Powered By Blogger

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

RETROSPECTIVA TARANTINO: BASTARDOS INGLÓRIOS (INGLOURIOUS BASTERDS, EUA/ALE, 2009, 153 min., Dir. Quentin Tarantino)

 Pulp Fiction foi marco definitivo dos anos 90 e consolidou Quentin Tarantino definitivamente como voz sólida e relevante no meio cinematográfico. Mas após Kill Bill e À Prova de Morte, ficou claro o desejo do autor de abandonar determinados guetos alternativos e confirmar seu talento com uma obra definitiva. Que o colocasse no panteão dos grandes mestres de todos os tempos. 

E que prazer confirmar "Bastardos Inglórios" em forma e conteúdo como a melhor obra de Quentin Tarantino, um diamante cinematográfico raro que será lembrado por décadas como o responsável por uma revolução nos filmes de guerra e mais, o filme que deu ao autor o status de cineasta internacionalmente aclamado por público e crítica.

Narrando em capítulos a história de um grupo de aliados infiltrados na França ocupada pelos nazistas para liquidar Hitler e seus asseclas, Tarantino consegue eliminar todas as armadilhas de filmes do gênero e entrega uma obra enxuta, em que cada diálogo, cada momento registrado move a trama rumo à um clímax perfeito, sem arestas.

Contou com um grupo multicultural de atores e soube dirigi-los um a um, baita desafio numa obra em que ao menos quatro línguas são faladas fluentemente por todo o elenco. A revelação maior para o público do mundo todo, inquestionavelmente, é Christoph Waltz, ator veterano da TV alemã interpretando o Coronel Landa, 'O Caçador de Judeus': um personagem sorrateiro e enigmático que entra direto na galeria dos melhores personagens já saídos da mente de Tarantino. Ainda a belíssima francesa Mélanie Laurent faz lembrar a saudosa Nastassja Kinski (inclusive com uma citação à Sangue de Pantera de Paul Schrader no uso da canção de David Bowie e Giorgio Moroder 'Cat People (Putting Out The Fire)' em sequência brilhante) e brilha no papel de Shosanna Dreyfus, uma sobrevivente judaica do massacre perpetrado por Landa na estupenda abertura do filme. Vale destacar também o astro de Adeus, Lênin, Daniel Brühl, em ótimo desempenho como o matador implacável que se apaixona por Shosanna, Frederick Zöller. O resto do elenco composto por Brad Pitt, Michael Fassbender, Til Schweiger, Diane Krueger, são todos uniformemente bem dirigidos sob a batuta de Tarantino.  

O grande trunfo de Bastardos Inglórios é notar como Tarantino consegue colocar seu apreço pelo cinema sempre no centro dos acontecimentos. Trancar Hitler e sua escória dentro de um cinema e por uma noite imaginar a sétima arte como vingadora de todos os problemas do mundo é uma metáfora potente, jamais utilizada em um filme do gênero. Ao contrário da seriedade de, por exemplo, um O Resgate do Soldado Ryan, o autor abandona qualquer fidelidade ou moralismo aliado ao acontecimento histórico e propõe uma fantasia de libertação, de catarse dos sentimentos. Isso com certeza polarizou o público, mas qualquer pessoa com o mínimo de interesse e amor por cinema sabe a operação ousada que Tarantino está fazendo, e é impossível resistir á tamanha genialidade. É um filme que fala sobre guerra, mas acima de tudo, fala sobre filmes de guerra.

Mas um filme de Tarantino resiste à categorização. Este filme é sobre tudo isso mas ao mesmo tempo seu coração existe num senso de humanidade que dialoga diretamente com quem assiste o filme. Sua 'voz' conversa com o espectador de uma maneira inusitada, como que desafiando todas as nossas pré-concepções. Você sabe que muito mostrado na tela jamais aconteceu, mas o senso de diversão e de prazer que emana das cenas chega a ser quase proibitivo de tão bom. Os atores de Tarantino devoram o texto, eles jantam cada palavra, com gusto e bravura. Ele sabe que o segredo da performance icônica é levá-la ao limite do exagero, e daí dar um passo para trás. O Coronel Landa é a prova disso: revendo o filme fica claro que ele é o ícone que define a obra. Seu tom é perigoso e brincalhão, perspicaz e gazeteiro. O filme também se situa nessas travessas.

  Quando vi Bastardos Inglórios em sua estréia, num cinema lotado em Ribeirão Preto, paguei o ingresso e entrei imediatamente na próxima sessão. No dia seguinte, fui mais uma vez. Daí entrei direto numa loja de DVDs e comprei Cidadão Kane, considerado o maior filme já feito. De alguma forma o filme de Tarantino reacendeu meu amor pelos filmes do passado e deu à minha geração um filme clássico no presente que poderemos para sempre relembrar. Depois vi Bastardos mais seis vezes em diferentes salas pelo estado de São Paulo, e o mais incrível era ver a reação das pessoas em diferentes momentos do filme. O mais lindo é que o público  de fato se envolve e REAGE ao que acontece em cena, nunca terminando o filme ileso ou indiferente. Eu fiquei emocionado e sabia que tinha presenciado algo especial, mas não consegui classificar o filme numa opinião fechada, estreita. Eu mal pude anotar a placa do caminhão que tinha me atropelado. Como manda a regra do Grande Cinema, os filmes vão te envolvendo conforme você os revê. Eles crescem no seu conceito e vão te consumindo até que você não para mais de pensar sobre eles, sobre tudo que viu. E nunca basta assistir uma vez só.

E isso, meus amigos, é o que costumamos chamar de OBRA-PRIMA.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário