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sábado, 31 de dezembro de 2011

10 Melhores Filmes de 2011

    Eis que 2011 chega ao fim e felizmente, o cinema não desapontou. Pode ter sido um ano meio estranho, em que a concentração de bons filmes ficou mais restrita aos últimos meses do ano. Mas não dá para reclamar de um ano que teve Woody Allen, Almodóvar e Scorsese em grande forma além da revelação do talento Nicolas Winding Refn, entre outros. Na seara nacional, Selton Mello e seu O Palhaço dominou as bilheterias e o gosto da crítica, provando que cinema comercial pode sim rimar com qualidade artística. Vale lembrar que esta é uma lista submetida a critérios puramente subjetivos, portanto quem discordar pode e deve fazer valer a sua voz. Provavelmente eu esqueci algum filme muito bom, supervalorizei outro que não deveria e deixei de comentar no blog vários deles. Mas a vida é assim mesmo, folks. Durante a viagem vamos fazendo os consertos necessários, sempre em movimento. Até 2012. Não bebam muito! Isso foi uma piada.

10 - SUBMARINE (Dir. Richard Ayoade, 100 min. UK, 2011)
     Poucas vezes uma manjada história sobre os ritos de passagem da adolescência foi contada com tamanha segurança por um diretor estreante. Abusando de um visual delirante, texto afiado e ótimas atuações, Richard Ayoade fez o filme definitivo sobre paixão adolescente. É um filme sobre aquela época da vida em que os pais não te entendem, a garota que você ama te faz de bobo e o drama é a única saída para tanta melancolia. A gente cresce e descobre que foi tudo bobagem, mas filmes desse tipo ajudam-nos a lembrar que sim, às vezes é muito bom ser feliz em ser infeliz.

Link para a crítica: http://drive-insaturday.blogspot.com/2011/07/submarine-submarine-uk-2011-86-min.html


9 - CONTRA O TEMPO (Dir. Duncan Jones, USA, 2011, 95 min.)
  E sem dúvida a grande ficção de 2011 foi esse Contra O Tempo, um delírio de ação que envolve heroísmo, viagem no tempo e transferência de consciência(!) numa embalagem compacta, pouco mais de noventa minutos brilhantemente orquestrados pelo diretor Duncan Jones (que em 2009 já havia nos presenteado com a pérola Lunar). Lançado no começo do ano e esnobado por parte da crítica 'inteligente', é o tipo de filme que com o tempo só vai aumentando o séquito de seguidores, e entra na rara seara povoada por filmaços que marcaram época, como Robocop, Velocidade Máxima e tantos outros que provam o que nós aqui já sabíamos há tempos: Ficção científica e ação são gêneros espetaculares, basta um realizador com a boa vontade de assumir os clichês e subvertê-los, transformando um prato requentado em novidade.

Link para a crítica: http://drive-insaturday.blogspot.com/2011/06/contra-o-tempo-source-code-eua-2011-84.html

8 - A ÁRVORE DA VIDA (Dir. Terrence Malick, EUA, 2011, 130min.)
   Quem é Terence Malick? Um recluso, um meticuloso, um pretensioso, um pseudo-filósofo metido a cineasta? Desde seu lançamento em Cannes em maio passado, obra e criador foram dissecados e discutidos por crítica e público enfurecidamente: muito bocejavam dentro do cinema, enquanto outros deliravam com a habilidade narrativa de Malick, que construiu um conto de beleza estridente sobre tudo o que nos une e nos separa, física e espiritualmente. Se cinema relevante é aquele que faz você se enfurecer, chorar, brigar e se emocionar, podem dormir tranquilos: A Árvore da Vida é exatamente esse tipo de filme, uma obra construída para dialogar com o 'repertório' do espectador, que deve compartilhar seu ideário de crenças com as imagens que vão desfilando na tela. Tudo que Malick pede é que as pessoas entrem na sala de exibição sem medo, sem preconceito. O impacto do seu filme é destruidor. Grande obra.

7 - O PALHAÇO (Dir. Selton Mello, BRA, 2011, 85 min.)
E quem diria que após seu tributo à Cassavetes, Feliz Natal, Selton Mello mostraria à que realmente veio com esse drama cômico espetacular, um filme de coração, uma ode aos artesões do oficio espalhados por todo o país, pessoas anônimas que dedicam suas vidas ao próximo de maneira quase suicida e sem moralismos. A figura do palhaço em crise é a metáfora mais acertada do artista em busca do seu 'mojo', aquela faísca, a paixão não-descoberta que assombra a alma e faz enlouquecer, uma busca sem fim pela risada sincera, honesta. Algo em falta nos dias que corre, fato. Mas filmes como esse facilitam o caminho...

