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sábado, 30 de julho de 2011

Capitão América - O Primeiro Vingador (Captain America - The First Avenger, EUA, 2011, 115 min.)

  Acabo de assistir Capitão América - O Primeiro Vingador. E sim, meus amigos, é com prazer e alívio que posso dizer: é um ótimo filme, digno de figurar ao lado dos grandes filmes Marvel, e porque não dizer, uma das mais inspiradas adaptações de super-herói dos últimos anos.

  A lista de proverbiais erros que poderiam ter sido cometidos era grande. A começar pela polêmica escolha do protagonista Chris Evans. Conhecido por suas palhaçadas como o Tocha Humana nos dois filmes do Quarteto Fantástico e nada mais, sua escalação trouxe o mais puro e simples medo aos fãs do personagem. Felizmente, com menos de quinze minutos em cena, dá para dizer que Evans nasceu para esse papel. Assim como Robert Downey Jr. é Tony Stark, Chris Evans incorporou o ar altruísta e extremamente sério do Capitão e o resultado é o passaporte do ator para o primeiro escalão de Hollywood, uma atuação tão honesta (e sem tiques cômicos, por favor) que demonstra a versatilidade e tenacidade do ator, contra todas as expectativas, em fazer funcionar um personagem que, se abordado de maneira errada, poderia ter resultado em desastre certo. Evans ainda é auxiliado por um elenco de primeira linha, em caracterizações inspiradas: Tommy Lee Jones, Stanley Tucci, Hayley Atwell, Toby Jones e Hugo Weaving, acrescentando mais um vilão memorável à sua já extensa galeria: O Caveira Vermelha.

  Outro acerto dos produtores: a escalação do diretor Joe Johnston, artesão tarimbado que trouxe uma visão cinematográfica, não apenas de fanboy, muitíssimo bem-vinda ao projeto. Johnston é profissional e sabe do senso de aventura que esse tipo de filme precisa ter. Seus filmes, desde Rocketeer, passando pelo terceiro Jurassic Park, e chegando ao recente O Lobisomem, se muitas vezes resultam irregulares, são carregados desse fator 'matinê de sábado à tarde' que um blockbuster possui. Aqui ele entrega seu melhor filme, e sem se preocupar em dirigir apenas uma adaptação de HQ, ele constrói um filme legítimo, que pode ser apreciado por iniciados e leigos, cheio de referências sutis á outros filmes do gênero (notadamente o clima da série Indiana Jones e até Star Wars!), e ao próprio universo Marvel do cinema, que aqui faz sua transição definitiva para o grande filme do próximo ano que reúne todos os personganes que vem sendo apresentados ao longo dos últimos anos: Os Vingadores. A ciência disfarçada de magia que acompanhamos em Thor; a ascensão das indústrias Stark e o envolvimento do pai de Tony Stark com o governo americano; o desenvolvimento do soro do supersoldado que vimos em Hulk: tudo finalmente se encaixa aqui de maneira perfeita, sem sobras. Um quebra-cabeça perfeito, um planejamento dos criadores desse universo que merece aplauso pela coerência com que foi traduzido nas telas.

 Além de contar a história de origem de Steve Rogers, garoto franzino do Brooklyn que decide ser voluntário num experimento do governo e se torna o Sentinela da Liberdade enfrentando a organização dissidente de Hitler, a Hidra, o filme inteligentemente evita a armadilha do patriotismo que poderia ter afastado espectadores fora dos Estados Unidos. O que fica claro no desenvolvimento do personagem Steve Rogers é que ele é americano sim, mas em primeiro lugar, uma pessoa de boa índole que em meio ao genocídio cometido pelo Terceiro Reich na Segunda Guerra, não hesita em fazer sua parte, de qualquer maneira. Isso é uma história sobre o caráter do ser humano sob pressão, o que felizmente, independe de nacionalidade. A história se desenvolve com muita naturalidade num bom roteiro dividido em três atos, sempre destacando as características humanas de cada personagem, sem nunca ser atropelado por sequências de ação forçadas. Assim como no primeiro Homem de Ferro, esse é um filme com ar retrô que decide priorizar o desenvolvimento dos personagens. Dá certo, e o resultado é que quando a ação explode no terceiro ato do filme, realmente nos importamos com o que está acontecendo.

