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terça-feira, 24 de maio de 2011

Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, EUA/ITA, 1984, 229 min.)


A idéia do blog de cinema me persegue há muito tempo, mas nunca tive um pretexto razoável para um forte início, um filme que logo que eu terminasse de assistir me empolgasse a ponto de escrever algo puramente pessoal e emocional sobre o mesmo. Isso aconteceu ontem, quando revi a obra definitiva de Sergio Leone, "Era Uma Vez Na América". O viés afetivo e inocente de Leone sobre um grupo de amigos que se tornam pequenos gângsteres e os descaminhos da vida me comoveu profundamente. Após o filme vi um pequeno documentário incluído no dvd sobre a realização da obra com entrevistas dos produtores e escritores que durante mais de dez anos ajudaram Leone a aperfeiçoar o texto perfeito para a obra derradeira do mestre. Ele é o maestro de uma orquestra de artistas magistrais que vão desde o rosto do filme, Robert De Niro em um desempenho contido e extraordinário, em um registro completamente diferente dos filmes de Scorsese, até o score inigualável de Ennio Morricone. A fotografia em tons sépia do colaborador frequente de Leone, Tonino Delli Colli, é perfeita, emoldurando os personagens em uma paleta de cores que evoca melancolia e nostalgia, dois sentimentos presentes em boa parte da obra. A decupagem de cada plano e cena é precisa; nenhum detalhe passa despercebido pelo olhar de Leone. As cenas de ação são de uma intensidade rara, coreografadas com o vigor que marcou o diretor como herói de uma geração de cineastas como Quentin Tarantino e John Woo. Poderia citar também Sam Peckinpah como esteta da violência, mas para o meu gosto, Leone consegue mais poesia nos seus close-ups que explodem em tiroteios poéticos abusando dos zooms de câmera e do uso operístico da trilha sonora. 

É espantoso descobrir como esse filme foi injustiçado pelo estúdio, que sequestrou o filme do diretor, editou toda a obra desconstruindo a narrativa fragmentada que é o grande trunfo do filme, e ainda lançou nos cinemas sem a trilha sonora de Morricone, grande heresia. Segundo um colaborador de Leone, o diretor passou mais de cinco anos antes de rodar um frame do filme apenas concebendo cada cena em sua imaginação , e depois foi tratado pelo estúdio, a Warner, com desrespeito total, tendo o seu filme retalhado e jogado nos cinemas para o desprezo dos críticos, que o consideraram o pior filme de 1984. Ao final da década, os mesmos repararam o erro, e com o lançamento do corte original do diretor, toda a comunidade cinematográfica notou a grandiosidade de Era Uma Vez na América, que relançado em 2003 em dvd e recentemente em Blu-Ray, continua com o mesmo vigor narrativo e impacto de quando foi filmado.

É um filme sobre amizade, a manutenção dessa amizade ao longo dos anos, e os caminhos imprevisíveis que a vida toma por decisões extremas. É também o perfil de homens que não conseguiram atingir o que pretendiam na vida, e portanto carregam o fardo dos erros que cometeram. É um filme sobre gângsteres, mas Leone não os julga. Mostra um grupo de desajustados que cometem grandes barbaridades, mas merecedores de um olhar humano e desmistificador. Assim como fez na sua Trilogia dos Dólares, o diretor subverte os estereótipos que temos como certos e não nos dá respostas fáceis, exatamente como deve ser. Ao final do filme, Leone deixa claro que independente dos desdobramentos, mesmo as histórias mais sangrentas e amorais são dignas de serem contadas.

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