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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Kick-Ass (Kick-Ass, Eua/UK, 2010, 112 min.)

Ah, o politicamente incorreto. Aquela instituição chatíssima que vez por outra serve de muleta para reacionários e retraídos destilarem todo o seu veneno contra um ou outro incauto que arrisca falar, fazer algo fora dos padrões estabelecidos. A ladainha é freqüente. Ouve-se muito " Se eu fizer isso, o que ELES vão pensar?", ou "ELES nunca me deixariam fazer isso num filme comercial". Sempre que eu ouço esse tipo de declaração, fico me perguntando: Quem são ELES? Que censura auto-imposta é essa que limita tudo a uma mediocridade tranqüila? Onde está o risco? E o humor negro? Aquele que é responsável pela humanidade ter sobrevivido até hoje aos grandes horrores da história. A charge no jornal que lava nossa alma , representando o inconsciente coletivo, o repúdio aos Grandes Bandidos de Colarinho Branco, esses sim vilões de fazer inveja a Thanos, Galactus, Coringa e Luthor juntos.

 O meu ponto é: CARETICE total esse povo que vê algo moralmente pervasivo e absurdamente violento em um filmaço como esse Kick-Ass. Li críticas de todo o tipo há um ano atrás, quando foi lançado nos cinemas. "Onde já se viu, uma menina de 12 anos vestida de Rambo e apanhando quase até a morte de um mafioso!", "...o tipo de filme irresponsável que incita a violência entre os jovens". Se toda essa turma que reclama da violência nos filmes em Hollywood se preocupasse mais com a violência real que reina por aí e exigisse mais dos governantes, já seria um grande avanço . Mas é aquilo: colocar a culpa no gringo pela tragédia local ainda é um costume feio de muito brasileiro. Não é minha intenção cair na armadilha e fazer o meu manifesto político aqui. Meu ponto é: como certo tipo de filme é subestimado pelo 'Joe Public', aquele tipo que vai no cinema e aluga filme querendo o mesmo arroz com feijão de sempre, ligando a TV, DvD, Blu-ray, o Home Theater; mas esquece de ligar o cérebro, peça tão importante.

 Kick-Ass é um filme muito avançado para a platéia que se destinou. Virou um cult. E assim como a história em quadrinhos na qual se basou, mostra a dicotomia entre ser um super-herói no comicbook, e no nosso famigerado mundinho real, onde você não tem superpoderes. Um osso quebrado te deixa dois meses engessado, um soco na boca e você fica parecendo um zumbi. Um tiro na cabeça é game over, sem ressureição dois meses depois com direito à capas variantes e minissérie de luxo. Kick-Ass ri do sonho adolescente, da fantasia de matar os bandidos, ganhar a garota e salvar o mundo.

Mas ao mesmo tempo, faz o elogio dessa inocência, uma fase tão boa da vida em que a gente não se toca dos perigos REAIS, aqueles que estão a um passo de distância quando colocamos o pé para fora da porta.

Mark Millar é o escocês maluco/gênio que bolou essa insanidade toda. Millar é um trintão como eu e provavelmente você que está lendo, suponho. Ele sabe que os sonhos de adolescência já passaram. Mas a paixão adquirida, não. Essa está lá, intacta. Essa emoção boa que temos lendo uma boa história bem escrita e desenhada, um filme de aventura espetacular, uma canção perfeita de três minutos...e é isso que Kick-Ass é, uma canção de três minutos redonda, irretocável. Uma sátira aos sonhos de outrora, aos ideais de heroísmo tão em baixa hoje...mas ao mesmo tempo um lembrete de que ainda dá para sonhar. Novos heróis ainda existem, mesmo que amorais e moldados aos novos tempos, bem menos românticos do que as eras de ouro e prata nos quadrinhos Marvel e DC. Vivemos em um mundo pós-Image. Os heróis são truculentos, assumidamente violentos. Mas o ideal está lá, intacto. Do jeitinho que Siegel e Shuster deixaram quando criaram o Homem-de-Aço. E lá se vão quase oitenta anos de sonhos.

 O filme honra todos esses ícones, faz reverência ao passado e ao futuro do cinema de ação, dos superheróis no cinema...e todos os códigos da minha juventude no cinema, estão todos lá: a máfia italiana que vem em linha direta dos filmes de Scorsese, a utopia deliciosa de salvar o dia e ficar com a garota é Homem-Aranha descarado; A violência cômica de Tarantino, a ação coreografada de Peckinpah e John Woo, a trilha que faz referência ao tema imortal do Superman escrito por John Williams. É muita coisa para citar.

 Revendo Kick-Ass hoje tive a certeza de que vivo no mesmo mundo que o criador da história Millar e o diretor Matthew Vaughn. Um mundo em que as pessoas sabem rir de si mesmas, de suas pretensões, de seus fracassos. Lugar de gente com humor sutil e refinado, que sabe a diferença entre paródia reverente e pastelão grosseiro. Meio utópico, eu sei. Mas com filmes como esse o caminho vai ficando menos sinuoso, e como eu disse no início, dá até para esquecer que ELES estão por ai, vomitando status quo e regras estúpidas.

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