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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Os 10 Melhores Filmes de 2013

Posso dizer sem medo de errar que 2013 foi ótimo para o cinema no mundo todo. Para além da diversão das listas, o importante é que cinematografias de países muito distintos contribuíram com obras que comentam o mundo de hoje, e isso faz com que a sétima arte seja extremamente efetiva como estudo da vida que vivemos. Se existe alguma crise de conteúdo, não posso concordar: deixei muitos filmes ótimos de fora. ("Antes da Meia-Noite" de Richard Linklater, o espetacular "O Som Ao Redor" de Kleber Mendonça Filho, "Suspeitos" de Denis Villeneuve, entre outros) Vale destacar que essa é a minha lista, reflexo de gosto particular, e não obedece nenhuma escola de cinema em específico. Meu único critério é se me balança, se me retira da realidade e me deixa absorto num outro mundo, me envolvendo com informações e pontos de vista que outrora eu desconhecia. Se emociona, se coloca um espelho na minha cara, se me faz passar mal: é digno de nota. Estes dez distintos pedaços de cinema fizeram isso por mim em 2013. Lá vai:


10 - "Upstream Color", dir. Shane Carruth (Upstream Color, EUA, 2013, 96min.)
   Shane Carruth é um escritor/diretor americano de cinema independente, rico em idéias. Não é um reinventor da forma, pois "Upstream Color", assim como seu filme de estréia, "Primer", são exercícios que tem vida dentro dos limites impostos pelo orçamento modesto. Mas ele compensa esse fato com um ponto de partida intrigante, (a saber: um cientista disposto a executar testes em animais e seres humanos para descobrir a origem da vida, a existência de um 'deus') e uma narrativa quase abstrata que desafia nossa capacidade cognitiva, por provocar associações inusitadas através da montagem de cenas sucessivas e aparentemente desconectadas, muitas vezes alterando o texto narrativo que é proposto, pedindo uma atenção redobrada do espectador. Essa manobra usada por gente do calibre de David Lynch é renovada aqui pelas mãos de Carruth num estudo profundo e devastador sobre a natureza humana, que não oferece respostas fáceis. Seria simples acusar o filme de intelectualóide ou confuso, mas assim como Chris Nolan em início de carreira e o próprio Lynch, esse jovem cineasta propõe uma experiência que transcende a narrativa comum e nos deixa extasiados com sua habilidade técnica brilhante, digna de veterano. Assista, antes que esse cara seja cooptado pelo cinemão Hollywoodiano.


9 - "Bling Ring: A gangue de Hollywood", dir. Sofia Coppola (The Bling Ring, EUA/UK/GER, 2013, 90 min.)
Baseado livremente em um artigo da escritora Nancy Jo Sales para a revista Vanity Fair, "The Bling Ring" é a nova obra de Sofia Coppola. Fala sobre um grupo de jovens ricos e bem-nascidos cujos modelos de afirmação são as Irmãs Kardashian, Paris Hilton e Lindsay Lohan. Dos pais, têm apenas uma dieta à base de vitaminas e muita filosofia barata de auto-ajuda. Não lhes restam alternativas para espantar esse horror todo a não ser saquear as mansões de seus ídolos, num ritual doentio onde roubam jóias e roupas. Tudo o que importa para eles, enfim. Sofia não perdoa: filma tudo com influência de Nouvelle Vague e raiva genuína, retratando uma geração no fundo do poço, sem sinais de redenção. É mordaz, moderno, e deixa o recado em menos de 90 minutos. "The Bling Ring" é o auge do desconforto da pequena Coppola com a modernidade e seus códigos, traduzido em cinema furioso, barulhento e que não pede desculpas ao final.


8 - "Cães Errantes" (Jiao You/Stray Dogs, Taiwan/FRA, 2013, 138 min)
 Muito já foi dito sobre Tsai Ming-Liang: um esteta, gênio, desafiador de convenções. Milhares de rótulos. Numa sessão espetacular de seu novo filme, "Cães Errantes", sobra apenas uma definição: cineasta que domina com exatidão o poder cinematográfico de provocar emoções através das imagens. O ponto de partida: um homem tenta sobreviver trabalhando em subempregos para cuidar de dois filhos em Taipei, até que seu caminho cruza com o de uma balconista solitária, que pode ou não tirá-los do limbo e levá-los rumo a uma vida melhor. Tsai revira e comenta a vida desses personagens usando todo tipo de artifício a que tem direito. Em uma determinada cena, ele enquadra o homem e a mulher durante 15 minutos, numa cena estática. Nada acontece. E tudo acontece. Somente com um vocabulário visual tão arrojado e uma direção de atores precisa, ele conseguiria desnudar a alma de pessoas que vivem à margem da sociedade, arriscando tudo todos os dias. Na cena em que o protagonista está no meio de um cruzamento movimentadíssimo embaixo de chuva torrencial, 'trabalhando' enquanto entoa um hino marcial que versa sobre honra e resiliência sob ataque, fica claro o tema do filme: almas testadas ao limite, que seguem numa torrente, assim como a água que não para de cair. Uma aula de cinema, para poucos que tiverem a paciência de destrinchar, de saborear. Serão recompensados.


7 - "Um Toque de Pecado" (Tian Zhu Ding/A Touch of Sin, China, 2013, 133min.)
 Esse é um filme proibido na China pelo seu governo. Não por conta de suas imagens fortes, mas por seu conteúdo explosivo e indesejado. Usando analogias espetaculares sobre animais subjugados por seus donos e trabalhadores oprimidos; e fazendo uma crítica pesada ao novo parceiro econômico do Brasil, que insiste em trocar humanidade por alta lucratividade, o diretor Jia Zhang-Ke faz um drama de ação arrepiante. Quatro histórias interligadas narrando a saga de figuras encurraladas por situações de desconforto social e moral. Todas com desfechos pesados, amargos. Como que se mostrando a violência banal em atos isolados, revela-se a opressão do Estado contra o indivíduo, que se rebela e reage com intensidade e inconsequência. Uma obra inusitada, que usa a violência como ato de libertação que nunca vem. Apenas assinala que quando se destroem regras de convívio, estamos fadados á autodestruição. O grande feito do autor Jia é nunca ser panfletário. Ele é um legítimo contrabandista de idéias na tradição de Paul Verhoeven e John Woo: dentro da estrutura de filme criminal, drama policial ou até mesmo filme de ação, ele consegue consumar sua visão sobre a China moderna e suas contradições, que refletem curiosamente as nossas por aqui. Um 'milagre' de governos pretensamente populistas? Um paradoxo? Assista e confira.


6 - "Frances Ha"
Primeiro, o óbvio que precisa ser reafirmado: Noah Baumbach é o sucessor legítimo de Woody Allen, um cara que tem prazer em retratar os meandros da vida urbana enquanto utiliza influências do cinema europeu. A fórmula aparentemente modesta vem sendo burilada há vários filmes e em "Frances Ha", alcança a perfeição. É um filme sobre duas amigas muito próximas, que querem tudo da vida, mas ainda estão aprendendo como conseguir. E essa busca, essa paixão por conseguir algo que se quer mas por um caminho ainda não delineado com exatidão é a matéria-prima de Baumbach e sua atriz protagonista e esposa, Greta Gerwig, defensora de uma personagem alegre, cheia de dúvidas e errante, mas com uma paixão que é difícil ignorar. "Frances Ha" é sobre as nossas vidas, e tem uma das melhores cenas do cinema nos últimos 10 anos: Frances correndo e dançando pelas ruas de Nova York ao som de "Modern Love", de David Bowie. Só os grandes alcançam esse grau de despojamento em tão pouco tempo. Sem falar que o diretor vê graciosidade na mulher moderna, o que já não acontece mais com o seu mentor cinematográfico. O que nos leva a....

5 - "Blue Jasmine" (Blue Jasmine, EUA, 2013, 98 min.)
....Woody Allen meus amigos! Nenhuma novidade: mais um filme brilhante. É impressionante como conforme a idade avança, Woody vai ficando cada vez mais mordaz e desesperançoso sobre relacionamentos, sobre o amor, sobre confiança. Ao mesmo tempo seu olhar é generoso, mesmo que a personagem em questão, Jasmine (defendida com perfeição por Cate Blanchett), não inspire nada além de desprezo: uma socialite em desgraça, que perde marido, filho e dinheiro, e vai terminar seus dias de infortúnio na casa da irmã (a brilhante Sally Hawkins, de "Simplesmente Feliz"), confrontando sua visão de mundo materialista e sonhadora com pé-rapados, losers que ela jamais gostaria de ver novamente. É desse choque de mundos que Allen faz uma investigação saborosa, revelando todos como farsantes, mesquinhos, mas paradoxalmente, dotados de humanidade. Não é um filme feliz, é um filme lúcido. Ainda bem. Mas é um roteiro brilhante, que se revela em camadas de flashbacks,e a direção de atores e o casting são impecáveis. É sobre desilusão, e nosso escritor/diretor fabuloso jamais foge ou atenua as consequências de uma vida desejada apenas pelas aparências. Por mais um ano consecutivo, que bravura de cinema.


