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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Doce Vida (La Dolce Vita, ITA/FRA, 1960, 174 min.)

  Aproveitando a inciativa da Folha de S.Paulo, que acaba de lançar uma coleção dedicada ao cinema europeu, vale a pena dedicar algumas palavras ao marco cinematográfico que inicia essa antologia de filmes e é considerada até hoje, um dos destaques da filmografia do realizador italiano Federico Fellini. A Doce Vida é uma obra atemporal, cruel e honesta em suas observações sobre os impulsos intrinsecos do ser humano.

  É interessante notar o quão atual A Doce Vida é em relação à exploração das celebridades pela mídia e os paparazzi, a busca incansável pelo hedonismo e a insatisfação causada por essa busca, o enfastio do prazer ininterrupto...está tudo estampado no rosto de Marcello Mastroianni, o ator-fetiche de Fellini, aqui em um dos grandes desempenhos de sua carreira como repórter sensacionalista, de terceiro escalão, fazendo vida da exploração de celebridades e fenômenos religiosos de origem duvidosa. Abandonando a fase neo-realista marcante em boa parte de sua carreira, Fellini abraça aqui o simbolismo com voracidade, entregando uma narrativa inovadora para os padrões da época: acompanhamos a trajetória do repórter vivido por Mastroianni em blocos autônomos, que ilustram brilhantemente a ciranda de anseios e sentimentos de um grupo de personagens.

 Tolstói dizia que um escritor que escrevesse sobre sua aldeia estaria retratando o mundo. Fellini, que havia sido jornalista, fez com seus roteiristas colaboradores um roteiro que é um painel sobre Roma entrando nos anos 60. Ou melhor, uma antevisão do mundo nos anos 60. Não cabe aqui contar ou revelar momentos-chave do filme, sob influência de retirar o impacto de tais sequências, mas está tudo aqui: desde o deslumbramento do homem com a beleza pura, "fosforescente" (palavras de Fellini ao descrevê-la) de Anita Ekberg na sequência monumental na Fontana Di Trevi, passando pelo vazio existencial desnudado pelo amigo intelectual do repórter, e chegando ao desencanto e ao cinismo abraçados pelo personagem de Mastroianni e simbolizados no final do filme. A obra transcende a condição de mero espetáculo de cinema. Visto hoje, tem muito mais os contornos de um evento, intenso e pessoal, bem ao gosto do diretor.

  Fica claro que "A Doce Vida" vai se tornar irremediavelmente amarga, como o tempo demostrou, mas nem por isso menos poética. Algumas pessoas conseguem extrair o melhor de uma vida mesmo depois que a festa acaba, e se Fellini viu a beleza melancólica disso, quem somos nós para discordar?


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