Link para a crítica:  http://drive-insaturday.blogspot.com/2011/11/o-palhaco-idem-brasil-2011-88-min.html

6 - MEIA-NOITE EM PARIS (Dir. Woody Allen, EUA/SPA, 2011, 92 min.)
  Ponto pacífico: Woody Allen não 'voltou', não 'ressucitou', nunca 'voltou à velha forma' ou qualquer baboseira do tipo. É claro que Meia-Noite em Paris é um filme espetacular, que traz seus velhos temas de volta à baila: nostalgia, arte, relacionamentos e neuroses diárias. Mas quem assiste seus filmes anuais (sim, é um por ano, religiosamente, desde 1970) sabe que o velho Allen não está mais preocupado em agradar crítica ou público. Seus filmes, e esse incluso, são rituais de idiossincrasias para iniciados, que entendem suas referências e deliram com suas tiradas sarcásticas, sua acidez, seu cinismo cada vez mais afiado. Aí fica a dúvida: com o sucesso que Meia-Noite em Paris fez, será que o grande público finalmente alcançou Woody Allen ou o mestre abaixou a guarda e decidiu agradar a audiência? Dilema resolvido: nenhuma das opções. Esse é mais um grande filme do incansável escritor/diretor.

Link para a crítica: http://drive-insaturday.blogspot.com/2011/07/meia-noite-em-paris-midnight-in-paris.html

5 - MISSÃO:IMPOSSÍVEL - PROTOCOLO FANTASMA (Dir. Brad Bird, EUA, 2011, 127 min.)
Quem diria que o desacreditado Tom Cruise mais um diretor vindo da animação (grande animação, diga-se de passagem) lançariam um torpedo como esse quarto episódio da série Missão:Impossível, dando canseira em veteranos como Brian DePalma e John Woo? Nas mãos do diretor Brad Bird, Tom Cruise e seus comparsas (Pegg, Patton, Renner, todos perfeitos) protagonizaram as melhores e mais criativas sequências de ação vistas em muito tempo, e valorizaram o formato IMAX, perfeito para cenas antológicas como a 'escalada' do Burj Khalifa, a perseguição de carros durante uma tempestade de areia e tantas outras que fazem de M:I4 o grande filme de ação do ano, recolocando a cinessérie e a carreira de Cruise no lugar certo. E que venham mais aventuras de Ethan Hunt.

Link para a crítica: http://drive-insaturday.blogspot.com/2011/12/missao-impossivel-protocolo-fantasma.html

4 - A PELE QUE HABITO (Dir. Pedro Almodóvar, SPA, 2011, 105 min.)
Sem enrolação: A Pele que Habito é um drama de horror absurdo, um conto sobre os extremos da obsessão e técnica e emocionalmente, provavelmente é o melhor filme que Pedro Almodóvar já fez. Alcançando maturidade narrativa e controlando os excessos de outrora, o autor soube costurar todos os seus antigos temas numa história de gênero, que nunca é previsível e nos choca com seu atordoante final. Banderas, Elena Anaya e todo o elenco estão em grande momento, materializando o delírio de Almodóvar e construindo aquele que foi, sem dúvida, o filme mais perturbador que pude testemunhar nesse ano.

Link para a crítica: http://drive-insaturday.blogspot.com/2011/11/pele-que-habito-la-piel-que-habito-esp.html

3 - TUDO PELO PODER (Dir. George Clooney, EUA, 2011, 94 min.)
 A verve política de Clooney já é velha conhecida desde seus tempos de Boa Noite e Boa Sorte, mas finalmente o ator e diretor conseguiu afiar o seu discurso liberal e realizar seu melhor filme: Tudo Pelo Poder é um thriller passado nos bastidores de uma campanha eleitoral e é um filme sobre a perda da inocência, o momento em que um idealista (interpretado pelo excelente Ryan Gosling) percebe que, para fazer parte do jogo político, é necessário deixar as luvas de pelica de lado e sujar as mãos. Nem que isso signifique a descrença completa nos valores que fizeram você se engajar um dia. Grande filme.