4 - "Círculo de Fogo" (Pacific Rim, EUA, 2013, 131 min.)


Felizmente, "Círculo de Fogo" não precisa de desculpas. Não é minha paixão de infância falando mais alto, nem o 'evento nerd' que o hype elevou a categoria de fita maior. É um filme de arte de quase 200 milhões, é o projeto da vida do diretor Guillermo Del Toro, e é uma aventura arrasadora, que não nega nada ao seu público-alvo. Nem cabe falar sobre a trama do filme, afinal é auto-explicativo: são robôs gigantes que lutam contra monstros pelo futuro da humanidade. Se você acabou de ler isso que eu escrevi e não achou ridículo, por favor, assista: os tipos são recortes de animes (O General interpretado por Idris Elba vem em linha reta do outro General de "Akira"); a ação é acachapante, mas nunca incompreensível ou ininterrupta; e o desenvolvimento da história deve muito mais ao heroísmo dos filmes de John Ford do que aos robôzinhos 'aditivados' de Michael Bay. Não é original, e nem é esse o ponto: é sim uma matinê daquelas que todo moleque de 12 anos merecia ter, e felizmente o diretor Del Toro não tem problemas para conversar com sua 'criança interior'. Uma grande aventura que pode sim ser levada à sério, graças a sua direção atenta aos detalhes e a um elenco fantástico, que entendeu a proposta. Esse não é baseado em HQ: ele É a própria HQ. A não perder.



3 - "Gravidade" (Gravity, EUA, 2013, 90 min.)
Eu não serei louco em tentar descrever o que é essa verdadeira doideira do diretor Cuarón (que já tinha no bolso o espetacular "Children of Men"), porque á essa altura do campeonato eu espero que você leitor já tenha assistido essa pérola no cinema, de preferência no IMAX, ou na maior tela possível, com o melhor som. Não é uma afetação: é uma exigência para que se aproveite em totalidade esse drama sobre uma astronauta (Bullock) que se perde no espaço e...bom, vc já sabe, não sabe? O que me chamou mais a atenção nessa epopéia de 90 minutos além da perfeição técnica, é como Alfonso Cuarón fez um filme que fala sobre nossa pequenez, e a grandiosidade do nosso microcosmo de vida: apesar de parecermos formigas diante a imensidão assustadora do espeço, é o NOSSO olhar que valida tudo, e jornada não termina quando o próximo Big Bang varrer tudo. Termina quando nossos olhos se fecham...e além. Um grande pacote que une o maior filme de ficção científica dos últimos 10 anos e um drama pessoal intenso, nunca piegas, mas que afirma a vida em todos os sentidos. O 'Don't Let Go' do pôster faz muito, muito sentido.


2 - "Django Livre" (Django Unchained, EUA, 2012, 165 min.)
Quem me conhece ou acompanha esse blog sabe que eu já falei tudo sobre Quentin Tarantino e "Django Livre", e sabe também que o filme foi lançado nos Estados Unidos há exato um ano atrás, no dia de Natal em 2012. Mas foi lançado aqui na primeira semana de janeiro,e portanto, visto por esse humilde escriba em 2013. E quer saber? É inegável a força desse filme e como Tarantino evoluiu de um 'sabor da época', como era em 94 quando do lançamento de "Pulp Fiction" ('o cineasta dos 90', diziam os críticos), para um autor consagrado hoje, que trafega por diversos gêneros sempre sendo Tarantino. Desnecessário dizer mais, depois de sucesso mundial e aplauso da crítica. Mas quem foi ver "Django Livre" no cinema em janeiro desse ano sabe que esse diretor é mágico porque ele não pede intermediário. Ele é iconoclasta. Ele fala nos seus filmes sobre a paixão dele sobre filmes, e ele fala diretamente comigo, com você. Ele congraça, ele une jovens e idosos num mesmo cinema, rindo das mesmas piadas, por razões diferentes. E todos se emocionando em uníssono, porque convenhamos: o melhor do cinema é ir ao cinema, e Tarantino, assim como nós, sabe muito bem disso.


1 - "Azul é a Cor Mais Quente" (La Vie D'Adèle/Blue is The Warmest Color, FRA/BEL/SPA, 2013, 179 min.)
   Quem é Abdellatif Kechiche? Bom, antes desse aqui ele fez um filme estupendo chamado "O Segredo do Grão", e vá alugar, porque é fantástico. Eu vi em 2010, algo assim, e fiquei espantado porque claro, ele é da escola européia de privilegiar emoção e ambientação sobre enredo (á saber: ele é nascido na Tunísia, e tem 53 anos). Eu fiquei encantado com a intensidade, não, a voracidade com que ele filmava uma cena de reunião familiar em volta da mesa. As pessoas comiam e falavam com tanta autenticidade que parecia documental. Claro, pensei: é Gillo Pontecorvo e um aceno para Laurent Cantet, talvez? E eu segui em frente, e esse diretor/escritor/ator formidável seguiu em frente (consta outro filme chamado "Vênus Negra", ainda não vi), e no circuito de arte, de filmes em festivais, muitas vezes é possível ver um grande filme por um cineasta que depois desaparece e nunca mais se ouve falar....é algo muito comum até.

  Corte rápido para semana passada. Assisto uma sessão de "Azul é a Cor Mais Quente" e minhas emoções vão à extremos. Sem medo de errar, Kechiche fez um filme sobre a liberdade de amar e as consequências do amor real, e o resultado é um estouro. Léa Seydoux é atriz capaz de abarcar várias oitavas num breve olhar, jovem veterana que foi revelada num filme de Honoré ("A Pequena Junie"), e depois conquistou o mundo, trabalhando com Tarantino e Woody Allen. Virou estrela popular. Mas Adèle, a Adèle do filme, a Adèle real, Adèle Exarchopoulos, é essa quem vai entrar para a história. É com a câmera colada ao coração dessa revelação de atriz que somos convidados a testemunhar 'a' história de amor definitiva. Um arroubo de três horas que nunca perde o fôlego, um filme para sair nocauteado da sala de projeção, louco de paixão e com a fé renovada num cinema de arte que finalmente alcança as grandes massas e oferece algo substancioso de fato. O que diretor e atrizes oferecem em "Azul é a Cor Mais Quente" é a verdade.

 A paixão das garotas é autêntica e quebra qualquer discussão sobre homossexualismo, afastando moralistas de ocasião (que inclusive chiaram em Cannes, onde ganhou a Palma de Ouro) O sexo é cru, e explode em cenas belíssimas, intensas, longas e detalhadas. Elas não usam maquiagem e nada é coreografado. Não existe muleta na mise-en-scène de Kechiche. Quando choram, é pra valer. E assim esses personagens seguem, e eles comem com gosto, amam e se odeiam, fazem sexo e andam na rua, pintam quadros, leem poesia, vão á escola, discutem com os pais, com os colegas de classe...o gozo e a tristeza são reais, e durante três horas eu convivi com essa gente, eu estive dentro da cabeça delas, entendendo as deixas de uma para a outra, muito além dos cortes de cena. O diretor não te deixa testemunhar o filme de fora: você está DENTRO do relacionamento. E arrebata, é devastador.