Quanto a fidelidade à mais de 70 anos de Capitão América nos quadrinhos, posso dizer a quem acompanha o personagem como eu que tudo foi feito de maneira perfeita. Emprestando elementos que vão desde a gênese do personagem pelas mãos do Rei Jack Kirby, passando pela fase de Mark Waid e Ron Garney que revitalizou o personagem no final dos anos 90 e adaptando muito da estética proposta por Mark Millar em sua releitura certeira do Capitão em Os Supremos, o Sentinela da Liberdade das telas é fiel aos quadrinhos, existe naturalmente como herói de celulóide e ainda consegue o feito de não soar ultrapassado nesses tempos truculentos.

  Com tantas qualidades, se pudesse apontar um único defeito no filme seria o fato de tanta história, tantos temas interessantes serem desenvolvidos rapidamente. Quando chega ao final, Capitão América nos dá aquele mesmo gosto que sentimos no primeiro filme dos X-Men: queremos mais aventura. A história tem ramificações suficientemente interessantes para exigirmos isso. Nada que as vindouras continuações e o filme dos Vingadores não possam resolver. Por agora, ficamos com mais uma genial criação Marvel que começa (se descontarmos o filme de 1944 e o pavoroso filme de 1990) sua carreira nos cinemas. Welcome Back, Cap!

quinta-feira, 28 de julho de 2011

À Queima-Roupa (À Bout Portant/Point Blank, FRA, 2011, 84min.)

 Esse À Queima-Roupa chegou nas locadoras recentemente sem maior alarde, mas trata-se do novo filme de Fred Cavayé, criador de Tudo Por Ela, excelente thriller de 2008 que foi refilmado com Paul Haggis na direção e estrelado por Russell Crowe ano passado, o pouco visto 72 Horas. Cavayé faz parte da nova onda de diretores franceses formada por nomes como Pierre Morel e que vem lá do início dos nos anos 90, desde  Luc Besson e seu sensacional Nikita, até hoje rendendo frutos em Hollywood. Os realizadores franceses do gênero ação/policial perceberam que se não possuem um grande orçamento e estrelas consagradas como chamariz, compensam com um roteiro sempre eficiente, ritmo ágil, e direção enérgica, sem firulas narrativas e estéticas. No fim das contas, fazem a reciclagem do cinema de ação americano dos anos 70 que os próprios americanos só foram redescobrir à partir de 2002, com a série A Identidade Bourne, que graças ao talento de nomes como Doug Liman e principalmente o gênio Paul Greengrass, abandonou a inconsequência da ação brucutu e voltou ás raízes dos grandes thrillers americanos como Três Dias do Condor, A Conversação e Operação França.

     É um tipo de filme mais adulto, que hoje talvez não encontre tanto espaço nos Multiplexes da vida, mas se adequa perfeitamente ao mercado de home video, onde vira sucesso devido ao boca-a-boca positivo, sempre a melhor arma de divulgação para qualquer obra. Esse À Queima-Roupa definitivamente se encaixa nesse conceito: em enxutos 80 minutos conta a história de um enfermeiro cuja mulher, grávida, é sequestrada. E para resgatá-la deve seguir as instruções de um criminoso que deseja retirar seu comparsa, ferido após uma ação desastrosa, do hospital onde o protagonista trabalha. É um ponto de partida deveras batido, mas o diretor Cavayé tira água da pedra entregando inúmeras reviravoltas e sequências de ação eletrizantes, nunca tornando a trama confusa ou óbvia demais.