2 - WARRIOR (Dir. Gavin O'Connor, EUA, 2011, 132 min.)
Desfazendo o mal-entendido: Warrior não é mais uma cópia de Rocky ou um famigerado drama sobre superação cheio de lições de moral. É simplesmente o filme mais devastador do ano sobre uma família separada por aquilo que não se diz; sobre os laços desfeitos que não podem ser reatados. Ainda é o uso espetacular da metáfora da luta (no caso, o violento Mixed Martial Arts) para contar a história de dois irmãos (Tom Hardy e Joel Edgerton, em grandes atuações) e um pai renegado (o gênio Nick Nolte) que aos trancos e barrancos tentam fazer as pazes com o passado e seguir adiante, sem nunca saber de onde virá a próxima pancada. Warrior tem o desfecho mais emocionante que já vi num filme desde O Lutador, filme de Aronofsky com Mickey Rourke. Ambos os filmes retratam um ponto comum: a grande luta sempre ocorre antes e depois do ringue. É uma obra-prima sincera e sem floreios, que te atinge e fica ressoando por dias. E é o tipo de filme que nos lembra para que serve o cinema.

1 - DRIVE (Dir. Nicolas Winding Refn, USA, 95 min.)
Com Drive, o diretor Nicolas Winding Refn entra direto para o rol dos grandes visionários: aqueles que sabem pegar uma história aparentemente simples e transformá-la em algo único, graças a uma direção meticulosa, preocupada com cada cena, cada plano, cada diálogo. O resultado é uma obra-prima genuína, dessas que a cada vez que se revê novas leituras e detalhes pipocam da tela. A figura do motorista encarnado com exatidão pelo extraordinário Ryan Gosling é a releitura moderna do Taxi Driver de DeNiro. Um solitário, um psicopata com coração de ouro que vaga pelas ruas em busca de uma paixão, uma guerra para lutar.Albert Brooks, Bryan Cranston, Carey Mulligan, Ron Perlman: grandes atuações neste que é, possívelmente, o primeiro clássico de uma década. Algo como um encontro de Lost in Translation com Clube da Luta, se fossem dirigidos por Michael Mann. Mas isso é papo furado: o cinema puro que emana de Drive nos faz renovar a fé em autores preocupados em entregar a obra perfeita. Refn, parabéns: você conseguiu.

Link para a crítica:  http://drive-insaturday.blogspot.com/2011/09/drive-drive-eua-2011-94-min.html


(Ótimos filmes que ficaram de fora, mas não esquecidos: Win Win, Cedar Rapids, O Homem que Mudou o Jogo, X-Men: Primeira Classe, Hesher, Os Agentes do Destino, Super 8, Eu Sou O Amor, No Limite da Mentira, O Guarda, Um Conto Chinês, Os Muppets, Planeta dos Macacos- A Origem)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Roubo nas Alturas (Tower Heist, EUA, 2011, 99 min.)

   ...e eis que quando ninguém esperava mais nada de Brett Ratner, desacreditado por sua direção fanfarrona e desleixada em fitas como X-Men 3 e Ladrão de Diamantes, e ainda enroladíssimo nos EUA por ter dado detalhes de sua vida sexual num programa de rádio e demitido da direção do próximo Oscar, o homem vem e entrega essa que é, inegavelmente, sua fita mais divertida desde o primeiro A Hora do Rush: Roubo nas Alturas (Tower Heist). Um filme derivativo sim, mas com um senso de humor acertado e um roteiro (de Ted Griffin e Jeff Nathanson que fez o Terminal e Prenda-me se Puder, ambos de Spielberg), veja só, até esperto demais para a média Ratner de qualidade. Isso quer dizer que é um bom filme? Longe disso. Mas eu vou arder no inferno se não admitir que dei boas risadas ao longo da projeção e até me surpreendi com uma ou outra reviravolta estapafúrdia, mas muito divertida do roteiro.

      Conta a história de Josh Kovacs (Ben Stiller, o de sempre), gerente de uma Torre luxuosa que funciona como hotel e flat de luxo para milionários do mundo todo situada em Nova York. O dono do edifício é o magnata Arthur Shaw (vivido com gosto pelo veterano Alan Alda), que logo não demora a ser preso, acusado de sonegação de impostos e desvio de dinheiro, o que resulta na suspensão das aposentadorias e pagamentos de todos os funcionários do edifício. Kovacs (Stiller), responsável por dezenas de subordinados, se vê numa missão de responsabilidade para com os companheiros, e ajudado por um time de outsiders do sonho americano, parte para um roubo mirabolante de uma fortuna que acredita estar num cofre na cobertura onde vivia o agora encarcerado ex-patrão.