  E se a experiência foi tão intensa, é porque a dita Grande Arte (assim, em maiúsculas) não existe de maneira hermética, para poucos: ela se concretiza colocando um espelho na cara da gente e revelando que sim, apesar de ser representação da vida, pode ser verdadeira e deve ser desfrutada de maneira livre. Esse é um filme cuja proposta é muito simples, mas não a execução e o resultado final. Reza a lenda que o diretor pediu às duas atrizes que lessem o roteiro apenas um vez e o esquecessem de súbito. Se isso é verdade, eu não consigo pensar em algo mais democrático do ponto de vista artístico e mais verdadeiro e condizente com os amores que vivemos na vida 'real': sabe-se o começo, meio e fim de todas as histórias, mas não a vida nos detalhes imprevisíveis, nas ações não-calculadas, no romance que brota daquilo que uns chamam de sorte, e outros de destino. "Azul é Cor Mais Quente" é um sonho adolescente que abraça todas essas possibilidades de amor num cinema vigoroso, que nos faz sair do cinema com vontade de viver, mesmo que o preço seja muito intenso quase sempre. E com tanto novelão por aí, não é melhor assim?

sábado, 14 de dezembro de 2013

Os 10 melhores discos de 2013

Eis que o Drive-In Saturday volta numa edição extraordinária comemorando não apenas o ano cinematográfico (detalhado na próxima postagem), mas uma belíssima temporada para as bolachinhas sonoras. Música acompanha tudo que a gente faz, e com 2013 chegando ao fim, vale a pena uma retrospectiva dos discos que foram a trilha sonora da minha vida - e espero, das suas - em bons e maus momentos. Como já dizia o grande Buddy Holly, "Rave on":

10 - The Black Angels, "Indigo Meadow"
                                

Direto do texas, o The Black Angels faz rock psicodélico encharcado em distorção e batidas tribais, que nos remetem à um Spacemen3 mais direto, ou aos momentos mais stoner e porque não dizer, ganchudos do saudoso Kyuss. Não importa. "Indigo Meadow" é o testemunho de mais uma banda saída do mesmo cenário de At The Drive-In, ...And You Will Know Us By The Trail Of Dead, QOTSA e tantas outras que sob o sol do deserto se encontram naquele momento fantástico da carreira onde desfrutam de liberdade para construir um disco rico em melodias e significados, sem se prender a expectativas mercadológicas ou sob a obrigação de criar um single arrasador. Aqui tudo é interessante, desde a faixa-título até o final arrasador com "Black isn't Black". Uma banda prestes a estourar nos seus próprios termos, com um som banhado em psicodelia sessentista, barulho alternativo dos anos 90 e a atemporal atitude 'não-dou-a-mínima-para-essa-bagaça' que, Deus abençõe, ainda serve de motor para toda boa banda de rock. Essa é uma delas.
                                   

9 - Kings Of Leon, "Mechanic Bull"
                             

Hoje pega bem detonar o KOL. Os argumentos; os mesmos: que são vendidos, o 'U2 caipira' e outras sandices. Mas em 2005, quando lançaram o perfeito "AKA Shake Heartbreaker" (Gravado quase totalmente ao vivo em estúdio, uma pérola rara), a banda dos Followill era a cereja mais desejada do bolo 'novo rock', do qual faziam parte Strokes, Franz Ferdinand, Killers e muitas outras. De lá para cá o Strokes ficou pelo caminho junto com o FF, ambos lançando discos fracos, e os matadores de Las Vegas seguiram estáveis, talvez entrando em hiato após o ótimo "Battle Born". Mas a grande banda americana de arena, que misturou influências de Thin Lizzy, CCR, U2 e abandonou o nicho indie para se tornar um gigante comercial, foi o Kings of Leon. Se a fórmula foi aguada passando pelos hits "Sex On Fire" e "Use Somebody" até uma parada estratégica em 2011 para controlar supostos abusos de substâncias lícitas e ilícitas pelo líder Caleb Followill, "Mechanical Bull" é o Kings Of Leon revitalizado, soando novamente cru e com fome ("Supersoaker", "Don't Matter, o balanço matador de "Family Tree"), sem deixar de lado seus lamentos épicos de estádio que afinal, foram os responsáveis por aumentar geometricamente seu público. "Beautiful War", "Wait For Me" e "Tonight" são honestas e melodiosas, sem parecer farofa como seus esforços anteriores. Este é o disco em que o KOL recupera sua verve de compor rock, e ainda tem a melhor canção da banda desde 2005, "Temple", que não faria feio em um Greatest Hits do Creedence Clearwater Revival. E isso é um baita elogio.
                                     

8 - Johnny Marr, "The Messenger"
                             
   Sem medo de ofender o bardo britânico: os Smiths devem muito do seu poder de fogo à genialidade de Johnny Marr. O homem que nos anos 80 embalou a angústia de Morrissey em melodias inovadoras e influenciou com seu estilo inovador de tocar toda uma geração de moleques célebres como Noel Gallagher andava perdido entre tentativas bem-intencionadas como o Healers (que contava com o grande Zak Starkey na bateria),e ansioso para dialogar com a nova geração (vide sua participação como guitarrista do Modest Mouse). Demorou quase 20 anos para que Johnny Marr encontrasse a resposta: solo, com uma respeitosa banda de apoio, seu debut "The Messenger" é um tesouro valioso para quem encontrou na Inglaterra a solução para o rock moderno. Aqui nada passa batido. Passando pela fúria do The Jam, revisitando suas melodias inesquecíveis nos Smiths, reconhecendo o espírito de Manchester evocado pelos irmãos Gallagher em "Definitely Maybe" e chegando ao novo rock dos anos 2000, Marr fez mais do mesmo. E que 'mesmo' celestial: a faixa-título é uma explosão de guitarra e melancolia como há muito não se via, e as lindas "Lockdown", "European Me" e "New Town Velocity" nos fazem torcer não por uma volta do Smiths, mas sim pelo próximo disco de Johnny Marr. Um estupendo retorno.


7 - Soviet Soviet, "Fate"
                             

 Essa foi de última hora. Indicado pelo midas da música independente Renato Maliza no brilhante The Blog That Celebrates Itself e confirmado por meu amigo e agitador cultural Mateus de Oliveira Fernandes, o Soviet Soviet é uma banda italiana formada em 2008 que tecnicamente toca pós-punk com influências que vão do Bauhaus ao contemporâneo Placebo passando pelos obrigatórios Wire e Joy Division. Mas isso tudo vai embora quando seu extraordinário disco de estréia, "Fate", começa a tocar. O Soviet Soviet lançou um punhado de EPs antes desse, mas é aqui que a produção encontra uma banda tocando com urgência. Um som seco, intenso, emocionante. Ainda estou ouvindo muito, mas arrisco dizer que está há anos-luz da estréia do Interpol. Descartando as comparações, o que fica são as guitarras imersas em efeitos, a cozinha espetacular e o vocal absolutamente sensacional de Alessandro Constantini, que soa violento e angustiado como Brian Molko no início do Placebo. Definitvamente, uma banda muito promissora, para não se perder de vista.
                                         


6 - Beady Eye, "BE"

  Saído das cinzas do Oasis, o Beady Eye realiza nesse segundo álbum o potencial sugerido na estréia "Different Gear, Still Speeding" em 2010. Desta vez produzidos por Dave Sitek (Tv On The Radio, Yeah Yeah Yeahs), a banda surge competente e mais focada que nunca, afinal estamos falando de Gem Archer (que tocava uma senhora guitarra no Heavy Stereo, antes ainda do Oasis), Andy Bell (dispensa apresentações pelo Ride, seminal banda shoegazer), Chris Sharrock evocando os floreios de Keith Moon na bateria sempre bem tocada e o capitão do bando, o genial e genioso Liam Gallagher, que aqui registra seus melhores vocais em muito, muito tempo. Com uma riqueza melódica impressionante, é um disco que tem vida fora da sombra gigante do Oasis. Mais importante: canções perfeitas, lapidadas, inesperadas. Se "Flick Of The Finger" nos faz imaginar que estamos de volta ao reinado dos irmãos Gallagher em 1995, "Soul Love", "Shine A Light" e "Start Anew" apontam um caminho que o Beady Eye já indicava no disco anterior - lamentos épicos e paradisíacos, quase progressivos, remetendo aos dias iniciais do saudoso The Verve. "I'm Just Saying" pede por um estádio, mas nada me preparou para a inspiração de "Iz Rite". Em pouco mais de 4 minutos, Liam e cia. passeiam por uma melodia sinuosa, que lembra muito mais a brilhante Electric Light Orchestra de Jeff Lynne que Beatles, e mostram que revisitar o passado não é fazer pastiche. Assim como nos tempos de Oasis, basta um caminhão de boas canções. E desta vez, uma embalagem de luxo na figura de Dave Sitek para melhorar o que já era bom. Noel, agora é sua vez.    



5 - The National, "Trouble Will Find Me"
The National é singular: uma banda compondo sobre momentos da vida que a maioria das bandas de rock não se interessam em retratar.Os personagens das canções tem vidas comuns, fazem sexo desinteressante, enchem a cara depois do trabalho e mentem o tempo todo. Durante isso, anseiam por uma vida melhor, mas estão presos a rotina excruciante de uma vida sem maiores pretensões. O National transforma esse torvelinho de emoções em música maravilhosa desde sua estréia em 2003, "Sad Songs for Dirty Lovers". "Trouble Will Find Me" é a perfeição desse som forjado pela banda, que conta com os irmãos Aaron e Bryce Dessner nas guitarras, Bryan e Scott Devendorf na seção rítmica arrepiante e o vocal barítono de Matt Berlinger. Todo disco do National é uma experiência que dialoga com as suas experiências, e nesse aqui dá para dizer que eles procuram por algum tipo de iluminação. Os contos continuam sendo sobre desvios da alma, mas curiosamente a moldura sonora encontrada pela banda desta vez é arrebatadora e catártica. Os singles são "Sea Of Love" e "Don't Swallow The Cap", óbvias e lindas contendo toda a melancolia que o grupo é capaz de injetar. Mas quando se despe da grandiosidade em canções simples como "Fireproof" e "I Need My Girl", o National mostra que virou gente grande, capaz de arrebatar quem um dia se emocionou com "Street Spirit (Fade in Out)", do Radiohead.