    Me lembrou muito os thrillers estrelados por Liam Neeson, notadamente Busca Implacável e o recente Desconhecido, filmes onde um homem comum se vê preso em uma cadeia absurda de eventos, tendo que correr contra o relógio para salvar alguém que ama. Outros filmes de ação recentes vindos da França exploram o mesmo filão, todos com um resultado nunca menos que satisfatório: Não Conte a Ninguém, o acima citado Tudo Por Ela e Anthony Zimmer-A Caçada, recentemente refilmado porcamente nos EUA com Depp e Jolie, e rebatizado O Turista.

   É interessante observar que até um passado não muito distante o monopólio desse tipo de filme era quase  exclusivo dos americanos, e agora vemos Hollywood recorrendo com frequência às refilmagens de exemplares franceses, russos e orientais. Haja visto Os Infiltrados, refilmagem do chinês Conflitos Internos que revitalizou a carreira de Scorsese. Agora ouço rumores de que Spike Lee teria assumido a refilmagem do excelente Old Boy, fita coreana de 2004 do grande Chan Wook-Park. Nada sobrevive à ganância de alguns mecenas.

  Então é isso: assista logo esse ótimo À Queima-Roupa, porque com certeza, enquanto teclo essas linhas, os executivos de algum grande estúdio lá na meca do cinema devem estar com suas canetas em riste, assinando cheques polpudos para a compra dos direitos de refilmagem. Se o dinheiro forjar um bom remake, tanto melhor. Senão, sempre haverá o original para nos consolar. Atendendo a função primordial do cinema: contar boas histórias.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Cloverfield (Cloverfield, EUA, 2008, 83 min.)

  Cloverfield é um 'filme de monstro'. É o meu filme de monstro favorito, na verdade. É a história de um cara que cruza Nova York em meio a destruição causada por um monstro 'apenas' para salvar a mulher que ele ama. E essa história funciona muitíssimo bem, talvez pelo diretor Matt Reeves (que fez agora em 2010 o excepcional remake do filme sueco Deixa Ela Entrar) demonstrar mais interesse pelo que acontece fora do raio de destruição da criatura do que pela demolição em si. Em uma mudança de enfoque sensacional, em Cloverfield não é dada a chance de acompanhar a ação com distanciamento; nós entramos no meio da desgraça, correndo junto com os personagens, desolados e boquiabertos com as poucas informações que aos poucos vão sendo reveladas. A sacada de mestre do filme é situá-lo no mundo real, no nosso mundo. Um mundo, até hoje pelo menos, livre de ameaças como monstros radioativos. O olhar dos personagens ante a criatura é um misto de descrença e pavor total, já que conseguimos compreender atos brutais como atentados terroristas, mas um monstro? Um Godzilla em plena Avenida Paulista? Pensa.

 Os vinte minutos iniciais apresentam o relacionamento dos personagens que será essencial para a compreensão do que virá depois. Rob Hawkins é um executivo que recebe uma oferta de emprego no Japão, e está dando uma festa de despedida, organizada pelo irmão Jason e a namorada Lilly. Quem está documentando a festa em vídeo, de maneira torta, é seu amigo Hud. Por diálogos curtos e situações muito bem arranjadas, sabemos que Rob passou uma noite com a antiga paixão Beth McIntyre, mas agora não estão mais juntos. Beth vai à festa acompanhada de um novo namorado, o que desperta a ira de Rob. Ela deixa a festa em meio a um desentendimento com ele. O monstro ataca a cidade. E todo esse povo tenta sobreviver em meio às cenas de destruição mais criativas do cinema popular nos últimos anos.

  No fundo, é um delírio nerd, com eflúvios de  A Bruxa de Blair e claro, Godzilla, mas com um romance genuíno que confere um senso de verdade à empreitada, por mais absurdo que pareça. Quando Rob convence os amigos a cruzar a cidade mergulhada no caos para encontrar a velha paixão nos escombros de um edifício em ruínas, estranhamente faz sentido. É o fim do mundo da geração YouTube, ou melhor, é a  morte heróica sonhada por um nerd, eu incluso: morrer ao lado da mulher amada, com a cidade sendo atacada por um monstro radioativo. Quer morte mais pop que essa?