     E é aí que entra Eddie Murphy, meus caros. Após uma sequência desastrosa de filmes-família que não deram em nada, Murphy se aliou a Ratner desde o início do projeto e criou o personagem Slide, um ladrão de rua pé-de-chinelo que ajuda Stiller e seus asseclas a executarem o plano. Murphy está em seu melhor momento desde 'Os Picaretas',  e é um alívio vê-lo desferindo, nem que seja em doses homeopáticas, um pouco do seu humor de rua verborrágico que tanto fez sua fama nos anos 80. Sua química com Stiller funciona, e suas cenas ensinando o grupo de ladrões amadores a como se tornar um ladrão melhor são hilárias, o grande achado do filme.

    O desenrolar do assalto pode até ser batido, mas duas coisas tiram Roubo nas Alturas da vala comum dos filmes made-for-tv que pululam por aí: a esperteza dos escritores em sugerir uma trama atrelada aos acontecimentos atuais no mercado financeiro dos EUA, acertando o timing em tempos de milionários corruptos e 'occupy Wall Street'; e a escolha acertadíssima do elenco de coadjuvantes, passando por Michael Peña, Gabourey Sidibe (a protagonista de Preciosa em 2010), Casey Affleck, Judd Hirsch, Téa Leoni e o eterno 'Ferris Bueller' Matthew Broderick, aqui hilário na pele de Fitzhugh, um desastrado analista financeiro que perde tudo na crise de Wall Street e decide se juntar ao grupo de ladrões. Espere ainda um certo carro vermelho, e a óbvia piscada de olho para o clássico Curtindo a Vida Adoidado.

     E isso é Roubo nas Alturas: um filme despretensioso que aqui e ali alcança picos de empolgação graças ao roteiro acima da média e um bom elenco que valorizou o material. Não é bem-acabado ou genial, não mudará sua vida, mas tira você da rotina por um par de horas e diverte despretensiosamente. É uma fita simpática que merece ser vista. Afinal, em se tratando de um aluno nota C ou D como Ratner, um B- é mais do que bem-vindo...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Missão: Impossível - Protocolo Fantasma (EUA, 2011, 127 min.)





     Segundo Aristóteles, catarse seria a 'purificação' experimentada pelos espectadores, durante e após uma representação dramática. Também pode ser definida como uma sala iMAX lotada numa noite de terça feira desabando em risadas e aplausos para a ressureição artística e comercial de Tom Cruise que é 'Missão: Impossível - Protocolo Fantasma', dirigido por Brad Bird, egresso da animação que conduziu os soberbos 'Ratatouille', 'Os Incríveis' e 'O Gigante de Ferro'. Vale aqui uma analogia com o futebol: se você é torcedor de verdade, apaixonado por um time, sabe que ver um jogo ao vivo no estádio é a verdadeira celebração do esporte, a celebração coletiva que leva a catarse. Da mesma forma, muito se fala hoje em dia sobre 'baixar' filmes ou mesmo esperar o lançamento em dvd ou blu-ray. Mas meus amigos, um filme desse quilate serve para separar os meninos dos homens: deve ser visto sim em iMAX ou com a melhor qualidade de som e imagem possíveis, para aí sim se desfrutar por completo da experiência do cinema de ação popular de verdade, que pretende divertir com qualidade sem maiores pretensões.

     E olha que descontadas raríssimas excessões, pensei que Hollywood já havia esquecido como fazer esse tipo de filme. O próprio Cruise andava numa maré desfavorável desde o fracasso de Operação Valkíria e o desastroso Knight and Day no ano passado. É até curioso notar que o terceiro Missão Impossível de 2006, conduzido pelo criador de Lost, J.J.Abrams, apesar de ótimo filme não alcançou o resultado esperado comercialmente, o que deixou a realização deste quarto episódio sob auspícios temerosos dos fãs da franquia...com Cruise em baixa, um realizador vindouro da animação, e rumores (infundados, agora posso garantir) da substituição de Cruise por Jeremy Renner (aqui como um analista de passado obscuro que entra para a equipe de Ethan Hunt), nem o mais otimista poderia prever a perfeição que é esse filme.