4 - Arctic Monkeys, "AM"
Sinceramente, os saltos ornamentais do Arctic Monkeys não me surpreendem mais. Desde a estréia arrebatadora em 2006 com o best-seller "Whatever People Say That I Am, That's What I'm Not", aqui estava, enfim, a banda que a Inglaterra estava nos devendo desde o surgimento do Oasis. Não foram os Libertines nem o Razorlight. Couberam aos Monkeys o título de 'a' banda de uma certa geração, para quem todas as letras incríveis de Alex Turner fazem todo o sentido do mundo, assim como a cruza de estilos que vão desde o rock inglês mais ortodoxo até o hip-hop americano, passando pelo Stoner Rock (com o aval do dono da parada, Josh Homme) e chegando a uma sutileza inédita, coisa de Nick Cave. Se essa mistura dava sinais de que precisava mudar nos álbuns anteriores, em "AM" os garotos de Sheffield conseguiram. Um repertório absurdo de bom, músicos aplicados nos grooves,e Alex Turner, finalmente surgindo como o grande crooner, um moleque genial que aplica doses de Elvis, Morrissey, Josh Homme e Dr.Dre em doses cavalares e principal, tem humor e auto-crítica. Esse disco eleva o Arctic Monkeys ao patamar de banda mais importante do Reino Unido hoje. Nem vale ressaltar uma ou outra canção pois o álbum completo é uniformemente bom. Dá uma curiosidade de saber o que vem a seguir, e só grandes bandas despertam essa curiosidade. Agora é a hora dos Arctic Monkeys.



3 - Arcade Fire, "Reflektor"
     Se a genialidade do Arcade Fire já era latente para mim pelos dois primeiros discos e um show que foi o melhor da noite no Tim Festival de 2005, o terceiro disco, "The Suburbs"(2010), serviu para consolidar essa impressão e deixar a ansiedade no alto para o próximo passo da banda. E que certeiro: "Reflektor" é uma ousadia, um disco duplo delirante dos canadenses que contém todo o DNA da banda enquanto aponta para um caminho mais dançante e influenciado pelo ritmo, cortesia do pai do LCD Soundsystem e da DFA Records aqui fazendo as vezes de produtor, James Murphy. A faixa-título é um dos singles do ano, e aqui se trata de destacar uma leva de canções que funcionam melhor integradas, ouvidas na ordem. Sem dúvida uma ousadia da banda propor esse caminho reverso, de construir um álbum coeso para ser ouvido completo, sem interrupções. O Arcade Fire está seguindo os mesmos passos do Radiohead em "Kid A" e antes o U2 em "Achtung Baby". Está pedindo ao fã atenção redobrada em tempos que a atenção é dividida e quase ninguém mais escuta um disco inteiro. Mas a força de "Reflektor" é inegável, e o tempo vai dizer se a aposta pagou o esperado.



2 - David Bowie, "The Next Day"
Pense rápido: qual artista de rock aos 66 anos, anuncia disco de um dia para o outro, pega todo o mundo da música de surpresa e principal: retorna com algo que é bom de doer, bom de dar inveja, extraordinariamente bom? Amigos, inegável: a grande história de 2013 é a volta de Bowie com "The Next Day", seu melhor disco em 30 anos de carreira. Mais precisamente, desde "Let's Dance" de 1983! Tony Visconti voltou a produzir e mais, tocando aquela guitarra sensacional. Bowie passou dois anos trabalhando no álbum secretamente. Quando anunciou o retorno, ninguém sabia o que esperar. As canções são arrebatadoras, sem dúvida merecendo figurar ao lado das grandes canções de sua carreira. "Valentine's day", "The Next Day", "Where Are We Now?", "Love is Lost". Mas é em "The Stars (Are Out Tonight)" que o gênio brilha mais forte: um estudo fascinante sobre a nossa fascinação pelos ídolos da arte, e sobre como a arte alimenta e destrói nossos sonhos. Como disse outro ilustre sonhador, Noel Gallagher: 'Ninguém tem direito de ser tão bom assim á essa altura do campeonato." Bowie conseguiu. Estamos aqui no aguardo da próxima proeza. "The Next Day" nasceu clássico.



1 - Queens Of The Stone Age, "...Like Clockwork"
Duas coisas distintas: uma é você TORCER para uma banda que no fundo você SABE que não trará mais nada de novo, que serve apenas para alimentar sua idolatria. Idolatria não se contesta. Os exemplos eu não preciso citar. Todo mundo sabe o que é, que bandas são.


Mas vou te contar: quando você já é torcedor duma banda e a danada ainda por cima não te faz passar vergonha, muito pelo contrário, faz gol atrás de gol...meu amigo, essa é uma das maiores sensações que um artista pode proporcionar ao seu público seleto.



Eu torço para o QOTSA desde 1999. Foi quando comprei numa loja que hoje não existe mais, em Ribeirão Preto, o primeiro álbum da banda. Lembro que o vendedor me deixou abrir o plástico e escutar no fone de ouvido caso eu decidisse levar. Quando chegou no riff da terceira faixa, "If Only", eu tirei o fone de ouvido e fui até o caixa pagar. Encontrei o que eu procurava. Corri para casa e ali estava uma banda 'daquelas', que eu cuidei de doutrinar amigos e ouvir incessantemente, acompanhar cada passo.


Das bandas na ativa hoje, passados quase 15 anos, o Queens Of The Stone Age é minha banda favorita. Lançou discos que marcaram minha vida, que eu escutei e escuto até hoje. Josh Homme é o cabeça da coisa toda e ainda tem tempo para alternar o Queens com outros projetos incríveis, onde ele sempre dá um jeito de enfiar sua 'visão de mundo' única, inusitada. E a guitarra. Eu acho o melhor guitarrista de todos, disparado. É meu favorito. Ele tem também um senso de humor muito afinado com o que eu tenho, e mais: uma disposição de sempre ir contra a corrente, de nunca cair no clichê de 'roqueiro-decadente-ei-eu-quero-seu-dinheiro'.

Quando eu vi a banda ao vivo em 2010, no SWU, eles eram tudo que eu pensei que fossem. Focados em tocar da melhor maneira possível, secos, impetuosos. Mas tudo também muito divertido, afinal, isso é rock, folks.

E seja ouvindo Kyuss e o fundamental "Blues For The Red Sun" ou o Them Crooked Vultures, ou The Desert Sessions, e sempre escavando detalhes nos seus cinco discos, eu segui escutando o QOTSA fielmente. Porque o som deles tem uma espécie de espírito de gente que não se consegue domar. Uma coisa de fincar o pé no que se quer e não desistir.

Novamente os vi tocar em abril deste ano no Lollapalooza, e a coisa foi mais transcendental ainda: Josh Homme entrou com uma bandeira brasileira substituída no globo do mundo pelo logo do QOTSA. Enrolada no seu corpo. Aquilo foi transmitido nos telões enquanto a banda entrava. Pode falar o que quiser, porque afinal como eu disse, idolatria não se discute, mas olha amigo....foi um momento daqueles que fica tatuado no córtex. E o show foi ainda melhor que o de 2010. Melhor musicalmente, uma energia absurda. O melhor som do festival e o melhor show com certeza. E mais uma vez lá estava o QOTSA renovando minha carteirinha de fã doente.

"...Like Clockwork" veio depois, e desde então eu não consigo pensar num disco lançado nos últimos 10 anos com um som mais perfeito, com uma sequência tão matadora de canções e principalmente, uma variedade de sentimentos que a música passa difícil de ignorar. Homme compôs a obra logo após uma cirurgia no joelho crítica, em que foi dado como morto na mesa de operação. Sobreviveu, e passou por um período de reabilitação.

Esse sentimento de incerteza perpassa todo o disco. Em algumas como "Kalopsia", é como se o som existisse num limbo onde o narrador se encontra, prestes a deixar este mundo. Funciona.

Em outras como "I Sat By The Ocean", "Smooth Sailing" e "My God Is The Sun", Homme afirma sua sobrevivência e desafia o status quo, desafia as autoridades. Dá certo também. São canções vibrantes, sensuais, cuja essência evoca os extremos mais hedonistas da vida. Tema recorrente nas letras do compositor.