Submarine (Submarine, UK, 2011, 86 min.)

   Mas que espetáculo esse Submarine, filme inglês que marca a estréia na direção de longas de Richard Ayoade, mais conhecido por dirigir os clipes da banda Arctic Monkeys. Aqui ele adapta o romance de Joe Dunthorne sobre um garoto em plena adolescência lidando com a perda da virgindade, a primeira namorada e a crise no casamento dos pais. Temas já discutidos em milhares de outros filmes, mas que aqui ganham novo fôlego graças à genialidade de Ayoade, mostrando um talento genuíno de cineasta promissor à não se perder de vista.

  Fazia tempo que eu não via um par romântico com tanta química nas telas: Craig Roberts e Yasmin Paige formam um par daqueles para entrar na história, um casalzinho disfuncional impossível de não gostar; ele inseguro, muito sério em suas intenções, com alma de poeta. Já ela é uma garota meio blasé, pouco romântica e insegura em relação à sobrevivência da mãe, que está internada no hospital, com um câncer terminal. Já o menino sofre diante de uma possível traição da mãe que pode colocar em risco o futuro da família.

  Esses dois jovens com seus respectivos lares em perigo fornecem o combustível para uma história de amor das mais atípicas que eu já vi. Triste sim, mas muito honesta na medida em que os personagens se revelam pessoas de verdade como eu e você, e não robôs repetindo falas e obedecendo à reviravoltas dramáticas canalhas. Quando assistimos Oliver (Roberts) à beira do mar, descrevendo como se sente minúsculo diante da avalanche de problemas que soterraram seus sonhos, dá para sentir a tristeza real, aquela que faz a gente querer fugir de tudo, fechar os olhos e fingir que o mundo acabou. Por mais imaturo que isso pareça, é uma descrição sem afetação do imaginário de uma criança que cresceu, e agora se vê diante de uma nova gama de problemas e possibilidades.

  Toda essa complexidade emocional sugerida pelo roteiro não seria tão eficiente não fosse a direção espetacular de Richard Ayoade. Emulando aqui e ali seus diretores favoritos como Wes Anderson, Scorsese e Hal Ashby, ele consegue um feito admirável: movimenta a narrativa com mão de veterano ao mesmo tempo que não renega seu passado de esteta e nos brinda com algumas das imagens mais lindas do cinema recente. Todas, vale a pena ressaltar, com extremo bom gosto e principalmente, à serviço da história, e não como mera muleta estética. Seu uso das cores vermelho e azul para destacar paixão e tristeza é exemplar e sutil, assim como as canções escritas e interpretadas por Alex Turner, líder do Arctic Monkeys, encaixaram-se à perfeição com o espírito melancólico da obra.

  Obra que vale ressaltar, tem no seu cerne o elogio a família, instituição que os adultos muitas vezes negam as crianças a si mesmos. Quando Oliver é convidado para jantar na casa de Jordana, a namorada, e os pais da garota o elogiam, mesmo enfrentando o câncer terrível da esposa e um clima pesado demais, o pai dela fala para o rapaz:
"-Obrigado do fundo do meu coração, por olhar pela minha Jordana, por atravessar o fogo com ela. Agora você é parte da família, certo? Parte da família, entendeu? certo?"

 E no fim das contas, quem não quer fazer parte de uma família, por mais estranha e incomum que seja? Grande filme.
 

domingo, 17 de julho de 2011

World Gone Wrong

  Esse post não é uma crítica sobre um filme em específico. É mais um lamento e um recomeço, mesmo. Lamento é coisa chata, eu sei, mas eu prometo ser breve. É que ultimamente tenho visto tanta insanidade, babaquice, pensamento quadrado e nilismo puro e simples me rodeando que eu me pergunto se o mundo realmente não vai chegar ao fim em 2012. É seleção perdendo quatro pênaltis, é Harry Potter, é Transformers, é política safada, violência, paranóia, inveja, desesperança...do jeito que vai não há Woody Allen que salve a lavoura.

