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terça-feira, 7 de junho de 2011

Liberdade Condicional ( Straight Time, EUA, 1978, 114 min.)

  Eddie Bunker sempre soube que a vida americana, como disse Fitzgerald, não tem segundo ato. Bandido profissional com QI acima da média, curtiu uma longa temporada atrás das grades. E outra. E outra. E mais outra. Daí então veio o insight: Eddie se tornaria um escritor, usando de toda sua experiência carcerária e criminal para produzir alguns dos romances policiais mais impressionantes da literatura americana. "Cão Come Cão", "Fábrica de Animais", "Educação de um Bandido". E "Nem os Mais Ferozes", praticamente uma autobiografia. A adaptação para cinema resultou neste grande filme com Dustin Hoffman no papel principal, "Liberdade Condicional", dirigido por Ulu Grosbard, aclamado diretor de teatro que foi assistente de Elia Kazan em "O Clamor do Sexo" e também de Robert Rossen em "Desafio à Corrupção". O roteiro cinematográfico foi adaptado por Bunker mais quatro colaboradores, entre eles um jovem chamado Michael Mann, que futuramente iria despontar autor de grandes fitas policiais como "Fogo Contra Fogo" ,"O Informante" e "Collateral". Com uma equipe dessas, não poderia dar errado mesmo. Até hoje é um filme cultuado por adoradores do gênero, entre eles Quentin Tarantino, que o usou como inspiração confessa para fazer o seu "Jackie Brown". Isso porque ainda em 1992, ele contratou o próprio Bunker para atuar como um dos bandidos, o Mr.Blue, em "Cães de Aluguel".

 "Liberdade Condicional" conta a história de Max Dembo, criminoso profissional especializado em assaltos à bancos e joalherias, libertado da prisão sob a tutela de um agente da condicional. Max pretende retomar a vida rotineira de maneira honesta. Mas o mundo mudou. E muita gente não vai deixar Max se enquadrar de volta tão facilmente. E daí para reencontrar velhos amigos e planejar um novo assalto, é um passo. Um movimento sem volta. Mesmo se envolvendo em um relacionamento amoroso, Max não pretende mais mudar de vida. Ele sabe que a sociedade já não o aceita mais. É essa crueza que faz do filme algo extraordinário. É a trajetória de Bunker, descrita no livro e adaptada sem amaciar o material.

O grande trunfo da obra é justamente o enfoque sem glamour da vida criminosa. Não é especialmente violento de uma maneira gráfica. A aspereza da vida, as relações desgastadas, o olhar seco e sem esperanças do protagonista carregam todo o peso do filme. Achei incrível o esforço em não tornar o crime espetacular, coisa que anos antes "Bonnie e Clyde" de Arthur Penn trataria de fazer: mostrar a vida fora-da-lei como uma Disneylândia do crime. Peckinpah também fez isso em seu "Os Implacáveis", mostrando Ali McGraw e Steve McQueen como o casal de bandidos mais sensuais já vistos até então. Grosbard evita isso escalando o brilhante Dustin Hoffman. Foi uma escolha de casting perfeita. Hoffman traz uma sensibilidade mundana inata para o papel. O seu Max Dembo é um homem que escolheu o crime como profissão, e o faz de acordo. Não há um pingo de carisma na composição de Hoffman. Gênio.

 Me impressiona nessa obra e em boa parte do cinema americano dos anos 70 a habilidade em contar histórias sem manipular acintosamente o espectador. Não raro, muitos filmes da época não tinham um final feliz. Acho de uma coragem tremenda diretores que ousam deixar o público sair de um filme com um nó na garganta, negando-lhes a boa e velha catarse. Talvez um amargor que se abateu sobre toda a produção artística do país devido à perda da inocência através das decepções políticas e sociais, o fato é que olhando com o distanciamento apropriado, entendemos hoje o frescor, a ousadia que esses filmes possuem.

 "Taxi Driver", "Um Estranho no Ninho", "Ensina-me a Viver", "Sem Destino", "A Última Sessão de Cinema", "O Poderoso Chefão", "Serpico"...todos estes são clássicos com a marca dessa fase criativa febril pela qual passou o cinema americano. Hoje esse post foi dedicado a "Liberdade Condicional", um pequeno clássico policial que merece ser visto e figurar ao lado dos acima citados. E afinal, como é bom descobrir um ótimo filme feito há mais de trinta anos, não? É sinal de que sempre é tempo de corrigir algumas injustiças.

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