Mas no final é que fica tudo claro: juntinhas, "I Appear Missing " e "Like Clockwork" são o cartão postal realizado da destruição, duas obras-primas em que Homme questiona a validade da vida e do amor. Como grande artista que é, não oferece respostas. Musicalmente, eu não consigo pensar em nada mais brilhante feito por ele ou outro artista nos últimos tempos.

Existe um solo em "I Appear Missing", e como uma fênix surgida das cinzas, ele aparece aos exatos 04:19 e se estende pelo resto da canção até se juntar com outras guitarras que repetem o mantra melódico transformando tudo num caleidoscópio sonoro de arrepiar. Homme passeia por esse transe sonoro declamando, enfático:

"Don't cry/ With my toes on the edge it's such a lovely view
 Don't cry/ I never loved anything until i loved you
 Inside/ I'm over the edge what can i do?
 Shine....I've fallen through"

É como se o narrador pudesse por um breve instante contemplar o fim chegando enquanto decide dedicar o melhor de si para a pessoa que ama. Mas num último lampejo de egoísmo, volta atrás e escolhe afirmar a vida sendo individualmente a pessoa que sempre quis ser. Ele cai em desgraça. Esse individualismo é outro tema recorrente do QOTSA .

A última faixa, "Like Clockwork", se estende com uma melodia inédita para os padrões da banda e soa como um epílogo em que o personagem abraça o amor, sobrevive e proclama com sarcasmo: "It's all downhill from here", uma maneira sutil de dizer que a glória passou, e a maldição mesmo neste mundo
seria seguir adiante.

Eu duvido que daqui em diante tudo será ladeira abaixo para o Queens Of The Stone Age. É apenas um desajeitado adeus para uma fase vitoriosa que durou tempo demais. A banda no volante sabe que o caminho é sinuoso e não tem medo do que vem pela frente, pisa forte no acelerador. O que Josh Homme ganhou para si em "Like Clockwork" é uma profundidade emocional inesperada, adicionando ainda mais camadas para o som do Queens.

Um estranho disco Nº1, uma chegada ao topo como só poderia ser em se tratando desses caras. Não sei o que virá depois disso. Mas não é sempre que se vê uma banda com tanta força chegar no mainstream, mantendo o auge criativo durante quase 15 anos. Bom, como eu disse no início, sou torcedor. Se você discorda, vá até uma loja de discos, encontre as bandas de sua vida e lembre-se bem disso.




            

domingo, 22 de setembro de 2013

Bruce Springsteen: O Último Concerto de Rock

Na última quarta estive no Espaço das Américas, casa de shows localizada na Barra Funda, em São Paulo, para assistir ao show de Bruce Springsteen e a E Street Band. Eles voltaram à América do Sul após um hiato de 25 anos. A única pista do quão grandioso o espetáculo poderia ser foram duas décadas acompanhando os discos, dvds, bootlegs de shows e mais recentemente vídeos profissionais ou amadores que captavam, ou ao menos tentaram traduzir a grandiosidade dessa "Wrecking Ball Tour", que desde já é a mais extensa do artista norte-americano.

Nada poderia me preparar para o que vi e ouvi na noite de 18 de Setembro. Abençoado dia em que assisti o melhor concerto de rock de toda a minha vida.

Outros shows com certeza virão, mas em pouco mais de dez minutos de Bruce e banda no palco, eu tive a certeza que aquilo sim é uma banda real tocando, uma banda que recebe a energia do público e devolve a empolgação. Uma banda que não apenas encena, mas reage, dialoga, complementa. Que joga o jogo com maestria. Que entrega a conexão REAL que eu sempre procurei e até então nunca havia encontrado num show de rock. Uma banda verdadeira, pessoas tocando música verdadeira como se não houvesse amanhã.

E meus amigos, se ver é acreditar, então eu lhes digo: não há nada parecido com a experiência de ver Bruce Springsteen e a E Street Band ao vivo. Eu poderia passar o dia aqui elogiando o repertório inacreditável e musicalidade, o grau de entrega absurdo. Mas o que eu vi foi trabalho prazeroso, o resultado de muito, muito trabalho e vontade. Desde a abertura transcendental com 'Sociedade Alternativa' (sim, a canção de Raul Seixas num arranjo de metais soberbo e definitivo, o maior tributo a um roqueiro brasileiro feito por um músico estrangeiro em muito tempo), até o encerramento solitário com 'This Hard Land' (e a estrofe final que não sai da minha cabeça: 'Stay hard, Stay Hungry, Stay Alive...If you can...and meet me in a dream of this Hard Land'), Springsteen trabalhou, suou, cantou como ninguém, estraçalhou sua clássica guitarra Telecaster. Comandou banda e público numa missa pagã, celebração dos sonhos mais fetichistas do rock'n'roll, uma sequência de canções tão devastadora que transportou o Espaço das Américas para um grande boteco 'honky tonk' em algum canto perdido da América, onde numa quarta à noite após um dia cansativo de trabalho, escravos e patrões podem se reunir e deixar as desavenças de lado para declarar à plenos pulmões a máxima proferida pelo Boss ao final de 'Shout', cover magistral do Isley Brothers: 'I'M A PRISONER OF ROCK 'N'ROLL!'

Eu não sou iniciante nisso, na cultura rica do rock'n'roll, meus amigos. Talvez a maior cultura de massa surgida a partir da segunda metade do século 20. Bruce Springsteen não é normal. Porque a proposta dele, de início derivativa de outros artistas como Dylan, Guthrie, Hank Williams e os Stones, se transforma em uma coisa completamente nova e estonteante quando toma vida naquela que é sua casa: o palco. É como se por algumas horas ele fosse dono de nossas memórias afetivas mais íntimas e num golpe mágico e catártico, usasse essas mesmas lembranças à favor da sua música, aquela que ouvimos há tanto tempo. Mas agora, ao vivo, amplificada e com seu impacto multiplicado por dez, graças à performance arrasadora, que parece exceder qualquer limite, e graças também à memória afetiva do fã, ele liga aquele conjunto de canções, ou aquele solo, ou aquela frase, a um momento específico de SUA vida.

Pode ser um pai que se foi, um divórcio dilacerante, uma noite de amor inesquecível, ou apenas uma noite de sábado bêbado num quarto, onde milhares de moleques sonham em ser estrelas do rock enquanto descobrem o quão fundo é a toca dos desejos e decepções da vida adulta, tudo isso embalado em muito air guitar e leitura detalhada de letras em inglês nos encartes de vinil empoeirados que expõem os sonhos de Springsteen, e os nossos sonhos.

E quando todos estes ingredientes se juntam ao vivo, a bomba nuclear explode, e meus caros, ela explodiu gloriosamente. Vi ontem pela televisão o show no Rock in Rio e foi igualmente espetacular, mas quem estava lá em São Paulo SABE o quão único foi aquele momento.

Eu espero sinceramente que Bruce Springsteen volte, e que toque música com a mesma paixão que eu e muitos presenciaram, mas tem coisas que acontecem apenas uma única vez na vida, e reconhecer isso significa reconhecer nossa própria mortalidade, o vislumbre de que tudo tem um final concreto, um clímax que amarra todas as pontas soltas, que dá novo sentido a nossa vida e nos faz ver coisas que antes ignorávamos.

Mas Bruce prova que esse clímax, essa vontade de vida que não para e está em cada segundo de suas canções, pode durar dias, meses, anos. Uma vida inteira de paixão, de dedicação. De tempos ruins que vem e vão, de vitórias e derrotas que constroem uma vida completa.

Eu tive essa visão numa quarta-feira a noite,e Bruce Springsteen me mostrou isso. Então não vou dizer adeus a ele. Direi adeus a mim. E como ele me ensinou, devo seguir em frente após o seu glorioso Último Concerto de Rock.


sábado, 23 de fevereiro de 2013

De que vale o Oscar para o Cinema?

....e eis que chega aquela época do ano em que todo mundo entende de cinema! É tempo de Oscar! É brega, é injusto, todo mundo diz que não liga mas, no final das contas, fica doido para assistir os indicados e vencedores, os perdedores e os subestimados. Entra ano sai ano, sempre haverá para cada 'Um Estranho no Ninho' um 'Shakespeare Apaixonado', para cada Jack Nicholson um Roberto Benigni subindo nas poltronas e por aí vai.

   Mas é uma festa da convenção: vale o 'tema' do ano, o 'zeitgeist' do momento. E isso vai ao largo de qual filme realmente presta. Nunca esqueço uma entrevista em que Woody Allen diz que jamais poderá acreditar em Oscar (ele próprio vencedor por Annie Hall), porque não é uma competição como atletismo, em que você efetivamente vê o vencedor cruzando a linha de chegada. Morro de rir pensando nisso. E no campo artístico, quem pode dizer o que é melhor que o que? É tudo questão de semântica, diria o pensador.

