Não há outra forma de descrever essa sequência direta da primeira parte em que o diretor muda completamente o tom do filme e o transforma numa mistura de road movie com western spaghetti e um gigantesco filme de arte amalucado sobre discussão de relacionamento. No meio disso, lutadoras caolhas, uma mulher enterrada viva, a teoria definitiva sobre a validade do Superman, um matador perigosíssimo contratado para desentupir privadas e um dono de bordel perguntando se existe um orifício anal em seu cotovelo. Decididamente, um filme de Tarantino.
Sim, esse é o filme em que Uma Thurman é enterrada viva, o filme em que a mesma luta com Daryl Hannah e parece uma cena do Jackass; mas para mim sempre vai ser o filme da melancolia de Tarantino, porque cá entre nós, um cara que filma uma cena daquela em que vemos um puteiro vazio as cinco e meia da manhã, o cara tem que ser muito cruel pra fazer aquilo, porque de certa forma ele sabe o que significa, ele sabe da badtrip que é, e ele curte isso, ele curte ambientar suas histórias em um universo desse tipo.
E essa melancolia perpassa todo o filme, pela razão mais óbvia possível: é um filme de reencontro, de separação, um filme daquilo que poderia ter sido e não foi. Juro pra você que está lendo, o cara que muda totalmente de um filme insano de kung-fu para isso, ele merece um prêmio, uma placa. Porque reencontrar a pessoa que te quis tão bem e tão mal ao mesmo tempo não é tarefa fácil, e o cineasta sabe disso. Ele desacelera o passo e dá vazão às emoções reprimidas de Bill e Beatrix Kiddo, a Noiva.
Tarantino recheia o filme com mais uma centena de baboseiras incríveis e impressionantes, mas o que importa mesmo é a hora final em que a garota e seu ex batem um papo daqueles que vão entrar para a história do cinema, ou ao menos para a história do MEU cinema, e isso já basta. No fim das contas, essa história mortal de dois assassinos perigosíssimos escondia apenas um casal que se amava e se perdeu. Ambos eram ciumentos e por um descaminho desses da vida impossível de controlar, cada um queria uma coisa diferente do outro.E não houve meio de fazer duas visões coexistirem num relacionamento.
E daí ele agrediu ela porque ele a amava muito (e claro é um psicopata amoral, como todos são em Tarantino) , e ela ficou à beira da morte. E num lapso de vida digno dos filmes, ela volta dos semi-mortos e o reencontra. E mesmo que ela o ame, há um preço a ser cobrado por todo esse desgaste, essa desilusão. E seria inútil Bill pensar que sairia ileso. Não há mal algum infligido à pessoa amada que passe impune, e ele sabe disso. Quando a noiva chega até ele e o encontra junto com a filha, o fruto do amor do casal, ele já sabe de antemão que não há escapatória.
Essa inevitabilidade do coração partido guia esse meio-filme fascinante de Tarantino, uma dança das cadeiras marcada, em que cada parte sabe seu papel e o cumpre até o final, triunfante e algo triste. Se Kill Bill Vol.2 desapontou muitas pessoas por não ser uma sequência direta em tom e estilo da primeira parte, ele confirma o cineasta como um rebelde totalmente consciente de sua posição marginal em Hollywood ou mesmo no mundo. Este é um filme romântico e decididamente honesto em seu retrato do amor perdido, e aquela cena em que ela parte o coração dele em pedaços, aquilo é a coisa mais amadora e sincera, mais pura e honesta em muitos anos de cinema. Nenhum cineasta teria a coragem de ser tão aberto e vulnerável,e Tarantino fez isso. Eu percebo que Kill Bill Vol.2 não é um filme que recebeu o reconhecimento que deveria, pois seu retrato do relacionamento amoroso é tão honesto quanto um Woody Allen, e não é porque ele envolve assassinos e morticínios que ele deveria ser ignorado pela crítica dita 'séria'. É uma obra original como poucas, e retrata as idiossincrasias de um casal de assassinos que se amavam e se separaram nas piores circunstâncias possíveis. Se não viu, corra e faça isso agora, Se já viu, assista novamente e pense nisso.
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