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sábado, 28 de maio de 2011

X-Men (X-Men, EUA, 2000, 95 min.)

  Antecipando o X-Men: First Class que estréia sexta-feira, dia 03/06, estou revendo toda a série dos mutantes que iniciaram o boom das adaptações de quadrinhos no início da década. É meu velho ritual: gosto de colocar em perspectiva a qualidade dos roteiros, considerar e reconsiderar que alguns filmes ficam datados, e outros envelheceram muito bem. A verdade é que é uma ótima oportunidade para reencontrar a velha amiga nostalgia e relembrar como eu mesmo era em tempos anteriores.

  E esse primeiro X-Men não perdeu nem um pouco da vitalidade, da urgência que tinha quando foi lançado em agosto de 2000 no Brasil. Lembro bem da pré-estréia no saudoso Cine Veneza, lotado. Um clima de ansiedade no ar, todo mundo conversando, a música ambiente antes do filme começar, a campainha anunciando o início da sessão...e um silêncio sepulcral. Era praticamente uma missa começando. Tensão quase palpável no ar.

 A cada personagem fielmente retratado, a cada sacada do roteiro muito bem construído, a platéia explodia em satisfação, até alívio. Afinal, maltratados por adaptações do quilate de Batman e Robin, Spawn e Juiz Dredd, ninguém sabia muito bem o que esperar da transição para celulóide dos heróis mais queridos da Marvel. Claro, Bryan Singer tinha no currículo dois filmaços (Os Suspeitos e O Aprendiz), mas nada poderia preparar a platéia para o espetáculo que o jovem diretor havia criado.

 X-Men sempre foi para mim a metáfora suprema sobre ser adolescente. Aquela singela fase da vida em que ninguém te entende, tudo é conflito, todo mundo te persegue e junto com alguns amigos também excluídos forma-se uma resistência contra o mundo. O pai autoritário, a mãe exigente, o valentão que te enche o saco, a garota que não te dá bola...é um mundo angustiante e divertidíssimo. Hoje eu sei disso.

 Junto com o Rock'n'Roll e o Cinema , as Histórias em Quadrinhos foram meu primeiro canal de diversão e resistência quando eu tinha meus 11, 12 anos. E quando eu comprei a primeira revista dos X-Men, foi quase religioso. Ali estava um mundo todo à minha espera, era a Marvel Comics! Me senti parte de um grupo que acompanhava mensalmente as aventuras dos alunos do Prof. Xavier, combatentes de um inimigo muito inteligente: Magneto, outrora amigo de Xavier, agora farto das tentativas de paz entre humanos e mutantes. O elenco de personagens era formidável: Ciclope, Vampira, Fera, Tempestade, Homem de Gelo, Jean Grey, Psylocke, Jubileu, Colossus...e o maior anti-herói moderno dos quadrinhos de super-herói: Wolverine, o dublê de Lee Marvin com bom coração que resolvia tudo com sangue, suor e garras de adamantium. Conversava com amigos sobre a edição do mês, ia à sebos comprar números anteriores e com isso fui descobrindo um outro mundo de quadrinhos que eu nem fazia idéia ser tão vasto assim.

 Quando fiz 20 anos, a história era outra: estava entrando na faculdade (isso ainda é tema para outro dia...), imerso numa safra de filmes sensacionais e já tinha descoberto que o mundo era bem mais complexo que o "Us Vs.Them" do Pink Floyd. Os X-Men ainda atraíam meu interesse, mas com uma intensidade bem menor do que antes. A metáfora ainda valia, ser jovem e incompreendido, mas alguma coisa estava se perdendo. Talvez fosse birra minha, mas a música e o cinema estavam me chamando a atenção de maneira bem mais efetiva que os quadrinhos.