Visto assim, e só assim, o Oscar é sim, importante para o cinema não só americano, mas para o interesse mundial por cinema, nem que seja começando com um interesse pelo cinema estadunidense e eventualmente evoluindo para uma opção por outras cinematografias, ao gosto do freguês.

Se um desavisado que raramente vê filmes assistir apenas a essa seleção de nove filmes escolhidos pela Academia esse ano, tenho que dizer: ao menos, ele estará em boas mãos. Tirando as esnobadas assassinas (O Mestre, veja crítica no post anterior e assista esse grande filme pelamordedeus), a seleção de 2013 foi um mistura decentíssima de bons filmes com grandes filmes. Nada ficou sobrando; é tudo digno ao menos.

Argo, de Ben Affleck, é um ótimo suspense com trama baseada em fatos históricos, e até o momento pinta como favorito. É um thriller em que o papel de Hollywood é exaltado num contexto político, e isso aliado à cada vez maior habilidade de Affleck atrás das câmeras com certeza atraiu a atenção dos votantes da academia. Um filme tenso e honesto, de storytelling direto, como os acadêmicos gostam. Um ótimo filme.

A Hora Mais Escura, filme de Kathryn Bigelow sobre o caçada humana a Osama Bin Laden é uma fita difícil e emocionalmente fechada, quase o oposto do seu vencedor de Oscar anterior, The Hurt Locker.
Mas tem uma performance poderosa de Jessica Chastain e um meia hora final de trincar o maxilar. No máximo foi lembrado pelo tema relevante e pela atriz. Bigelow não é genial, mas tem seus momentos na condução da tensão e no retrato imparcial, na medida do possível, dos acontecimentos pós-11 de Setembro.

Os Miseráveis, adaptação musical do romance de Victor Hugo, é uma fita digna, mas é impossível segurar a impressão de que o diretor Tom Hooper é um embuste...eu penso isso desde sua vitória pelo superestimado O Discurso Do Rei, mas acho que agora fica claro para um grande público que se trata de um diretor limitado, correto porém medíocre, conduzindo um elenco excepcional (Russell Crowe não sabe cantar, Hugh Jackman competente, a sempre linda e talentosa Anne Hathaway) num filme que nunca alcança a grandiosidade, mas que vale a sessão. Fica apenas um senão: academicismo demais estraga até a mais reverente das obras...é preciso renovar a linguagem para se comunicar com o grande público.

Lincoln é o triunfo de um Steven Spielberg solene, pretensioso, emocionado mas não emocionante e, principalmente, tecnicamente perfeito. Desde a reconstrução de época irretocável e discreta (o filme passa-se quase todo dentro de gabinetes, não há praticamente cenas de guerra), passando pelo roteiro equilibrado de Tony Kushner e culminando na atuação e caracterização soberba de Daniel Day-Lewis, a sensação que fica ao final é de um filme que cumpre seu objetivo entregando ao público uma fatia histórica satisfatória (no caso, a votação da emenda que levou ao fim da escravidão a ao posterior final da Guerra Civil nos EUA), embalada pela direção competente de Spielberg e um show de atuação de Day-Lewis e veteranos como David Strathairn, e principalmente o fabuloso Tommy Lee Jones como o abolicionista Thaddeus Stevens. Não sei se Lincoln é um filme que irá melhorar ou piorar numa revisão, mas por agora, achei imensamente satisfatório.

Indomável Sonhadora (no original, Beasts of Southern Wild), é um aceno da academia para um cinema independente e preocupado com causas sociais. A história de uma garotinha ( a estreante mais jovem á ser indicada a um Oscar, a pequena Quvenzhané Wallis) que vive num mundo próprio junto ao seu pai , rodeada por uma Nova Orleans devastada pós-furacão Katrina, tem na sua indicação a melhor filme seu maior elogio. Ponto para a Academia pela indicação do filme, pois mesmo que não ganhe prêmios, já terá a oportunidade merecida de alcançar um público maior. Uma bem vinda mistura de realismo fantástico com denúncia social, marca a estréia de Behn Zeitlin na direção. Merece ser descoberto.

E muito bem-vinda é a volta do eclético diretor chinês Ang Lee à direção com um belíssimo filme, As Aventuras de Pi. Uma aventura com tons filosóficos baseada na obra de Yann Martel, Pi é um obra de imenso poder estético, e junto com Hugo Cabret de Scorsese é uma das únicas a explorar corretamente o potencial do 3D no cinema moderno. Se ganhar prêmios técnicos, será merecidíssimo. Mas não creio que a Academia se dobrará ao sucesso mundial desse diretor que já fez obras tão díspares quanto O Tigre e O Dragão, Brokeback Mountain, Tempestade de Gelo e Hulk. Fica a curiosidade em saber qual será o próximo passo do sempre competente Ang Lee.

Outro grande destaque entre os indicados, e possivelmente o melhor filme entre os concorrentes, é Amor, do diretor austríaco Michael Haneke. Conhecido por filmes espetaculares e difíceis como a Professora de Piano, Violência Gratuita e A Fita Branca, aqui Haneke conta a derradeira história de vida e morte de um casal apaixonado encarando a velhice, o último desafio do amor consumado, da memória afetiva, da vida à dois. Uma obra-prima difícil de se esquecer, graças às performances superiores de Emmanuelle Riva (Indicada a Melhor Atriz) e Jean-Louis Tringnant. E um triunfo de Haneke, que finalmente vê seu cinema sendo reconhecido mundialmente fora do circuito de Cannes, onde sempre foi premiado.

Mas se a conversa é sobre palpite e favoritismo, a despeito da qualidade de cada filme, meus dois favoritos são O Lado Bom da Vida e Django Livre, ambos produzidos pelo über-midas de Hollywood Harvey Weinstein, que desde os anos 90 com sua Miramax consegue emplacar Oscar após Oscar suas produções. O Lado Bom da Vida é uma comédia dramática com toques setentistas como há muito não se via...algo na linha de Melhor é Impossível ou Um Estranho no Ninho...um filme cuja força reside no elenco afiado e na direção humanista e discreta de David O. Russell, autor de grandes obras como Três Reis, O Vencedor e Huckabees.

 E Django Livre, como todo mundo já sabe, é mais uma obra de Quentin Tarantino destinada à grandiosidade. Um Western Spaghetti (ou Southern, como bem disse o escritor/diretor) com todas as marcas registradas de Tarantino: roteiro perfeito, grandes momentos de ação e um senso épico grandiloquente como  há muito não víamos numa sala de cinema. Se a prova de autenticidade for a prova da sala de cinema, então Django deveria ser o grande vencedor: em todas as sessões que compareci, a platéia reage ao filme extasiada, e sai com a sensação de refeição completa, coisa que só os grandes filmes são capazes de proporcionar. Muito provavelmente Django não levará muitos prêmios, mas é meu filme predileto entre os concorrentes. E só a alegria de ver entre os indicados um filme cheio de vida, da autoria de um transgressor como Quentin Tarantino, já vale a festa.

Se você gosta ou não de Oscar, isso é outra história, e plenamente justificável. Mas se você gosta de cinema, uma safra variada e cheia de qualidades como essa não pode passar batida. Sem medo de parecer político, mas nós cinéfilos, dessa vez, somos os vencedores.    

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Duro de Matar: Um Bom Dia Para Morrer (A Good Day to Die Hard, dir. John Moore, EUA, 2013, 97 min.)

 E aqui estou eu, meus amigos, após uma sessão de Duro de Matar - Um Bom Dia Para Morrer. Tenho boas e más notícias...as boas são que o filme tem ritmo ininterrupto, ótimas sequências de ação, e o velho John McClane está sim de volta, bem melhor do que eu previa. Bem superior ao episódio anterior. As más notícias, bem....está longe de ser um filme perfeito; tem falhas graves, gravíssimas. Mas é uma fita perfeitamente passável e afinal de contas, é um filme honesto da série Duro de Matar ao menos.

O plot é muito simples e insere na mitologia da série o filho de John McClane, Jack, que está na Rússia trabalhando para a CIA como um infiltrado. Cabe a ele escoltar um preso político( Sebastian Koch, de A Vida dos Outros), inimigo do governo, para fora do país, onde este revelará um dossiê que colocará em xeque todo o esquema político vigente, segredos que remontam até ao acidente nuclear em Chernobyl. McClane, nos EUA, recebe a notícia de que esse filho-problema foi preso (na verdade um estratagema para retirar o preso político da prisão e do tribunal onde será julgado), e vai à Russia num misto de curiosidade sobre o filho e viagem de férias. Sem mais, nosso azarão favorito é pego no meio de um incidente que vai levá-lo para mais uma saga de sangue, suor e bala, muita bala.