   Para início de conversa, os roteiristas Josh Applebaum e Andre Nemec entenderam à perfeição a essência do que é Missão:Impossível: um time de experts em diferentes áreas de espionagem que ora precisam seguir à risca um plano combinado previamente, ora devem improvisar sobre eventuais falhas em campo para cumprir a missão. É espionagem, mas é também diversão escapista, com 'gadgets' espetaculares e cenas de ação e suspense que devem fazer o espectador ficar na beira da poltrona, mesmo abraçando a inverossímelhança total...afinal, com o perdão do trocadilho, é o 'Impossível' que fazia da série e fez dos filmes algo divertido e digno de nota dentro do gênero ação. Ethan Hunt (Cruise) continua o líder da equipe, mas desta vez o grande barato é que TODOS os membros da IMF que vemos na tela ( o analista Jeremy Renner, a agente de campo interpretada pela belíssima Paula Patton de 'Deja-Vu' e o alívio cômico espetacular que é o comediante britânico Simon Pegg) são essenciais para a resolução da trama...é uma sacada muito inteligente que ao mesmo tempo em que faz Cruise suar a camisa para conquistar o público dividindo a tela com outros atores, faz com que esse seja o filme mais fiel ao conceito da série de TV de toda a franquia.

         As cenas de ação são conduzidas por Bird  e o diretor de segunda unidade Dan Bradley com maestria, e elas realmente impressionam no iMAX. A sequência em que Cruise, sem dublê, fica pendurado no alto do prédio mais alto do mundo, o  Burj Khalifa, vale o ingresso e causa vertigem, devido ao nível de detalhamento que se vê na tela. É uma sequência histórica, que junto à perseguição no meio da tempestade de areia e outras grandes cenas do filme, entram direto para o rol das melhores cenas de ação da década.
Nem vale a pena revelar muito mais sobre o que acontece no filme sob pena de revelar ótimas reviravoltas que são a cereja no topo da diversão. A trama envolve um terrorista russo (Michael Nyqvist, da versão sueca de 'Os Homens que não Amavam as Mulheres') que tenta disparar ogivas nucleares e começar a Terceira Grande Guerra. É um argumento batido, mas que nas mãos dessa equipe mais que competente se transforma num épico de ação que lembra os dias de 'True Lies', 'Duro de Matar', 'Máquina Mortífera', e a própria qualidade dos episódios anteriores de 'Missão: Impossível'.

 A verdade é que depois de várias temporadas dominadas por vampiros duvidosos, robôs alucinados e super-heróis de todos os tipos, já estava mais do que na hora de uma bem-vinda visita de Cruise/Ethan Hunt, provando quem ainda é o dono da bola. E revitalizando uma franquia que começou lá em 96, e parece não dar sinais de desgaste, porque o conceito ainda é muito empolgante.

   Que o diga a platéia de fanáticos que lotou o Bourbon iMAX nessa noite de terça feira. Todos riram nas partes certas, se emocionaram com as reviravoltas e não desgrudaram os olhos da tela por um instante sequer. Se Bird, Cruise e cia. quiserem lançar um desses a cada Natal, do lado de cá, a gente vai até começar a acreditar em Papai Noel...o presente de 2011, ao menos, já está garantido.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Risco Máximo (Maximum Risk, EUA, 1996, 101 min.)

    Sim, meus caros! Esse blog presta homenagem a esse gênio incompreendido que foi responsável pelo crescimento das escolas de karatê e videolocadoras no fim dos anos 80! Odiado pelos críticos e idolatrado pela molecada. Contraditório. Cocainômano assmuido. Posteriormente abstêmio assumido. Jean-Claude Van Damme representa um verdadeiro pedaço da infância e adolescência de muita gente. Da minha inclusive. Recentemente zapeando na tv a cabo parei num reality show bizarro que consistia em acompanhar o dia-a-dia do ex-astro belga. Nenhuma revelação impactante. Apenas um cara comum que vez por outra tem os delírios de grandeza que acometem todos nós. Van Damme é sim um cara como eu e você que sonhava em se tornar astro de cinema, batalhou para isso, conseguiu, perdeu a carreira se afundando em outras carreiras e a recuperou parcialmente, ensaiando uma reinvenção metalinguística agora, em plenos anos 2000.

