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sábado, 19 de dezembro de 2015

RETROSPECTIVA TARANTINO: PULP FICTION (EUA, 1994, 155min. Dir.Quentin Tarantino)

Eu sei, você que me conhece ou é leitor desse blog já cansou de ouvir falar no Pulp Fiction, certo? Certo. Quando eu tinha vinte anos, arrumei um emprego numa videolocadora aqui pertinho da minha casa e por algum tempo meu sonho era seguir a trajetória de Tarantino. O conto de fadas do balconista de locadora que viu todos os filmes e depois se tornou o cineasta mais influente dos anos 90 nunca saiu da minha cabeça, influenciou a mim e mais um monte de moleques que queriam ser, de uma vez por todas, Quentin Tarantino. O sonho continua forte e vivo, subindo colinas e descendo vales, mas como eu já falei de maneira detalhada sobre este que é o filme mais importante do cineasta, vamos tentar uma coisa diferente.

Pulp Fiction é o filme da dança, aquele em que John Travolta parou de falar com bebês e finalmente renasceu. É o que revelou Uma Thurman, Samuel L.Jackson, Ving Rhames numa tacada só e de quebra deu novo rumo à carreira de Bruce Willis. É o filme da overdose, o filme do estupro anal, o filme maluco com o roteiro fora de ordem, aquele em que o mocinho morre na metade, em que a mocinha pontilha a tela para chamar o cara de quadrado. Acima de tudo, é o filme que confirmou Quentin Jerome Tarantino como o cineasta americano mais importante saído dos Estados Unidos nos anos 90, permanecendo até hoje no topo, fazendo tudo como quer, ao seu tempo, com suas regras. E isso quem estiver lendo me desculpe se discorda, mas é rock'n'roll paca.

É rock'n'roll porque Tarantino aprendeu a fazer cinema assistindo cinema, e passou a infância toda sendo levado pela mãe em infindáveis sessões duplas nos mais variados muquifos de Los Angeles até chegar à maioridade, quando arrumou um emprego de lanterninha em um cinema pornô e daí em diante nunca mais olhou para trás. Sua sensibilidade cinematográfica aprendeu a equilibrar filmes de kung-fu e Godard, Dario Argento e Spielberg, De Palma e Leone. Sua paixão por filme nunca diminuiu. Se toda essa biografia foi inventada, eu não ligo; é empolgante de qualquer jeito.

Do outro lado do Atlântico, exatamente em 1994, um bando de arruaceiros de Manchester também se preparavam para tomar a cena musical de assalto com uma proposta muito parecida com a do cineasta: um revisionismo sincero das grandes referências da história do rock'n'roll britânico com um molho de vivência própria, sem se curvar ao mercado e tentando escrever um livro novo de regras ao mesmo tempo em que se tornavam um novo marco zero da música independente, criando um exército de seguidores. O nome da banda é OASIS

O cabeça da banda foi Noel Thomas David Gallagher, e o Oasis, assim como arrebatou o público de maneira inegável por vários anos, terminou também de maneira explosiva numa briga entre Noel e seu irmão Liam, ambos membros remanescentes da formação original. Mas Noel Gallagher continua, e aplica aos seus discos como artista solo acompanhado de banda a mesma abordagem de sempre desde os tempos de Oasis: colagem pós moderna usando toda referência como recombinação consciente do passado. Dá certo.

Quentin Tarantino faz exatamente o mesmo em seu campo de atuação. Utiliza um arsenal de referências assimiladas de todos os filmes que assistiu para remixar esse apanhado de idéias e reinseri-las em um novo contexto, com completo domínio da escrita e da estrutura literária em seus roteiros. Mas isso é muito técnico, muito pouco verdadeiro com o que realmente significa toda essa parada que estou organizando aqui.

O que realmente preciso dizer e sempre reafirmar é que cultura pop é jogo de jovens, e seja em cinema, música, literatura, fotografia, quadrinhos ou outras formas de expressão artística, quem move esse mundo de verdade é gente de sangue quente e com gana de conquistar o mundo, incendiar pra valer a mente das pessoas. E esse intento quase sempre é visceral e não intelectual. Tarantino e Gallagher são grandes artistas de rua que ousaram e hoje são brands, marcas, viraram adjetivos, sem jamais perder a contundência em seus trabalhos. Conseguiram de fato influenciar toda uma geração e mudaram o panorama artístico no mundo todo, deixaram sua marca. Ao mesmo tempo chamaram a atenção para a importância da conservação do passado cultural, da busca pelas referências na construção de uma obra. Conseguiram fazer isso sem um pingo de inacessibilidade. Se o discurso dos dois em entrevistas é verborrágico e soa arrogante, é um claro jogo de cena buscando recuperar o brio combalido do artista vindo de baixo ante a máquina que cospe dia após dia embustes fabricados. 

A verdade destes dois artistas, unidos aqui em um capricho meu por terem abrido meu córtex à golpes incisivos de genialidade e inovação está na obra deles: discos e filmes populares que podem ser consumidos sem restrição, fervilhantes em idéias e conceitos e acessíveis, disponíveis a todas as gerações que tiverem algum interesse sobre o que aconteceu na arte popular dos anos 90 em diante. A verdade está em não esconder do público o jogo, em entregar a catarse e assumir que fazer sucesso é bom, gera dinheiro, alimenta mais os artistas independentes e renova a indústria, que feliz, observa e contrata mais artistas com voz própria.

Assim como Noel Gallagher e seus dois primeiros e incensados discos sob a égide do Oasis, Tarantino sempre será lembrado por Pulp Fiction. Porque é o filme que revolucionou tudo, de maneira despretensiosa, com um amadorismo cativante e ousadia que não encontrava par na época. Esse é o momento singular em que o artista ainda é muito jovem e inocente, e tem força suficiente para concretizar todos seus ímpetos sem que alguém o limite. Ele não pensa se existe um público, mas por outro lado, ele ainda é como seu público, ainda pensa e existe na mesma classe. Depois da explosão tudo isso muda, e sábio é quem sabe sobreviver no mapa sem desaparecer ou empalidecer. 

Mais uma vez traçando paralelo com o maior hit de Gallagher, "Wonderwall", Tarantino e seu Pulp Fiction é uma obra que fala sobre nada e sobre tudo; mantém seu poder de interesse em um conteúdo enigmático que nunca se revela completamente mas que provoca fascinação e paixão crescente a cada revisão. É a evocação de um sentimento ou de vários deles, um cartão postal do caleidoscópio de sentimentos que é a vida, variando subitamente de gênero á gênero conforme mudanças de humor. Mais que tudo, a confirmação do sentimento maior de que fazemos parte de algo em curso que ainda não acabou. E que pode ser a qualquer momento interrompido de maneira súbita e sem aviso. Antes que meu tempo acabe, concluí que Pulp Fiction é um filme que fala enfim, sobre a

 "Todas as histórias são continuações; influência é felicidade"  -Michael Chabon, escritor, em 2015.

Um comentário:

  1. Sei que não é privilégio só de Pulp Fiction, mas, vale ressaltar que Tarantino usa de outras artes para complementar a sétima arte. As fotografias do filme, atuações e cenas que parecem teatro clássico, ótimas fotografias e trilhas sonoras que fazem a gente sair do cinema procurar músicas que começam a fazer sentido após ver o filme... Nem preciso dizer que ele extrapola isso em Jackie Brown.

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