 A relação entre McClane e seu filho é apenas esboçada, porque esse é um filme relativamente curto, (97 min.) que dispensa recordatórios e apresentações. A ação se desenrola desde o primeiro frame, e não há muito espaço para desenvolvimento de personagens. Seja como for, nesse filme Bruce Willis faz um McClane muito mais afinado com os filmes iniciais da série, bem-humorado e com soluções insanas para sequências virtualmente inescapáveis de ação. Isso foi muito acertado. Apesar de ser um McClane mais durão e invencível, ainda é aquele mesmo personagem dos filmes iniciais, e isso foi acertado. O tom do filme tem muito mais à ver com Duro de Matar do que o filme anterior.

 Infelizmente no início do filme Willis praticamente corre atrás da trama, tentando se inserir no contexto do que está acontecendo. Da metade em diante., toma as rédeas e passa a interferir diretamente na ação. O roteiro de Skip Woods é prodígio em criar grandes cenas de ação, mas fraco em reviravoltas. Não vai muito além disso. O que fica é o talento do diretor John Moore em armar junto com sua segunda unidade grandes cenas de ação, que desde já entram para o cânone das grandes sequências da série.

  E isso é Duro de Matar - Um Bom Dia Para Morrer, um filme de ação com alguns grandes momentos que procura respeitar como pode o estilo e a mitologia da série, mas que aqui e ali tomba graças à um roteiro simplório e a própria percepção do público moderno do que deve ser um filme de ação. A grande verdade é que McClane ainda é ardiloso e luta contra a overdose de CGI e coadjuvantes fracos que lhe empurram a cada filme. Mas é sempre satisfatório vê-lo superando esses problemas e quem sabe, pronto para mais uma aventura. Se esse é o James Bond de New Jersey, ele pode e deve sempre voltar. Yippee Ki Yay, pessoal. E no final ainda com 'Doom and Gloom', a nova canção dos Stones. Poxa, nem dá pra reclamar. Até a próxima, McClane.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Duro de Matar 4 (Live Free or Die Hard, dir. Len Wiseman, EUA, 2007, 124 min.)

Quase doze anos após o terceiro, Duro de Matar 4 viria para estragar o legado da série. Apesar de sucesso de bilheteria e curiosamente de crítica, qualquer fã da série sabe apontar que esse é um filme com um objetivo claro: faturar em cima da franquia com uma obra burocrática ainda que decente, em que todas as características reconhecíveis da série foram apagadas em favor de 'reimaginar para uma nova geração' (como eu odeio isso) um 'novo conceito' (odeio mais ainda isso) sobre Duro de Matar.

 O triste é pensar PORQUE um estúdio como a Fox desrespeitou tanto as convenções da série e COMO Bruce Willis topou uma roubada dessa. Mas enfim. Vamos aos detalhes sangrentos.

No interim entre Duro de Matar - A Vingança e este Duro de Matar 4 o mundo mudou bastante. Principalmente as comunicações, notadamente a internet, e os sistemas de segurança após o 11 de Setembro. Jamais McClane teria de correr a um telefone público, ou terrorismo seria a desculpa para um grande roubo. Em certo momento é dito a McClane: "Você é um relógio Timex numa era digital.", e isso é verdade. Ainda assim é uma metáfora idiota, já que a Timex faz relógios digitais há décadas. Mas um sentimento é válido: teria McClane se tornado uma relíquia? Essa questão jamais é respondida porque o filme é fraco, Willis está claramente no piloto automático e graças a uma censura mais branda, toda a violência, o humor negro e a ousadia de Duro de Matar se foram em troca de um filminho de ação coalhado de CGI e seguro para a família toda se divertir. Yippee Kay Yay!

 Desta vez, o policial precisa proteger um hacker (Justin Long, um péééssimo sidekick para McClane, que aliás NÃO precisa de sidekicks...a química entre os dois não rende UMA piada decente em duas horas de filme. Pense nisso.) que pode ajudar os Estados Unidos - o feriado de 4 de julho está aí e um grupo terrorista cibernético atacou as redes de comunicação do país, gerando um colapso nacional nos sistemas do governo. A suposta devastação da Casa Branca e a reversão do dinheiro do seguro social de todos os trabalhadores do país para uma conta privada estão entre as muitas ameaças que McClane vai tentar impedir.

 Aliás, tentar não. Nesse filme infelizmente testemunhamos a transformação de John McClane numa entidade praticamente indestrutível, num super-homem que vocifera frases de efeito e não perde uma briga. Isso não é a essência do personagem, isso é uma paródia de todos os heróis de ação que Willis interpretou durante sua carreira. Devo dizer que o McClane real, aquele dos filmes anteriores, vulnerável e sempre com um plano absurdo, sempre comendo pelas beiradas, desacreditado pela polícia e pela família, não dá as caras aqui. Aliás, apenas no começo do filme vemos a interação dele com sua filha, Lucy Gennaro (Mary Elisabeth Winstead, linda e mal-aproveitada), e aí dá realmente a impressão de que vai ser um filme digno da série, mas em vão. Depois cai tudo na vala comum do filme de ação da semana. Um herói indestrutível, previsível, e um vilão também previsível e frouxo, inundados por um roteiro ruim e muito efeito especial. Timothy Olyphant faz o vilão Gabriel, talvez um dos vilões MENOS AMEAÇADORES da história recente dos filmes de ação. Muito, muito fraco.

 Mas o responsável por isso tudo é o 'diretor' Len Wiseman, um desses pau mandados de estúdio que simplesmente não conseguem fazer nada direito além de deixar tudo pra segunda unidade de cenas de ação. Desde o início de carreira, com a série Anjos Da Noite, Wiseman já mostrava sua inclinação: filme de ação/ficção derivativo e medíocre, copiando tudo o que já foi feito antes, e melhor. Aqui ele dirige com reverencia de fã, mas sempre à distância. Ao contrário da mão firme de John McTiernan, a impressão que esse Duro de Matar 4 passa é a de que Wiseman dirigiu o filme sentado no sofá em casa, enquanto assistia os filmes anteriores da série. Simplesmente não há direção aqui. O filme praticamente se conduz rumo à um final correto e anticlimático. Mais uma vez pergunto: será que não tinha um John Woo, um Phil Alden Robinson (que fez em 2004 A Soma de Todos os Medos, um filmaço com a pegada de John McTiernan) disponível não? Um diretor de ação de verdade?

  A verdade é que deu dinheiro, a crítica caiu no truque e gostou. Acho que o sucesso desse filme tem a ver com a própria percepção moderna do que é um filme de ação. Hoje em dia o que faz sucesso não são os heróis dos anos 80, e sim os heróis dos anos 80 se parodiando, como bem provou Stallone em Os Mercenários. Mas Willis tem mais talento que isso, a série merecia mais, e os estúdios nunca ganharam tanta grana sendo cínicos em relação ao seu público.

  Duro de Matar 4 desrespeita os fãs da série com um filme banal que perverte a essência da série. Que venha o quinto filme amanhã, ainda que os prognósticos vindos do exterior, onde já foi lançado, não sejam animadores. Será McClane uma relíquia que deveria ser abandonada na metade dos anos 90? Veremos.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Duro de Matar - A Vingança (Die Hard with A vengeance, dir. John McTiernan, EUA, 1995, 128 min.)

 E posso dizer com alguma certeza que Duro de Matar - A Vingança é o sucessor legítimo em estilo e verve  do filme original. Uma fita ousada, violenta, com senso de humor negro e ação insana, que nunca te deixa prever o que vem a seguir. Diferente do segundo episódio, este Duro de Matar ao invés de copiar elementos de roteiro do primeiro filme, pega o espírito do original e joga tudo numa nova perspectiva, mais abrangente ainda. Aqui a fórmula sofreu um abalo positivo e o que temos é um filme cuja ação se desenrola por toda Nova York. Mas nosso chapa John McClane continua o mesmo, bonachão, casca-grossa e bem-humorado.

 O vilão da vez é Simon (participação caprichadíssima de Jeremy Irons) , um maníaco por bombas que ameaça explodir pontos importantes da cidade caso McClane não atenda suas exigências sádicas. O porquê dele escolher McClane e o porquê de seu plano estapafúrdio são reviravoltas espetaculares de roteiro, que não vou mencionar aqui para não estragar a surpresa. Vale a regra: se você gosta de ação a ainda não viu esse filme, corra que vale muito. Um dos grandes dos anos 90.

 Dessa vez McClane tem um parceiro em cena, Zeus, (Samuel L.Jackson) líder comunitário do Harlem que logo no início da fita se vê envolvido junto com o policial na cadeia de eventos desencadeada por Simon. O mais bacana da relação entre Willis e Jackson é que em momento algum eles se tornam amigos ou  coisa do tipo. Longe de ser um carbono dos buddy cop movies como Máquina Mortífera e 48 Horas, esses dois personagens apenas estão unidos brevemente por uma questão de sobrevivência, e o humor que surge desse desespero gera grandes momentos de humor na tela.

