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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of The Spotless Mind, EUA, 2004, 108 min.)

Ah, a memória. É uma bênção e uma maldição. Simultaneamente, as vezes. Como é bom relembrar um momento que na hora parecia sem importância, mas com as camadas posteriores de lembranças, torna-se intocável, absoluto. Não importa o que foi de fato. Para mim a realidade quase sempre foi reajustada pelo meu senso de espetáculo. Ali, no fundo da minha mente, no meu photoshop sentimental, retoco momentos, esqueço frases equivocadas, acrescento outras que deveria ter dito mas nunca pude; mudo a locação, saturo cores, crio novas despedidas, novos reencontros. Muitas vezes com a mesma pessoa. A musa, a mulher perfeita, que existe por alguns segundos e depois escapa pelos dedos. Desaparece por semanas, meses, anos, décadas. Posso reencontrá-la, mas não posso me desligar da realidade em que vivo...tudo vai ficando cinza, cores esmaecendo, sentimentos cada vez mais mascarados pela dureza das relações- quase sempre sem brilho nenhum, sem faísca...mas e a memória, ela permanece? Existe de maneira autônoma? Quer dizer, de alguma maneira é real?

  Decepção. Dolorida, intensa, estragada, corrosiva, consome meus dias. Ao mesmo tempo em que o pavilhão de memórias boas é construído em velocidade espantosa, as imagens da ruptura vem como um tsunami, uma onda, inexorável, destruidora. Todos os momentos que aconteceram, as frases que foram ditas, as palavras que precisavam ser mas não foram. O fracasso, a derrota, a perda da motivação. O transtorno de ver a musa nas mãos de outro artista (quase sempre medíocre, mas aí vai do interlocutor), o anulamento de todos os pactos, imaginados ou consumados. A falta de esperança. Ainda vale a pena acordar? É tão difícil...algumas coisas servem como sinais de que ainda existe um coração. Filmes. Livros. Revistas. Discos. Assisto um filme, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Como é possível? É exatamente o Google Maps do relacionamento amoroso, o começo (recomeço?) cheio de imprevisibilidades que excitam; o meio trepidante, já avistando o iceberg. E o final destruidor, o desmoronamento do templo, o pacto desfeito; todas as esperanças descarga abaixo. Esse francês, o Gondry, a fofa Winslet, Jim Carrey, meu amigo; e esse roteirista suicida, Kaufman: todos unidos num complô para abaixar minhas defesas, me deixar pelado no meio da rua, todo mundo rindo da minha cara?  "Olha lá! Um Romântico Idiota! Peguem-no!"

  Não. A verdade é mais desinteressante e menos reveladora. A real é que todos, TODOS nós temos momentos de relação amorosa que gostaríamos de reviver e outros que imploramos para serem sumariamente deletados da nossa memória. Hum, mais precisamente: existem pessoas que gostaríamos de trazer de volta e outras que caíssem, sem piedade, no calabouço do esquecimento, devoradas pelos crocodilos da memória e regurgitadas de volta à mediocridade. Mas, espera ai, se eu fizer isso, partes importantes da minha biografia serão extirpadas. E no lugar delas entra exatamente o quê? Só sucesso. Só vitória? Branco Total? Que coisa mais chata. Vida de brinquedo.

  Olha, sinceramente, doutor, obrigado. Eu quero minhas memórias de volta: quero reviver tudo do jeito que foi. Ou melhor: esse Lego mental que está aqui dentro pertence única e exclusivamente à mim, portanto quer saber? A única alternativa plausível para essa bagunça toda é procurar outra musa, olhar para frente e fingir que eventualmente está tudo bem, afinal, cada esquina virada é uma nova chance e...ah, que porcaria. Não, não é nada disso.    

  A coisa toda é: quero reencontrar minha musa. A mesma musa. Mas tanto eu quanto ela, revitalizados. Nada de segunda chance ou recomeço, isso é coisa de livro ruim de auto-ajuda (um pleonasmo, por favor). Eu quero o primeiro encontro. Com a mesma pessoa, a mesma mulher. A mesma musa. Mas um primeiro, não um segundo encontro. Nada aconteceu. Uma folha em branco, um começo, não um novo começo.

 E Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças é isso: o cinema usando o seu melhor para nos dizer o essencial: Pare de se enganar! É impossível concorrer com o passado, nem tenta esquecer, nem tenta dar reboot. Vai dormir e espera aquele sentimento péssimo da noite passada ir embora. Você vai acordar meio estranho, sem lembrar de muita coisa. E aí você levanta, toma café, banho, vai trabalhar, pega o ônibus, vai à pé, ou de carro...encontra gente velha, gente nova.

  E tudo pode mudar num encontro, ou não. Talvez eu nem me lembre, mas acho difícil. Minha memória é muito boa. Ah, a memória. É uma bênção e uma maldição. Simultaneamente, as vezes. Como é bom relembrar um momento que na hora parecia sem importância, mas com as camadas posteriores de lembranças, torna-se intocável, absoluto. Não importa o que foi de fato. Para mim a realidade quase sempre foi reajustada pelo meu senso de espetáculo. Ali, no fundo da minha mente, no meu photoshop sentimental, retoco momentos, esqueço frases equivocadas, acrescento outras que deveria ter dito mas nunca pude; mudo a locação, saturo cores, crio novas despedidas, novos reencontros. Muitas vezes com a mesma pessoa. A musa, a mulher perfeita, que existe por alguns seg...

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Nem Woody Allen, Nelson Rodrigues e Rosely Sayão juntos escreveriam com tanta propriedade. Parabéns pelo texto. Mostra o quanto o racional e o emocional não são coisas totalmente distintas, muito pelo contrário. Somente uma pessoa tão racional poderia exprimir de forma tão complexa a emoção e somente uma pessoa emocional poderia ter tanta razão. Pegou a idéia do filme e elevou na décima potência. O filme é realmente excelente. Ao tentar se livrar da dor, retira o que lhe causava sofrimento. A lembrança de um amor perdido. Mas, se ele sofre pela perda do amor, é porque havia coisas boas e ele sente falta dessas coisas. O sofrimento do fim do relacionamento é exatamente o sofrimento causado pela retirada brusca de todas as coisas boas (tanto pelos bons momentos como a sensação de segurança que a pessoa lhe passa). O que se sente no fim de um relacionamento é uma amputação. A pessoa é como se fosse uma parte da gente. Por isso a sensação de vazio. A parte da vida que aquela pessoa preenhcia se torna vazio. E será que retirar os acontecimentos da memórias faria a gente se sentir bem? Ou a gente continuaria vazio sem saber o motivo? Bom, não vou ousar divagar pois é assunto que não sei nem como terminar. Bruno já explanou muito bem sobre o assunto e nada mais há que acrescentar. Falar mais seria repetir.
    Mais uma vez parabéns.

    fico por aqui
    inté

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  3. Obrigado, Rodrigo... Vc entende o que o owner desse humilde blog quer dizer...de fato nem cabe aqui discutir sobre o fato do vazio se dissipar ou simplesmente ser substituído...mas acima de tudo, essa discussão é necessária, velho amigo. Obrigado por postar, e abraço...

    Em breve novas postagens virão! Estou sem tempo e sem inspiração! Que droga! rs

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