  E aí fica fácil adivinhar onde eu vou chegar. O filme de Bryan Singer aliou narrativa cinematográfica afiada, uma temática mais adulta e realista do que nos quadrinhos e ao mesmo tempo respeitou tudo o que funcionava nos X-Men. Ali estava minha paixão, revitalizada, acesa novamente. Nunca mais me esqueço da alegria que tive ao sair do cinema. Saí orgulhoso, com a fé renovada em um cinema pop, bem construído e que abriria a porta para uma revolução cinematográfica sem precedentes.

  Hoje à noite, quando o filme terminou, eu me senti exatamente igual àquela sessão no extinto Cine Veneza, quando eu tinha 20 anos e saí da sala pensando em um mundo de possibilidades, lugares para ir, garotas para conhecer, amigos para sair e fazer bagunça.  X-Men é um filme atemporal sobre ser jovem que ainda faz com que eu me sinta jovem.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Se Beber, Não Case! Parte 2 (The Hangover Part 2, EUA, 2011, 102 min.)

   Direto ao ponto: Se Beber, Não Case! Parte 2 é sem graça, é uma cópia carbono do primeiro filme e quase estraga a empatia conquistada pelos personagens no episódio anterior. É uma despedida de solteiro, agora do dentista tímido Stu ( Ed Helms, muito melhor na série The Office do que aqui), que ocorre na Tailândia por ser o país em que os pais de sua noiva moram. Os amigos Phil (Bradley Cooper), Alan (Zach Galifianakis) e Doug (Justin Bartha) se juntam à Stu em mais uma noitada que termina em acontecimentos ainda mais bizarros que os do primeiro filme, e precisam reencontrar o futuro cunhado de Stu, que desaparece na espelunca em Bangcoc onde o grupo acorda com uma gigantesca...ressaca.

  E é isso. Todas, eu digo TODAS as soluções de roteiro do primeiro filme são repetidas aqui, e o humor é forçado, as piadas carecem de frescor, de inspiração. A melhor sequencia do filme é uma perseguição de carros em Bangcoc em que o diretor Todd Phillips exibe uma habilidade insuspeita para o gênero ação. Daí percebe-se como esse filme é problemático. Comédia carece de boas situações, calcadas na realidade ou abraçando o pastelão extremo. Esse filme é violento, de mau gosto e sem se decidir se parte para um humor negro, o que seria uma evolução natural da série, dado o absurdo em que os caras se envolvem, ou se copia descaradamente o que deu certo no anterior e subestima a inteligência da platéia. Afinal, quem assistiu Se Beber, Não Case! em 2009 naturalmente se interessará por uma continuação, já que a mesma equipe não pode errar numa fórmula que deu certo e foi tão original.

  Mas a insegurança é tão grande que, na ânsia de se criar outro hit de bilheteria, os caras simplesmente não arriscaram. E isso já não é de hoje: quantas continuações de filmes incríveis estragam o legado do original para dar ao público o famigerado 'mais do mesmo'? Para ilustrar melhor essa teoria, veja o caso da cinesérie Piratas do Caribe: o primeiro filme já não era uma obra-prima, mas era razoável e se tornou, sabe-se lá porque, um sucesso monstruoso. Logo vieram as continuações, que trataram de piorar o que já era medíocre. Conclusão: o público médio abraçou os filmes com voracidade. Já está no quarto episódio, quebrando recordes de bilheteria, e a qualidade descendo a ladeira. Também é uma absoluta falta de confiança dos produtores de cinema no público. Hoje, fui ver o Se Beber... numa sala do Moviecom Cinemas aqui em Araraquara, interior de São Paulo, em que apenas o cinema comercial se cria e ainda com restrições...não existem muitas opções. Olhei no painel de filmes em cartaz e estava lá: Piratas do Caribe 4, Velozes e Furiosos 5, e o Se Beber Não Case 2...dá para perceber que nessa época dos blockbusters de outono/inverno ( Verão nos EUA), ninguém se dispõe a arriscar: o negócio é faturar com conceitos já testados, mesmo que a qualidade fique em segundo plano.

  De vez em quando surge uma continuação/franquia que quebra esses padrões e traz algo realmente bom: parece ser o caso de X-Men: Fisrt Class, dirigido por Matthew Vaughn, um diretor inglês muito promissor que fez Kick-Ass e Nem Tudo é o Que Parece, dois ótimos filmes. Esse novo capítulo na franquia dos mutantes estréia por aqui na próxima sexta-feira, e as críticas iniciais são animadoras. Quem sabe na próxima semana eu comento uma sequência de filme em que não a ganância, mas a inteligência venceu no final? Cruzem os dedos!    

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Encontros e Desencontros (Lost In Translation, EUA/JAP, 2003)

            Acabo de assistir pela milionésima vez Encontros e Desencontros. Me pegou completamente desprevenido, estava zapeando nos canais da Tv a cabo e tem filmes que simplesmente não abandonam você. Tem filmes em que você tem que acreditar, eles existem.

     Olha que comédia romântica nunca foi meu gênero de filme favorito, mas essa não é, nem de longe, uma comédia (apesar de ter momentos hilários e o Melhor Ator/Comediante do Planeta, Bill Murray, na atuação que definiu sua carreira), e nem mesmo pode ser considerado um romance daqueles que seguem a cartilha "casal se junta/ se separa/ se junta novamente". Encontros e Desencontros é um daqueles filmes que destroem nosso coração ao final sem a menor cerimônia, tudo isso de maneira muito sutil e realista. Sofia Coppola é uma diretora iluminada que conseguiu capturar os detalhes de um relacionamento em que na verdade nada acontece e tudo acontece ao mesmo tempo.
     
Explico. Quando Bob Harris (Murray), ator decadente de filmes de ação chega à Tokyo para a gravação de um comercial de uísque, está tão desnorteado que a bagunça do fuso horário é o menor de seus problemas: sua vida perdeu a emoção, sua mulher liga o tempo todo dos EUA para lhe contar banalidades e seus filhos perderam a conexão com ele devido à vida mambembe de astro de cinema. Harris aceita essa estadia no Japão como uma fuga dos seus problemas e uma fuga dele próprio, um esboço do homem de outrora. Já Charlotte (Scarlett Johansson, maravilha), encontra-se no mesmo beco sem saída de Harris, mas com outras variáveis: está com 25 anos, tem uma vida toda pela frente, um casamento vazio com um fotógrafo igualmente vazio, e não sabe que caminho seguir. Acompanhando o marido que vai fazer uma sessão de fotos, Charlotte também pretende usar o hotel e a cidade de Tokyo como espaço existencial para a abraçar a melancolia de uma vida cheia de opções, mas que não se completa pela falta de amor real, aquele que faz a gente ficar com as mãos geladas e coisa e tal, sabe como é.

E aí, num momento mágico que somente os filmes podem proporcionar, esses dois mundos tão distantes e tão próximos colidem e o que surge é a mais intensa história de amor que o cinema proporcionou nos últimos anos. Bob e Charlotte se reconhecem imediatamente numa terra completamente estrangeira, e isso fortalece o relacionamento dos dois. Ao mesmo tempo, a diferença de idade e o fato de ambos serem casados faz com que o desejo reprimido exploda em pequenos gestos durante todo o filme. E fica claro que eles são sim o par perfeito, que cruzaram meio mundo para se encontrar, mas no momento errado. E é essa melancolia que atravessa o filme, auxiliado por uma trilha matadora e a paisagem de Tokyo, cosmopolita e solitária ao mesmo tempo.

Todo mundo já passou por isso. Encontrar aquela pessoa que você mataria para estar ao lado a qualquer hora. A melhor companhia do mundo, o momento em que aquela busca pela perfeição acabou: o que você quer está ali, ao seu alcance, a centímetros, milímetros de distância. Mas que beleza se fosse simples assim. Esses são os problemas que não se resolvem como nos filmes. Estamos presos a uma existência cheia de cirscunstâncias que nunca nos deixam ser ou ir atrás do que realmente queremos, e ficamos adultos e descobrimos que isso é verdade. É essa descoberta da impossibilidade que faz os personagens de Encontros e Desencontros parecerem tão reais, tão críveis no seu apego ao agora. Pois o amanhã não existe para eles, nem o ontem.