 Mas aí penso que eu também faço parte dessa porcaria toda e posso fazer a minha parte para me tornar um cidadão menos obtuso. Então eu assisto três filmes de um sujeito que começou outro dia aí e sempre renova minha fé na capacidade humana de criar obras geniais:

 

  Pronto. Já me sinto melhor. Ainda há salvação. O mundo pode estar indo ladeira abaixo, como o Sr. Zimmerman já disse uma vez , mas com filmes como esses acima respirar fica um pouco mais fácil. Uma hora dessas eu comento um por um, com carinho. Por enquanto, Thank You, Marty.

sábado, 16 de julho de 2011

Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, EUA/SPA, 2011, 95 min.)

  Ah, a nostalgia. É sempre ela que embaça nosso julgamento, faz crer que o passado é muito melhor que o presente e não nos deixa vislumbrar um futuro possível. Às vezes me pergunto se aos 30 não sou nostálgico em demasia, se não valorizo demais coisas que em revisão envelheceram mal.

 Enfim. A pergunta que cabe aqui é: alguém pode me responder como é que um senhor de 75 anos fez o grande filme de 2011 até agora? Um verdadeiro manifesto humanista e anti-nostálgico: isso é Meia-Noite em Paris, o melhor filme de Woody Allen em muito tempo, que me fez sair do cinema gargalhando de felicidade, com a sensação de refeição completa, um banquete cinematográfico inigualável.

  O filme conta a história de Gil (Owen Wilson, melhor atuação da carreira), roteirista que ganha a vida escrevendo filmes sem alma em Hollywood. E o que é pior, ele já se deu conta disso. Junto com sua noiva, Inez (Rachel McAdams, linda e competente), vão passar as férias em Paris e na verdade o que temos aqui é o choque de duas visões opostas sobre o romantismo, encapsuladas em personagens que poderiam cair no estereótipo fácil, mas não nas hábeis mãos de Allen: Gil é o artista que acredita na cidade-luz como combustível para a inspiração que irá melhorar sua arte. Ele crê que estar ali, no berço artístico onde tantos gênios conceberam obras imortais vai torná-lo um escritor melhor. Paris nos anos 20, a época da ´grande arte', é onde Gil sempre quis viver. Já Inez quer mesmo é que o marido ganhe muito dinheiro para ela fazer compras, no inferno dos intermináveis 'Malls' nos subúrbios da América. É uma escolha arriscada de Allen, a de colocar a noiva como uma vazia, sem alma, 'pós-moderna', apenas interessada na forma e no status que os titulos trazem, mas sem um mínimo de conteúdo. De qualquer forma, essa dicotomia entre as visões do casal é expressa logo no início do filme, e é brilhante.

  Logo em seguida aparece o amigo de Inez, Paul (interpretado com a dose correta de pedantismo pelo grande ator inglês Michael Sheen). É o típico clichê que Allen adora espinafrar, e com razão: o cara é um chato. Ele é a epítome do raciocínio  pós-doutorado que reina e engana tanta gente desavisada atualmente.
Cita autores com muita facilidade, mas nós sabemos muito bem que ele é falso. E Gil, o alter ego de Allen e nosso herói no filme conhece arte, tem paixão por Paris, mas não é homem de citações, um falastrão. Ele sente a arte.

  Saber é sentir, e essa é a máxima Alleniana que desde os tempos de Annie Hall rege o seu universo intelectual. Os 'pseudos', que vomitam referências e tem uma aura de auto-importância, nada mais são do que bozos escrachados pela câmera que parece desnudar o idiota que existe dentro deles. E quem melhor do que Woody Allen para desmascará-los?