  De todos os astros de ação surgidos na década de 80, Van Damme era o mais bagaceira de todos. Enquanto Schwarzenegger cercava-se de bons realizadores e aqui e ali realizava bons filmes independente de sua parca habilidade como ator, Stallone sobrevivia à custa de seus Rambos e Rockys e Seagal surgia como um embuste rapidamente abortado, Van Damme abraçava o cinema B com vontade. Seus filmes me atraíam quando moleque porque eram mais violentos que os da concorrência, cheios de pancadaria e com muita mulher pelada. Para um moleque nos seus 13, 14 anos, isso era o paraíso. Lembro de grandes sessões em vídeo: "Garantia de Morte", "Cyborg", "Kickboxer", "Leão Branco - O Lutador Sem Lei" e a obra máxima, "Bloodsport - O Grande Dragão Branco". Todos horríveis, todos clássicos, introduções pernetas ao mundo do grande cinema tosco de ação.

   E quando entrou no esquema dos grandes estúdios, foi tragado pela megalomania e esculhambou uma carreira promissora. Trouxe John Woo para os Estados Unidos sob um contrato com a Universal de três filmes. Mas o sábio Woo realizou apenas o primeiro, "O Alvo" (1993), e caiu fora para abraçar uma carreira vitoriosa, enquanto Van Damme ficou a ver navios, sempre à mercê de diretores de segunda categoria e roteiros péssimos. Sua tentativa de emplacar um grande hit na Universal gerou o catastrófico "Street Fighter", adaptação do jogo para videogame imensamente popular na época. O filme foi um fracasso de crítica e público retumbante e Van Damme foi para a Columbia Pictures, onde realizou três péssimos filmes que selaram sua queda para a terceira divisão do cinema de ação. Risco Máximo (96), A Colônia (97), e Knock Off (98) são bombas inegáveis, mas que acabam se tornando interessantes na carreira do astro, pois os três contaram com a direção de dois cineastas chineses de ação que à exemplo de Woo estreavam sob os auspícios de Van Damme: Tsui Hark (veterano que produziu o início de carreira de Woo em filmes como Alvo Duplo) em A Colônia e Knock Off e Ringo Lam em Risco Máximo.

 Revi Risco Máximo no último final de semana e acho que é um dos melhores filmes ruins de Van Damme. É cheio de falhas no roteiro. Mas Ringo Lam, o realizador de City of Fire, filme que Tarantino 'emprestou' para a realização do seu Cães de Aluguel, não é qualquer um. Ao contrário de seus compatriotas Woo e Hark, Ringo Lam tem uma pegada mais setentista e menos alucinada. Sua condução nas cenas de tensão é legítima. Muito habilidoso no uso do foco crítico na ação e sempre firme na edição. Você compreende a geografia das cenas de luta. As perseguições funcionam. É uma pena que o filme tenha se perdido em algum ponto no roteiro, que consiste no policial francês interpretado por Van Damme investigando a morte de seu irmão gêmeo separado no nascimento, envolvido com a máfia russa e policiais corruptos. Ele assume a identidade do irmão e se infiltra na quadrilha tentando descobrir o que aconteceu de fato com seu duplo.

    É um ponto de partida batido, mas grandes filmes policiais como Os Infiltrados, Fogo Contra Fogo, Ronin e tantos outros também possuem argumentos banais. É a habilidade do diretor em conduzir esse roteiro de maneira satisfatória que torna o filme interessante, e isso Ringo Lam não faz. Não sabe driblar maus atores, diálogos ruins e soluções pífias. Mas consegue um registro de ação digno e acerta a mão na ambientação, seja em Paris ou quando se desloca para a Little Odessa ,bairro reduto da Máfia Russa nos EUA. Conduz o filme até o final com um lampejo aqui e ali de dignidade, mas não consegue tirá-lo do lugar comum.

    Quase quinze anos depois, Van Damme realizou o primeiro filme realmente bom de sua carreira. "JCVD" é uma mescla de thriller de assalto com metalinguagem em que Van Damme interpreta...Van Damme: um astro cinquentão, decadente, cheio de dívidas que se vê no meio de um assalto numa agência dos correios na Bélgica e repassa sua vida num monólogo arrepiante de dez minutos, quebrando a quarta parede cinematográfica e confessando para nós, seu público, todos os seus arrependimentos e anseios. Esses dez minutos valem por todos os filmes que ele fez. Apenas não sei se a essa altura do campeonato nós, admiradores do bom e velho Van Damme tosco e B, estaríamos dispostos a trocá-lo pelo Van Damme bem-intencionado e bom ator.
 