E quer definição melhor de amor do que essa? O Agora, perfeito em sua clareza e em suas promessas. Esse escriba que vos fala não acredita em amor eterno. Amor real é o agora, o momento perfeito, a polaróide instantânea que registra uma imagem, uma frase, um gesto que vai durar, isso sim, para sempre. A memória dura para sempre, não o amor. Então, Bob e Charlotte se entregam ao agora e passam noites muito agradáveis juntos, pressentindo que aquilo é um presente do destino. E que tudo acaba.

Mas de vez em quando, uma vez só, é possível esticar esse momento um pouco mais. Uma noite a mais, um dia a mais, um almoço a mais, apenas mais uma vez. Não vou, óbvio, entregar o final do filme, mas isso eu digo: o final de Encontros e Desencontros consegue uma proeza inacreditável: ele se acomoda à visão de mundo do espectador. Sofia Coppola teve a coragem de ao final perguntar: Em que tipo de amor acreditamos? É possível continuar? Existe esperança? Há luz ao fim do túnel? Ou só existe o gosto amargo do adeus na manhã seguinte? Isso vai de cada um.

Eu...ainda acredito.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Desconhecido (Unknown, Eua, 2011, 109 min.)

Após o sucesso inesperado de Busca Implacável (Taken, 2008), Liam Neeson deixou de lado papéis dramáticos e embarcou numa inusitada carreira de herói de ação. Fez O Esquadrão Classe A (The A-Team, 2010) e protagoniza ainda para estréia em 2012 o inédito Battleship, dirigido por Peter Berg (O Reino). Agora no início deste ano protagonizou este thriller, Desconhecido, dirigido pelo espanhol Jaume Collet-Serra (diretor de bombas como A Órfã e A Casa de Cera) e se afirma definitivamente como ator confiável para filmes de ação com uma pegada meio setentista e européia.

        No filme Neeson interpreta o Dr. Martin Harris, que viaja junto com sua esposa Elizabeth (a maravilhosa January Jones, de Mad Men) a Berlin para um simpósio sobre novas fontes de energia que reunirá um importante bioquímico e um prínicpe saudita. Logo no início do filme, Harris perde sua pasta no aeroporto, e do hotel onde vai se hospedar volta para recuperar a maleta. O táxi onde está sofre um grande acidente, e após Harris sair do coma dias depois e voltar ao hotel para esclarecer o ocorrido a sua mulher, não é mais reconhecido pela mesma, que está acompanhada de outro homem que diz ser também...Martin Harris! Ou seja, é uma salada que não faz muito sentido, mas que como em muitos outros filmes de ação depende exclusivamente de um diretor habilidoso que saiba manter o interesse do público.

       E isso o filme faz com excelência. São quase duas horas ininterruptas de revelações inesperadas, brigas, tiroteios, perseguições de carro ensandecidas pelas ruas de Berlin, espiões da Guerra Fria, e tudo o que esse tipo de filme tem direito. A originalidade não é ponto forte do diretor Collet-Serra, que recicla idéias que vão desde O Homem que Sabia Demais, de Hitchcock, até o Busca Frenética de Polanski, passando pelo surrado tema da identidade roubada que fez a fama da série Bourne. Mas a produção do especialista Joel Silver ( Duro de Matar, Máquina Mortífera, Matix) faz o filme descer redondo, tornando a diversão satisfatória e nos fazendo esquecer alguns rombos de lógica aqui e ali.

     O saldo final é positivo. Desconhecido pode ser cinema junk-food total, mas tem dias em que é isso mesmo que precisamos. Direção afiada, boas sequencias de ação, roteiro absurdo e um astro em pela forma. Um thriller tenso sem grandes pretensões. As vezes é um alívio assistir um filme consciente de suas limitações. Não vai curar a fome mundial, mas é muito divertido. It's only rock'n'roll, but I Like it.  

terça-feira, 24 de maio de 2011

Quem é David Fincher?

