apurar por sites e revistas importadas, esse subgênero cinematográfico foi o referencial do diretor Refn para a realização de Drive. Então nada mais justo do que revisitar filmes aparentemente esquecidos por aí, nas prateleiras das locadoras, nos canais da Tv a cabo, nos torrents da vida.

  Hoje é com muita satisfação que comento o grande filme Thief- Profissão Ladrão, obra de 1981 que marcou a estréia de Michael Mann na direção de longas para cinema. É estrelado por James Cann em atuação extraordinária, coadjuvado por Tuesday Weld, James Belushi e Robert Prosky.

  O personagem-título é um negociante de carros usados, Frank (James Caan), ex-presidiário que ganha a vida de fato realizando roubos ousados de jóias, arromabando cofres com grandes somas de dinheiro. Seu código de ética para os assaltos envolve sempre trabalhar sozinho e nunca roubar artefatos que possam ser rastreados- coleções, títulos do tesouro nacional ou moedas raras estão fora de seu escopo de ação.

  Seu único homem de confiança é Barry (James Belushi), fiel escudeiro nos roubos e de caráter inabalável. Tirando isso, Frank é essencialmente um solitário. Ganha a vida como seu próprio patrão e aprecia viver sempre por contratos abertos, nunca se apegando à nada. Evita qualquer conexão com gangues e outros criminosos, até conhecer Jesse (Tuesday Weld), garota misteriosa que age aplicando golpes aqui e ali, cujo passado insinua uma conexão com traficantes de drogas e chefões do crime.

   Não demora para um relacionamento começar entre os dois e Frank decide, súbito, que sua vida solitária e instável já não o satisfaz mais. Agora, com uma mulher em quem pode confiar e uma vida mais estável pela frente, ele quer mesmo é criar uma família, morar numa casa simples no subúrbio e abandonar os crimes de vez.

   E nada é tão simples assim. Frank, inspirado pela obsessão em mudar o rumo de sua vida, faz um pacto com o demônio. Leo (Robert Prosky), chefe do crime organizado, reconhece o talento de Frank e o alicia, junto à uma equipe suspeita, para realizar um grande assalto. E para o bem e para o mal, pode ser o último da carreira de Frank. Daí para frente o destino desses personagens está irremediavelmente selado. Não há saídas fáceis, soluções absurdas.

  Admito: Michael Mann é o diretor que de trinta anos para cá melhor soube utilizar os clichês do Grande Policial Noir Americano (assim mesmo, em maiúsculas) em favor de um cinema viril, sanguinolento, com grande senso de ética e uma ambição, uma busca quase extra-sensorial por uma espécie de Santo Graal que não existe nesse mundo físico em que nós e seus personagens habitam. Em todos seus filmes Mann discute o peso da tarefa, as relações de trabalho dentro dos moldes herdados do Faroeste. São homens que existem estritamente nos limites das funções que exercem. A vida é simplesmente uma aposta, e para Frank, voltar à prisão significa a morte. Um parti-pris ideológico muito parecido com o de Neil McCauley em Fogo Contra Fogo, vivido por Robert DeNiro. São estereótipos batidos, que nas mãos hábeis de Mann ganham um novo significado, justamente por sua obsessão em nunca fazer uma releitura ou sátira desse tipo de comportamento. Seu cinema se leva muito à sério, e até hoje suas fitas Collateral, Inimigos Públicos e Miami Vice continuam a trabalhar essa visão ética herdada do cinema americano dos anos 70 e dos romances policiais Noir de Raymond Chandler. Não há espaço para o humor negro feito de citações e colagens de um Tarantino por aqui.

Outra observação que não poderia passar despercebida é o tratamento que Michael Mann confere à ambientação dos personagens na cidade de Los Angeles. É como se para ele a cidade fosse uma musa idealizada, passível de vida apenas à noite. Ou melhor: esses personagens, marginais por convicção, saem de suas 'tocas' e realizam seus negócios ilegais sempre após a meia-noite, quando existem apenas para as luzes, distorcidas no contra-plano, quase uma pop-art que funde essa galeria de losers do sonho americano numa moldura poética, urbana e impiedosa, um deserto sentimental em plena cidade, sempre de madrugada. Ao mesmo tempo, assim como no Taxi Driver de Scorsese, é perceptível o interesse que o diretor nutre por essas figuras, transformando-nos em testemunhas de seus sonhos que não se realizarão e suas ambições impossíveis. Uma megalomania quase romântica que encontra ressonância em um momento da cultura americana muito especial, o final dos anos 70/início dos 80, quando Bruce Springsteen cantava sua ode aos excluídos, Darkness On The Edge Of Town, sobre becos sem saída e homens que não tinham outra escolha a não ser cumprir um destino trágico; mas para nosso deleite quase voyeurístico, muito cinematográfico. Não é uma crítica social, é apenas uma iconografia muito forte, um painel dos anti-heróis fracassados que sempre terão seu réquiem de luxo nas mãos de grandes realizadores como Mann.

   Um comentário aqui para aquela que após O Poderoso Chefão, é provavelmente a grande atuação de James Caan. Há uma cena em que Frank se encontra com Jesse em um desses restaurantes de beira de estrada que só existem no imaginário americano. E que cena extraordinária. Em pouco mais de dez minutos, esperando um café e um hambúrguer, Frank relata a Jesse toda sua trajetória: como fez para sobreviver na cadeia, o forte código de ética que desenvolveu; seus sonhos; suas fraquezas...tudo é desenvolvido por Caan num monólogo arrepiante, evocando de imediato as cenas de Brando com Eva Marie-Saint em Sindicato de Ladrões. É um momento único e definidor da motivação do personagem. Ao mesmo tempo, o revela vulnerável a tal ponto que invoca uma tristeza, uma melancolia cara à todos os personagens de Mann. É uma consciência de que todos personagens do filme, exceto Jesse (Tuesday Weld), não chegarão vivos ao final.

Michael Mann, o último dos grandes diretores de ação americanos - Bravo!


(Próximo filme do ciclo ação/policial 70-80: 'Viver e Morrer em Los Angeles', de William Friedkin)

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