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quarta-feira, 6 de julho de 2011

Um Lugar Qualquer (Somewhere, 2010, Eua/Fra, 98 min.)

 Num determinado momento da vida, você pode se encontrar numa situação muito confortável. Tão confortável que a pergunta é: é possível melhorar uma coisa tão perfeita? É o tédio, a insatisfação que surge da certeza que nada vai mudar. Johnny Marco é um astro de cinema reconhecido mundialmente, vivendo uma vida de excessos e servindo de carne fresca para o inferno dos tablóides e colunas sociais. Enquanto faz filmes vazios e badala com amigos eventos igualmente vazios, já se deu conta que sua vida não está indo à lugar algum. Mas, ei, ele tem as mulheres mais bonitas do mundo querendo sexo sem compromisso todas as noites. Mora temporariamente no Chateau Marmont, o hotel meio decadente e charmoso onde nove entre dez estrelas Hollywoodianas se refugiam quando querem apenas gandaia e nada mais. A bebida é de primeira, a atmosfera do lugar também. O que pode dar errado?

  Eis que entra em cena Cleo, filha de 11 anos do ator. Vem visitar o pai e, a mando da ex-mulher de Marco,  fica alguns dias morando com ele no hotel, e isso leva os dois a explorarem o relacionamento pai e filha como nunca puderam fazer antes.

  Isso é Um Lugar Qualquer, quarto filme de Sofia Coppola que funciona perfeitamente como uma 'prequel' de Encontros e Desencontros, sua obra-prima com Bill Murray e Scarlett Johansson. Se Johnny Marco mudasse o nome para Bob Harris, estaria tudo no lugar: vemos aqui o passado de excessos de um astro e ao mesmo tempo sua decepção com os rumos que sua vida tomou, a raiva de si mesmo por ter sido tão acomodado a ponto de se tornar indiferente a qualquer pessoa à sua volta.

 Sofia é autora como poucos no cinema moderno. Os enquadramentos e planos-sequência expressam de maneira direta a intenção do roteiro. Quando vemos na abertura Marco dirigindo com seu possante carro, andando em círculos, não se trata de mero exercício de estilo: expressa-se visualmente a vida do protagonista. Sua insatisfação em correr, correr, e não alcançar a redenção quase espiritual que procura.
Outra: a cena em que a filha entra no helicóptero e ele, do lado de fora, tenta dizer que se preocupa com ela, que a ama mais que qualquer coisa mas não consegue, devido ao barulho ensurdecedor das hélices em movimento. A tristeza no rosto de Stephen Dorff, aqui em atuação decisiva na carreira, diz tudo: é uma vida corrida que nunca permite a tranquilidade para dizer aquilo que realmente se pensa, mesmo para a pessoa que mais importa. O barulho, as distrações ao nosso redor são muitas, e o significado se perde no caminho.

 É uma obra que investiga as idiossincrasias do showbiz, mas ao mesmo tempo é um estudo íntimo do relacionamento de um pai que não sabe ser pai e uma filha que como consequência disso já ensaia uma autosuficiencia precoce. Fico divagando aqui se esse material tão rico explorado pela diretora não vem de sua convivência com o pai cineasta. É um relato tão sincero e filmado com tanta propriedade que seria genialidade demais esses personagens tão interessantes terem saído da imaginação dela.

  Não importa. Do jeito que está, Um Lugar Qualquer é a obra que afirma Sofia Coppola como realizadora madura, de temática estabelecida, técnica e sutil. De imensa humanidade. Um filme extremamente honesto, vulnerável e até inocente em sua afirmação final: as vezes, para se livrar das distrações que nos cercam, é preciso abandonar nossa zona de conforto e ir para bem longe. Um exílio forçado, uma última tentativa de se conseguir paz, para lidarmos com nossos demônios. E esse tipo de conflito, meus amigos, é material do cinema de verdade.

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