      Fincher é provavelmente o melhor diretor americano em atividade. Digo isso sem medo de ofender Wes Anderson, Tarantino, Scorsese, P.T.Anderson ou até mesmo os Irmãos Coen. O que diferencia ele dos outros é que o auge de Fincher na direção já se estende por mais de uma década, e o cara não dá sinais de que vai parar. Não se prende a um estilo de direção, sempre muda de acordo com o que o projeto exige e tem um domínio da narrativa que quase ninguém mais possui hoje em dia. O grande barato de Fincher é que ele consegue ser autoral dentro do esquemão hollywoodiano e ao mesmo tempo atinge as grandes massas através de projetos sempre escolhidos com um timing fenomenal.

   Desde o início trepidante em Alien 3 (1992), em que teve o filme tomado pelo estúdio e não participou da montagem original, ele nunca mais cedeu à pressões de estúdio ou fez um filme menor que o seu talento. Em 95 redefiniu as regras dos filmes de serial killer com a obra-prima Seven- Os Sete Crimes Capitais, e meio mundo se curvou ao seu talento subversivo, às suas tomadas meticulosamente planejadas; ao teor anárquico do filme em si. Vidas em Jogo, outra pérola do suspense com Michael Douglas lançada em 1997 e pouco celebrada aqui no Brasil, mostrou Fincher ampliando seu escopo técnico enquanto burilava um roteiro que nas mãos de outro diretor poderia resultar num desastre.

  Mas em 1999 um filme mudaria a vida de cinéfilos por todo o mundo. Clube da Luta revolucionou o cinema moderno e influenciou, para o bem ou para o mal, toda uma geração de cineastas/revolucionários/agitadores culturais por todo o mundo. Contando uma história sobre alienação, comodismo,egoísmo e a falta de rumos do jovem moderno, Fincher colocou um espelho na cara de muita gente (inclusive este que vos fala) que sente a vida incompleta, mas ao mesmo tempo luta contra a própria preguiça e o ego , sem conseguir mudar nada efetivamente. O filme foi um fracasso comercial, e ao longo da década foi redescoberto e alçado ao nível de cult mundial. Brad Pitt encontrou seu personagem definitivo na pele de Tyler Durden, um revolucionário que prega a auto-destruição como única maneira de se livrar da claustrofobia do mundo moderno cheio de regras e do tão falado politicamente correto que rege a sociedade.

     2002 foi a vez de O Quarto do Pânico, filme menor na filmografia do cineasta que apesar de ser tecnicamente perfeito apenas serviu para Fincher testar novos movimentos de câmera e exercitar seus músculos num thriller meio Hitchcock com cara de SuperCine. Foi grande sucesso, comprovando que o público nem sempre está interessado em elucubrações psicológicas e ultraviolência como havia explorado em sua obra anterior.

    Zodíaco, lançado em 2007 e baseado na história real do serial killer que aterrorizou os EUA nos anos 70 traiu a expectativa do público e criou um policial totalmente fora dos padrões do gênero. Zodíaco é lento e arrastado de propósito, cansando o público à medida que seus personagens também se esgotam, e a busca pelo assassino se torna menos importante do que o estudo dos limites da obsessão apoiado por atores sensacionais como Robert Downey Jr.. Não foi bem em bilheteria, mas marcou a volta de Fincher ao seu estilo ousado de outrora.

    Na adaptação do conto de F. Scott Fitzgerald, O Curioso Caso de Benjamim Button, lançado em 2008 e com Brad Pitt no papel principal, Fincher mostrou sua habilidade novamente em dirigir um filme que aparentemente era fora do seu estilo seco habitual, mas com grande capacidade em administrar os efeitos especiais sensacionais e o drama de um homem que nasceu velho e vai rejuvenescendo progressivamente ao longo de sua vida. Tratado como uma metáfora sobre a busca constante pelo amor e pela vida, Benjamim Button foi o maior sucesso da carreira dele, ancorando indicações ao Oscar e unanimidade de crítica e público.