Afinal, depois que até Keanu Reeves e Cameron Diaz se tornaram autoridades em artes marciais, o moleque em mim anseia mesmo é pelo retorno de um cinema-pancadaria mais ególatra e inconsequente. De baixa qualidade, com sangue e mulher pelada. E chutes giratórios, por favor.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O Palhaço (Idem, Brasil, 2011, 88 min.)

    Tem sessões de cinema que, por razões as vezes alheias ao próprio filme, se tornam inesquecíveis. Me lembro claramente quando, numa noite de calor em 2000, fui ao SESC aqui de Araraquara conferir, numa exibição ao ar livre, o filme de Luís Fernando Carvalho baseado na obra de Raduan Nassar, "Lavoura Arcaica". Saí extasiado por diversas razões: o clima de reverência da sessão em si, a complexidade da obra, dirigida com afinco por Carvalho, a entrega dos atores. Raul Cortez, Simone Spoladore e...Selton Mello. Até então Mello era mais um ator de tv que tentava a sorte na tela grande após um grande sucesso (O Auto da Compadecida, de Guel Arraes) e em "Lavoura" surpreendia num papel de filho rejeitado. Era uma entrega, uma raiva difícil de esquecer. E uma promessa de ator que poderia ou não se concretizar.

   Eis que estou aqui, dez anos depois, para dizer que Selton se tornou não apenas um ator único, conseguindo equilibrar versatilidade no cinema e uma carreira de astro de tv incomum no Brasil (note como diferente de muitos de sua geração, só topa séries, projetos fechados que se destacam mais na cabeça do público volátil de televisão). Se tornou ainda um diretor, arrisco dizer um cineasta relevante, com identidade visual e bom gosto na escolha de projetos.

   Seu primeiro projeto em 2008, "Feliz Natal", era um drama de tintas carregadas, influenciado pelo cinema de Lucrecia Martel e o naturalismo de "Sombras", obra seminal de Cassavetes. Já apresentava ali duas de suas características mais marcantes: o casting inspirado, principalmente em pontas inesquecíveis (Lúcio Mauro como um chefe de família assustador, Darlene Glória fazendo uma matriarca decadente), e um cuidado na elaboração do roteiro e na mise-en-scène incomum para realizadores nacionais, até veteranos.
 Ao mesmo tempo, era de se notar sua preocupação temática: o núcleo familiar em dissolução, uma crise moral que assolava todos os personagens e era presenciada, de maneira crua e eficaz, sempre pelas crianças. É um grande filme.

    E que alegria confirmar que mais da metade dessas qualidades estão presentes de maneira bem dosada por Mello em seu segundo e consagrador filme, "O Palhaço", um verdadeiro tributo a todo tipo de artista que algum dia ousou se questionar sobre sua habilidade, sua capacidade de ver o mundo sob um viés mais otimista. É a história de Benjamim, um palhaço de circo que junto à sua trupe familiar circense roda um Brasil atemporal, rural, levando um pouco de alegria aos recônditos esquecidos do país.

   Mas há um problema. Benjamim não consegue encontrar mais paixão no que faz. Perdeu a capacidade de ver o belo da vida há tempos. Seu pai, palhaço experiente interpretado com afeto e emoção inenarráveis por Paulo José, sabe que este é um calvário que o filho terá de atravessar sozinho. A busca pela identidade, a viagem pelo mundo que o fará entender um pouco mais sobre si mesmo e o próprio ofício. Rir e fazer rir. Novos ares, ventos de mudança. E não é à toa que o ventilador é uma obsessão quase recorrente de Benjamim durante o filme. Selton domina a metáfora e a torna simples, mas não desprovida de significado.
Dirige com esmero nos enquadramentos, sabe quando o filme pode aliviar e pegar pesado no sentimento de inadequação do personagem. Existe algo de Tim Burton, uma esquisitice simpática, um quê dos ciganos amalucados de Emir Kusturica, e muito de Wes Anderson. Mas sempre essencialmente brasileiro, sem se deixar soterrar por essas influências.

