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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

RETROSPECTIVA TARANTINO: JACKIE BROWN (EUA, 1997, 154min. Dir. Quentin Tarantino)

Mais de dois anos após o sucesso sem precedentes de Pulp Fiction, a expectativa de todo cinéfilo no mundo pairava sob a seguinte questão: Teria Quentin Tarantino mais algum coelho na cartola após sua estréia com um dos pares de filmes mais contundentes de todos os tempos?

A resposta é Jackie Brown, um filme dirigido com mão de veterano, de ritmo próprio nada dependente dos seus filmes anteriores. O diretor sabiamente optou por adaptar o romance Ponche de Rum, de Elmore Leonard. Se você conhece alguma de suas obras, sabe que o estilo literário de Leonard se encaixa como uma luva e funciona até como influência sobre o estilo detalhado, verborrágico e imprevisível de Tarantino.

Jackie Brown (vivida pela musa da blaxploitation Pam Grier) é uma aeromoça que trabalha para uma empresa aérea de quinta categoria em Los Angeles. Incrementa seu faturamento lavando dinheiro de drogas do traficante Ordell Robbie (Samuel L.Jackson em grande momento). Em uma dessas operações, é flagrada e indiciada pelos oficiais Ray Nicolet (Michael Keaton) e Mark Dargus (Michael Bowen), que a obrigam a colaborar com o FBI em troca da diminuição de sua pena. Jackie vai usar de sua destreza e conhecimento das ruas para enganar Ordell, os agentes do FBI e ainda angariar algum dinheiro de todo esse imbróglio. Vai contar com a ajuda de seu agente da condicional, Max Cherry (O excelente Robert Forster, de O Pecado de Todos Nós com Marlon Brando). Ainda completam o elenco Robert DeNiro como o ladrão de bancos recém-saído da prisão e parceiro de Ordell, Louis Gara, e Bridget Fonda como Melanie Halston, uma garota de praia que passa os dias fumando maconha num bong e sendo uma das concubinas de Ordell.

O grande barato de Jackie Brown são as pequenas observações inseridas por Tarantino aqui e ali sobre a vida cotidiana. É seu único filme que não se passa numa espécie de 'Tarantinoverso', e isso confere uma naturalidade inusitada tanto na abordagem das locações, todas no sul de Los Angeles em locais frequentados por Tarantino, quanto no modo como os personagens interagem. É quase como se a trama policial ficasse em segundo plano e por alguns momentos nós tivéssemos um passe livre para entrar na vida dessas pessoas, de maneira relaxada e realista. Tudo é absolutamente crível, e nunca mais Tarantino se interessou por um retrato tão naturalista da vida em seus filmes. Creio que esse filme encerra uma 'Trilogia de Los Angeles', iniciada com Cães de Aluguel e seguida por Pulp Fiction ligando sua cinematografia aos grandes filmes de crime passados na cidade, notadamente os de Michael Mann e recentemente, Nicolas Winding Refn em Drive.    

No relacionamento entre Jackie Brown e Max Cherry fica claro o aceno do autor para temas como a maturidade em relacionamentos e a paixão que queima lenta, em fogo brando, mas nunca insincera. Os dois estabelecem um elo importante durante o filme e revelam um lado do cineasta mais romântico, sem nunca resvalar na desimportância das comédias românticas ou dramalhões de Hollywood. Este relacionamento descrito por Tarantino não tem muito lugar no cinema e nem no mundo, e por isso ressoa muito forte no filme. Não é uma trama de super heróis, ou mesmo de mocinhos e bandidos. Mesmo conseguindo incutir no filme várias de suas paixões, dos filmes blaxploitation dos anos 70 até a trilha sonora bem escolhida, o que fica na fita é um Tarantino completamente vulnerável e amadurecido, disposto a encarar seu ofício como cineasta de maneira consistente e com talento suficiente para deixar de ser apenas o diretor sensação de uma temporada. 

É curioso notar como o público na época deu as costas ao filme e o transformou no maior fracasso comercial da carreira de Tarantino até hoje. Injustiça das grandes, fica claro que o autor se empenhou em entregar algo maior do que seu público pretendia ou mesmo poderia desejar. Não importa. Em consequentes revisões, hoje Jackie Brown desfruta de status privilegiado na carreira do cineasta e provou que o tempo é juiz de muitas obras cinematográficas. Um filme de confirmação da carreira de Tarantino, que entraria em um hiato de quase seis anos até entregar seu mais ambicioso projeto: Kill Bill.    


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