    O que nos leva ao seu fenomenal A Rede Social, filme que relata a criação do Facebook e também é uma biografia dos anos em Harvard de Mark Zuckerberg e Eduardo Saverin, amigos, co-criadores e futuros rivais  que disputam a posse da empresa multimilionária. Ao mesmo tempo em que é fiel ao livro escrito por Ben Mezrich, Fincher deixa a sua marca fazendo aqui e ali sutis comentários sobre o rumo desumano que os universitários e os jovens em geral estão tomando apenas em nome da competitividade em um mercado de trabalho que os vê como peças dispensáveis. A insegurança e inadequação são sentimentos discutidos durante o filme de maneira eficaz, com Fincher retomando aqui muito do vigor narrativo de Clube da Luta e olhando com ironia para uma geração que se acha bacana, mas fracassa em se relacionar com o próximo de maneira satisfatória. Grande filme que merece ser revisto.

   No momento Fincher está concluindo o remake do sucesso sueco Os Homens que Não Amavam as Mulheres, filme de suspense com elementos que podem levar o diretor a retomar o fio narrativo de obras como Seven e Zodíaco. Ou simplesmente ele vai  jogar o manual de convenções fora e mais uma vez subverter um estilo que ele próprio ajudou a forjar.

   Fico no aguardo da próxima obra deste diretor muito interessante e que merece ter todos os seus filmes descobertos e comentados em retrospectiva. Afinal, já fazem mais de quinze anos em que entrei no cinema para assistir Seven pensando se tratar de um filme de parceria policial tipo Máquina Mortífera e ganhei um épico criminal que me assombra e acompanha pelo resto da vida. É esse o tipo de impacto que David Fincher busca : dar uma experiência definitiva para o espectador, e deixar as conclusões para o lado de fora do cinema, como todo bom filme deve fazer.

Série Subestimada: The Chicago Code

Ontem terminou nos EUA (e nos torrents da vida) a primeira e curta temporada de The Chicago Code. Pouca gente disposta a arriscar conferiu a série, mas quem acompanhou como eu a saga do detetive Jason Wynsocki (Jason Clarke, sensacional) e da superintendente Teresa Colvin (Jennifer Beals- é, a menina do Flashdance)  contra a corja criminal e política de Chicago não se decepcionou. Criada por Shawn Ryan, a mente por trás do igualmente bom The Shield, The Chicago Code é/foi uma série casca-grossa sobre crime que transformou Chicago num personagem da série, e isso fez toda a diferença. Assim como o grande Os Infiltrados de Scorsese era indissociável de Boston, e o filme Little Odessa de James Gray respirava a atmosfera da comunidade Russa em Nova York, este Chicago Code mostra as particularidades de cada parte da cidade, sempre embalado pela trama criminal que às vezes corre individual ou atrelada a um plot maior que atravessa toda a temporada: a batalha da superintendente de polícia da cidade para derrubar o vereador Ronin Gibbons (Delroy Lindo), comandante de várias atividades criminosas e ligado à máfia irlandesa que comanda parte da cidade.

   Eu nunca fui à Chicago, mas nessa série o esforço era fazer o espectador entrar na cidade junto com os personagens, sentir o cheiro das ruas. E deu certo.Resumindo: a ambientação era um ponto forte da série.
Os treze episódios misturavam ação satisfatória, drama balanceado e até humor negro. O estilo de filmagem: dinâmico, moderno. Misturando o roteiro ficcional a uma base de casos realmente ocorridos em Chicago, a série conseguiu melhorar ao longo da curta temporada. E assim como foi nos já clássicos 24, Arquivo X e The Shield, prometia melhorar ainda mais na segunda temporada.

Infelizmente a FOX television não achou isso e cancelou The Chicago Code, encerrando as possibilidades esboçadas nesse início tão promissor. Afinal , numa briga de audiência em que coisas como Glee e Two and a Half Men são campeões, uma série adulta realmente não encontraria espaço tão facilmente. Talvez The Chicago Code teria melhor sorte se estreado em um canal que privilegia esse tipo de material, como a HBO.

De qualquer maneira, fica aqui a dica. Quem gosta de série policial não pode deixar de ver essa. É isso.

Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, EUA/ITA, 1984, 229 min.)


A idéia do blog de cinema me persegue há muito tempo, mas nunca tive um pretexto razoável para um forte início, um filme que logo que eu terminasse de assistir me empolgasse a ponto de escrever algo puramente pessoal e emocional sobre o mesmo. Isso aconteceu ontem, quando revi a obra definitiva de Sergio Leone, "Era Uma Vez Na América". O viés afetivo e inocente de Leone sobre um grupo de amigos que se tornam pequenos gângsteres e os descaminhos da vida me comoveu profundamente. Após o filme vi um pequeno documentário incluído no dvd sobre a realização da obra com entrevistas dos produtores e escritores que durante mais de dez anos ajudaram Leone a aperfeiçoar o texto perfeito para a obra derradeira do mestre. Ele é o maestro de uma orquestra de artistas magistrais que vão desde o rosto do filme, Robert De Niro em um desempenho contido e extraordinário, em um registro completamente diferente dos filmes de Scorsese, até o score inigualável de Ennio Morricone. A fotografia em tons sépia do colaborador frequente de Leone, Tonino Delli Colli, é perfeita, emoldurando os personagens em uma paleta de cores que evoca melancolia e nostalgia, dois sentimentos presentes em boa parte da obra. A decupagem de cada plano e cena é precisa; nenhum detalhe passa despercebido pelo olhar de Leone. As cenas de ação são de uma intensidade rara, coreografadas com o vigor que marcou o diretor como herói de uma geração de cineastas como Quentin Tarantino e John Woo. Poderia citar também Sam Peckinpah como esteta da violência, mas para o meu gosto, Leone consegue mais poesia nos seus close-ups que explodem em tiroteios poéticos abusando dos zooms de câmera e do uso operístico da trilha sonora. 

É espantoso descobrir como esse filme foi injustiçado pelo estúdio, que sequestrou o filme do diretor, editou toda a obra desconstruindo a narrativa fragmentada que é o grande trunfo do filme, e ainda lançou nos cinemas sem a trilha sonora de Morricone, grande heresia. Segundo um colaborador de Leone, o diretor passou mais de cinco anos antes de rodar um frame do filme apenas concebendo cada cena em sua imaginação , e depois foi tratado pelo estúdio, a Warner, com desrespeito total, tendo o seu filme retalhado e jogado nos cinemas para o desprezo dos críticos, que o consideraram o pior filme de 1984. Ao final da década, os mesmos repararam o erro, e com o lançamento do corte original do diretor, toda a comunidade cinematográfica notou a grandiosidade de Era Uma Vez na América, que relançado em 2003 em dvd e recentemente em Blu-Ray, continua com o mesmo vigor narrativo e impacto de quando foi filmado.

É um filme sobre amizade, a manutenção dessa amizade ao longo dos anos, e os caminhos imprevisíveis que a vida toma por decisões extremas. É também o perfil de homens que não conseguiram atingir o que pretendiam na vida, e portanto carregam o fardo dos erros que cometeram. É um filme sobre gângsteres, mas Leone não os julga. Mostra um grupo de desajustados que cometem grandes barbaridades, mas merecedores de um olhar humano e desmistificador. Assim como fez na sua Trilogia dos Dólares, o diretor subverte os estereótipos que temos como certos e não nos dá respostas fáceis, exatamente como deve ser. Ao final do filme, Leone deixa claro que independente dos desdobramentos, mesmo as histórias mais sangrentas e amorais são dignas de serem contadas.