 E assim Mc Clane e Zeus cruzam Nova York seguindo as exigências absurdas de Simon, enquanto descobrem um plano maior, ousado, que deve muito ao filme original. A essência de Duro de Matar está no fato de que é um jogo de gato e rato: sempre que McClane descobre o suposto plano do vilão, este já está dois passos adiante, e isso é emocionante. Esse filme é sábio em resgatar esse sabor de que tudo pode acontecer, até o final.

  A cereja no bolo é o retorno de John McTiernan à direção de Duro de Matar. Ele prova aqui que o sucesso da série não reside apenas na performance de Willis; é a força de sua direção e o entendimento de que o humor muito bem colocado entre sequências ambiciosas de ação fazem da série algo único. Apenas McTiernan compreendeu o que é Duro de Matar: uma mistura única de faroeste moderno com filme de assalto e fita-catástrofe. Considero esse o final da série em termos de qualidade. Quem dera os outros diretores da série entendessem o espírito da coisa. Infelizmente isso não aconteceu e tivemos depois Duro de Matar 4, que eu comento amanhã. Yippee Kay Yay, pessoal.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Duro de Matar 2 (Die Hard 2, Dir. Renny Harlin, EUA, 1990, 124 min.)

 E com o sucesso de crítica e principalmente comercial do primeiro, chegamos a esse Duro de Matar 2, praticamente um carbono do Duro de Matar original, substituindo a ambientação do Nakatomi Plaza para um Aeroporto em Washington, também no dia de Natal.

 Desde a cena inicial, nosso amigo John McClane está até o pescoço num dia de cão. Seu carro está sendo rebocado na entrada do aeroporto num dia de inverno pesado. Ele está esperando o desembarque da sua eterna mulher, ou ex-mulher, Holly Gennaro. Mas a chegada dela e de todos os outros aviões vai ser atrasada quando o aeroporto é tomado pelo Coronel Stuart (William Sadler, um psicopata mascote de Hollywood), no intento de libertar o Barão das Drogas General Ramón ( o Django original, Franco Nero), que está chegando do exterior num vôo sob custódia. Desta vez, os passageiros e os aviões no céus são os reféns, e cabe a McClane bagunçar o coreto e acabar com esses vilões.

E daí em diante, o diretor Renny Harlin (hoje decadente em Hollywood e um cineasta de ação que não deu muito certo, tirando um ou outro acerto aqui e ali) entrega um Duro de Matar que segue a cartilha do primeiro com atenção e algum carinho com a fórmula. McClane continua boa praça e teimoso, durão e piadista; sempre há um policial espírito de porco que zomba e desafia ele (aqui Dennis Franz de NYPD Blue faz o capitão Carmine Lorenzo, uma pedra no sapato de McClane, ou vice-versa); e as reviravoltas são muitas e inesperadas, às vezes até inverossímeis, mas tudo muito divertido como convém num blockbuster dessa estirpe.

Harlin entrou sabendo que seria impossível recriar o impacto do primeiro Duro de Matar, mas foi sábio em replicar os elementos que fizeram do anterior um grande filme. Pena que esse segundo episódio nunca alcança ou supera a ação, o humor e o ritmo do seu predecessor . Bruce Willis ainda era 'o' cara e o elenco de apoio funciona. O que importa é que temos aqui mais um legítimo John McClane clássico, disparando frases de efeito, maníaco e desesperado, ainda assim rindo na cara da morte, como deve ser.

  Duro de Matar 2 está longe de ser uma sequência digna, ou de entrar para o hall das grandes sequências do cinema. Mas essa nem era sua pretensão. Foi apenas um filme grande feito com esmero para capitalizar em cima do sucesso do anterior, mas ainda assim respeitando todas as características que fizeram o clássico primeiro filme ser o que é. Não é um filme ruim, mas felizmente, na sequência que viria à seguir McClane voltaria com muito mais criatividade e trazendo à tiracolo o retorno de nosso diretor favorito para Duro de Matar, John McTiernan. O terceiro filme da série seria um novo Duro de Matar, original e com o espírito do primeiro.    

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Duro de Matar (Die Hard, Dir. John McTiernan, EUA, 1988, 114 min.)

  É engraçado dizer, mas minha memória de infância não mente: a única vez em que vi meu velho pai chorar foi ao final desta pequena obra-prima da ação chamada Duro de Matar, que John McTiernan dirigiu em 1988 sob um roteiro de Steven E.de Souza, e que transformou Bruce Willis em sinônimo de cool para toda uma geração de moleques que queriam ser ele e meninas que queriam ele. E tudo isso, meus amigos, é rock'n'roll paca.

  Se alguém lendo essa humilde resenha nunca assistiu Duro de Matar, recomendo que pare por aqui agora, compre, alugue, baixe, roube essa fita e volte aqui depois, ok? É uma experiência sensorial, um legítimo modelo de filme americano moderno de ação que gerou uma legião de imitadores...e acima de tudo, é um filme sobre um personagem que é muito durão, muito humano, e muito filho da puta, como todos nós somos: esse é um filme sobre John McClane.

  John McClane é um policial de Nova York absolutamente comum, como eu e você. Ele gosta de tomar umas biritas, é muito competente no seu trabalho, e tem uma montanha de defeitos...recentemente se divorciou de sua mulher, Holly Gennaro, que agora usa o nome de solteira, e secretamente pretende reconquistá-la. Porque McClane é um cara legal acima de tudo, e gosta de Holly. Ele apenas lamenta que os atalhos da vida tenham desviados ambos do caminho. E afinal de contas, é Natal, tempo em que todo mundo está disposto a perdoar os erros do passado e tentar vida nova. O que poderia dar errado?

  Na real, TUDO dá errado, e McClane vai à Los Angeles visitar Holly em uma festa de fim de ano no prédio onde ela trabalha, uma grande companhia....o prédio gigantesco é o Nakatomi Plaza. É uma festa cheia de chatos, louca e descontrolada como toda festa no final de ano numa empresa deve ser...mas McClane só quer Holly de volta, só quer recuperar seu passado e apagar seus erros de vez.

Eis que entra Hans Gruber, que graças ao gênio cênico de Alan Rickman se transforma em um dos vilões mais maquiavélicos, ardilosos, astutos e cruéis do cinema popular recente. Gruber e seus comparsas invadem o Nakatomi Plaza, sequestram todos os convidados da festa e exigem uma quantidade exorbitante de grana e outras exigências estapafúrdias para saírem de lá.

 Mas ei. Esses caras não contavam com John McClane.

E nas próximas duas horas o que segue é um jogo de gato e rato entre o policial sozinho de Nova York, acuado mas sempre um passo à frente dos bandidos, e o sequestrador implacável, que a cada novo plano revela mais duas reviravoltas, e assim por diante.

Parece bobo, eu sei. E olha, talvez o cinema de ação, aquele que começou com John Wayne e tá agora no Jason Statham, seja mesmo uma coisa meio boba, até infantil.

Mas Duro de Matar é o primeiro de uma linhagem, e John McClane incorporado por Willis é Bogart, é Wayne, é Roy Rogers, é Jerry Lewis, é Steve McQueen, tudo explodido no liquidificador e servido por John Mc Tiernan num coquetel absurdo de saraivadas de balas, lutas inconsequentes e as melhores frases de efeito da história dos filmes de ação.

O mais legal, o que sempre me faz voltar a esse filme é que seu herói não é indestrutível. Ele é vulnerável, muitas vezes comete erros, perde a cabeça...mas principalmente, ele age com o coração, porque a ex-mulher com quem ele quer reatar está sendo feita refém, e isso é um ótimo motivo. É toda a motivação que ele precisa. Esse filme é um anti-Stallone, Schwarzenegger, todos esses brutamontes oitentistas. Bruce Willis é a personificação do Blue Collar Guy, a definição americana de trabalhador comum, de homem do povo, de cara comum. E convenhamos, ver um cara comum pintar e bordar na cara dos malvadões é muito mais divertido.

Hoje parece fácil falar, porque é um modelo de filme que foi copiado demasiadamente, e como atesta a nova continuação que estréia sexta-feira (Duro de Matar 5 - Um Bom Dia Para Morrer), a própria franquia abraçou a auto-paródia. Mas nada tira a força desse primeiro filme, uma paulada de ação que influenciou gente como John Woo e Edgar Wright.

Se você precisa assistir um filme de ação americano autêntico, sem atravessadores, o filme a ser visto é Duro de Matar. Sem mais, o grande filme de ação dos últimos 30 anos.