  Insatisfeito com essa verdadeira overdose de fakes querendo chamar mais a atenção para si do que para a beleza da arte e da cidade, Gil caminha sozinho pelas ruas de Paris durante a madrugada, e súbito, um carro  antigo o arrasta para uma outra época. A década de 20, em Paris. E eis que, sem explicações picarescas ou artifícios baratos, estamos acompanhando Gil conversando com Hemingway, Fitzgerald. Dando conselhos para Buñuel, sendo influenciado por Salvador Dalí (Adrien Brody, se divertindo à beça), se envolvendo num romance platônico com Adriana (Marion Cottilard, espetacular), entregando um manuscrito de seu livro ainda não lançado para a escritora Gertrude Stein (Kathy Bates em grande performance) analisar e dar sua opinião. Isso não antes de discutir o conteúdo de uma obra com Pablo Picasso.

  Como numa espécie de versão farsesca e delirante de 'De Volta para o Futuro', Allen coloca sua filosofia, sua visão de mundo na boca de todos os personagens, seja no presente ou no passado. Hoje temos o elogio ao filme que consegue comunicar com muitas pessoas, e no fim das contas acho que quem está interessado em ser muito abrangente corre o risco de não falar para ninguém. Allen não perde tempo em justificar sua posição-seu cinema é uma carta de intenções: contra a nostalgia, contra as convenções, abertamente iconoclasta e romântico, adjetivo tão maltratado pelo cinema nos tempos que correm. Isso fala certamente para mim, e está muito bem assim.

   A felicidade com que Gil interage com seus heróis nos faz lembrar que podemos ser reverentes em relação à arte, e não mitificar ou endeusar pessoas e obras que nunca tiveram esse tipo de senso de grandeza errado, orgulhoso, elitista e mofado enquanto produziam. Sempre desconfie de um artista que classifica seu trabalho novo como clássico.

    A boa arte está sendo feita agora, em silêncio, sem a pretensão de ser eterna ou vanguardista. Basta observarmos com atenção e entendermos que cada época tem a representação que precisa. Nem mais, nem menos. É claro que o passado glorioso pode e deve ser saudado com respeito, mas o que será do amanhã se todo mundo insiste em chafurdar nas referências de ontem?

   Então insisto para que os neófitos na obra de Woody Allen parem de endeusar sempre aqueles mesmos filmes (que são brilhantes mesmo, não contesto isso: Annie Hall, Manhattan, Hannah e Suas Irmãs) e se concentrem nas suas obras de 2000 para cá, todas riquíssimas em grande cinema e observações sobre a humanidade, coisa complicada de se decifrar. Posso afirmar que dentre esse bloco de filmes, Meia-Noite em Paris é a grande obra dele nessa década. Reverente, mas tentando deixar a nostalgia para trás. Afinal o homem está com 75 anos e 41 filmes. Woody Allen, hoje você fez um cinéfilo feliz, e fez uma pequena obra-prima.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Manhattan (Manhattan, EUA, 1979, 96 min.)

  O coração de Woody Allen vai estar sempre dividido, e para o bem do cinema, é bom que seja assim. Ele ama de duas a três mulheres ao mesmo tempo, sendo que cada uma corresponde à um tipo diferente de ansiedade ou expectativa do autor. Ele ama a cidade. É um bicho definitivamente urbano, com os dois pés fincados no coração da metrópole. É também um intelectual aplicado, mas que, como disse o imortal Groucho Marx, nunca vai fazer parte de um clube que o aceite como sócio. É chover no molhado dizer isso, mas Woody Allen é mesmo o último, o único de sua espécie.

  Assistindo esse monumental Manhattan, filme de 79 que pode ser a síntese do que o raciocínio 'Alleniano', concluí que o homem não é tão racional como muitos puristas tentam pintar e também não é tão intelectualizado a ponto de negar o romantismo, a emoção. Aqui ele faz um roteirista de tv, um comediante nova-iorquino judeu, procurando a paixão que foi embora em uma namorada quase trinta anos mais nova. O olhar de Allen para a moça reflete ternura ao não revelar para ela a crueza da vida amorosa que virá. E ao mesmo tempo é agente dessa mesma crueldade ao tentar dispensá-la impunemente apenas para poder cair nos braços da ex-amante do melhor amigo. Essa ciranda amorosa é retratada com um olhar aparentemente cínico por Allen, mas basta olhar com mais atenção para perceber a declaração de amor à cidade, às mulheres, à humanidade que é esse filme. Amargo, mas ainda assim esperançoso. O último dos honestos.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Um Lugar Qualquer (Somewhere, 2010, Eua/Fra, 98 min.)

