Inverno da Alma acompanha os passos de Ree (Jennifer Lawrence, em grande performance ), garota que cria sozinha seus irmãos em uma cabana nas montanhas Ozarks, estado americano do Missouri. O frio monumental serve de metáfora para comentar o estado psicológico e a violência física cujos personagens são submetidos. Ree precisa encontrar o pai, traficante de metanfetaminas libertado da prisão que sumiu, ou sua cabana será tomada pela polícia. Deve entregar seu pai vivo ou morto para garantir, de certo modo, a sobrevivência dela e dos irmãos. Para isso ela irá procurar em cada biboca, trailer, boteco sujo e casa suspeita por seu pai, afogado em relações pavorosas com os piores tipos da região. É ajudada a contragosto por seu tio, interpretado pelo fabuloso John Hawkes ( o balconista do boteco de beira de estrada em Um Drink no Inferno, aqui envelhecido e absolutamente assustador)...e falar mais estraga. Este filme é uma viagem ao coração da América drogada, depressiva e desvalorizada.
E a escolha da obra em ser um estudo de situações e personagens em detrimento da ação propriamente dita faz muita diferença. Inverno da Alma curiosamente mostra um mundo em que as mulheres são muito fortes, e os homens sempre aparecem apagados, quando não ausentes ou mesquinhos. A menina Ree que durante o filme se torna uma mulher através de suas atitudes nos mostra que o abandono é uma faca de dois gumes. Ao longo do filme vemos a protagonista passar de aflita a curiosa e finalmente forte e obcecada em saber o que de fato aconteceu ao pai. E o mundo de homens que o tempo todo lhe confundem com respostas falsas, a eles o inferno do esquecimento está reservado. A diretora Debra Granik realça esse clima de abandono seja pela fotografia esmaecida, quase preto e branco, e pela trilha, um country de raiz americano que apenas aumenta a sensação de vastidão e desespero pelo qual a protagonista passa.
A descida ao rio no final de Inverno da Alma pode ser muito bem comparada á descida de Martin Sheen ao rio onde Marlon Brando, doidaço, o encontra para a catarse final no épico Apocalypse Now. Em ambos os filmes, descer o rio significa ir de encontro ao limite da sanidade, ao fundo do poço onde os segredos mais escabrosos adormecem...a diferença é que enquanto no clássico de Coppola o Coronel Willard retorna com o júbilo pela morte justificada do maníaco Kurtz, aqui a menina Ree descobre o mal infligido ao seu pai. Mas não há redenção.
Não importa. O que Inverno da Alma tem em comum com a obra de Joseph Conrad, O Coração das Trevas, é o retrato de uma pessoa que se assume uma gota d'água na pureza selvagem da América. A inocência que ruma em direção ao olho do furacão e não conquista mérito ou recompensa alguma por isso. A verdade violenta dessa América profunda que não diz, mata. Filme de uma sinceridade extraordinária.
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