 Num determinado momento da vida, você pode se encontrar numa situação muito confortável. Tão confortável que a pergunta é: é possível melhorar uma coisa tão perfeita? É o tédio, a insatisfação que surge da certeza que nada vai mudar. Johnny Marco é um astro de cinema reconhecido mundialmente, vivendo uma vida de excessos e servindo de carne fresca para o inferno dos tablóides e colunas sociais. Enquanto faz filmes vazios e badala com amigos eventos igualmente vazios, já se deu conta que sua vida não está indo à lugar algum. Mas, ei, ele tem as mulheres mais bonitas do mundo querendo sexo sem compromisso todas as noites. Mora temporariamente no Chateau Marmont, o hotel meio decadente e charmoso onde nove entre dez estrelas Hollywoodianas se refugiam quando querem apenas gandaia e nada mais. A bebida é de primeira, a atmosfera do lugar também. O que pode dar errado?

  Eis que entra em cena Cleo, filha de 11 anos do ator. Vem visitar o pai e, a mando da ex-mulher de Marco,  fica alguns dias morando com ele no hotel, e isso leva os dois a explorarem o relacionamento pai e filha como nunca puderam fazer antes.

  Isso é Um Lugar Qualquer, quarto filme de Sofia Coppola que funciona perfeitamente como uma 'prequel' de Encontros e Desencontros, sua obra-prima com Bill Murray e Scarlett Johansson. Se Johnny Marco mudasse o nome para Bob Harris, estaria tudo no lugar: vemos aqui o passado de excessos de um astro e ao mesmo tempo sua decepção com os rumos que sua vida tomou, a raiva de si mesmo por ter sido tão acomodado a ponto de se tornar indiferente a qualquer pessoa à sua volta.

 Sofia é autora como poucos no cinema moderno. Os enquadramentos e planos-sequência expressam de maneira direta a intenção do roteiro. Quando vemos na abertura Marco dirigindo com seu possante carro, andando em círculos, não se trata de mero exercício de estilo: expressa-se visualmente a vida do protagonista. Sua insatisfação em correr, correr, e não alcançar a redenção quase espiritual que procura.
Outra: a cena em que a filha entra no helicóptero e ele, do lado de fora, tenta dizer que se preocupa com ela, que a ama mais que qualquer coisa mas não consegue, devido ao barulho ensurdecedor das hélices em movimento. A tristeza no rosto de Stephen Dorff, aqui em atuação decisiva na carreira, diz tudo: é uma vida corrida que nunca permite a tranquilidade para dizer aquilo que realmente se pensa, mesmo para a pessoa que mais importa. O barulho, as distrações ao nosso redor são muitas, e o significado se perde no caminho.

 É uma obra que investiga as idiossincrasias do showbiz, mas ao mesmo tempo é um estudo íntimo do relacionamento de um pai que não sabe ser pai e uma filha que como consequência disso já ensaia uma autosuficiencia precoce. Fico divagando aqui se esse material tão rico explorado pela diretora não vem de sua convivência com o pai cineasta. É um relato tão sincero e filmado com tanta propriedade que seria genialidade demais esses personagens tão interessantes terem saído da imaginação dela.

  Não importa. Do jeito que está, Um Lugar Qualquer é a obra que afirma Sofia Coppola como realizadora madura, de temática estabelecida, técnica e sutil. De imensa humanidade. Um filme extremamente honesto, vulnerável e até inocente em sua afirmação final: as vezes, para se livrar das distrações que nos cercam, é preciso abandonar nossa zona de conforto e ir para bem longe. Um exílio forçado, uma última tentativa de se conseguir paz, para lidarmos com nossos demônios. E esse tipo de conflito, meus amigos, é material do cinema de verdade.