   E ainda há participações preciosas de gente como Moacir Franco e Jorge Loredo, o Zé-Bonitinho, em pontas impagáveis, momentos-chave do filme que Selton confia a esses veteranos. Eles não decepcionam. De certa forma, é como se o ator-diretor olhasse para os grandes do passado de maneira a poder seguir em frente com uma identidade própria, mas com uma consciência de que todo tipo de arte é como um manto herdado. Toda a angústia que um artista passa no processo criativo já foi sentida de maneira maior ou menor por outro lá atrás. E é esse conhecimento em história, essa atenção aos artistas veteranos que talvez o faça entender que se eles chegaram até ali, refinando seu ofício sem esconder as marcas da vida...quem sabe a nova geração também possa seguir adiante. Sorrindo aqui e ali.

A Pele Que Habito (La Piel Que Habito, ESP, 2011, 117 min.)

     Há tempos não via um filme tão bom como esse 'A Pele Que Habito', nova obra de Almodóvar que funciona como uma verdadeira maratona de patologias autoreferentes embaladas no melhor cinema que o autor espanhol produziu desde sua obra de 1999, 'Tudo Sobre Minha Mãe'. É um misto de filme fantástico (a qualquer momento pensei que iria descambar para um 'Noiva do Reanimator', podreira de Brian Yuzna, mas ledo engano folks, isto aqui é cinema classudo) com a marca indelével de Almodóvar. Todas as suas paranóias sexuais alcançam aqui o zênite, graças a um roteiro espetacular de sua autoria, baseado no romance 'Tarantula', do autor francês Thierry Jonquet.

    Um cirurgião plástico brilhante, Robert Ledgard (Banderas em grande forma), traumatizado com a perda grotesca de sua esposa, passa a recriar, reformar, burilar, transformar em laboratório uma nova mulher (a deslumbramte Elena Anaya): um experimento, um rato de laboratório que tem consciência de seu papel como objeto de obsessão do renomado cirurgião - curiosamente de origem brasileira, referência confessa do cineasta ao Dr. Ivo Pitanguy.

   Mas isso é só a camada superficial, o 'macguffin' de Almodóvar para nos mergulhar em uma trama cuja idéia principal é a extrema punição em vida: para além do óbvio aceno ao cinema de gênero - o horror de Frankenstein - com suas convenções bastante rígidas, existe uma idéia de morte que se consuma o tempo todo: o perigo e o desejo são reais, e a punição pelo desejo é sempre catastrófica, moralista. Existe toda uma subtrama familiar que dá estofo ao argumento inicial, e essas relações cíclicas de mães e filhos que se afastam e se aproximam são a marca do cineasta.

  Em um momento singular da fita, Ledgard (Banderas), usa uma navalha de maneira que faz lembrar em linha direta Buñuel em 'Um Cão Andaluz' e claro, Hitchcock. Mas a mutilação que pertence ao assassino do filme de horror banal não é o objetivo claro do diretor: o que está em jogo aqui é uma idéia macabra de rearranjo e interpenetração...é algo que não pode ser revelado sob pena de se perder a grande virada da trama, mas pode-se adiantar que há tempos a temática habitual de Almodóvar não encontrava soluções tão férteis e doentias do ponto de vista criativo. Mas nota-se que em momento algum se perde a humanidade de vista. Não cai na caricatura, tampouco vira um thriller barato. Ainda é um drama típico com as características do realizador.

   A diferença primordial é que desta vez além do estudo de personagens característico do cineasta, existe um 'plot', uma trama para qual tudo converge. As elipses, os flashbacks, narrações em off...todas as peças do filme existem de maneira a exercer funções simbólicas. Á moda dos grandes artistas, Almodóvar subverte um gênero. Parte do lugar comum para dizer coisas que lhe são caras, e com isso sai de sua zona de conforto e realiza seu melhor filme em muito tempo. Cru, desagradável, delirante, mas com uma força tamanha que é impossível negar sua energia pura de cinema que brota de suas imagens e palavras.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O Melhor Show de Rock que Eu Já Vi (Não Existe) - Pearl Jam no Morumbi - 03/11/2011

     Desde a  madrugada de sexta passada eu não consigo esquecer a experiência que foi o show do Pearl Jam no Morumbi. Foi, de longe, a apresentação de rock mais honesta que eu já vi de uma banda que goza do nefasto status de 'megabanda', alcunha esta, vale a pena ressaltar, aferida à contragosto dos membros do grupo. Houve um desprendimento, um sentimento de rock de bar, de inferninho, que já estava anunciado desde a performance elétrica da veterana 'X', punks californianos que tem como única promessa e compromisso tocar como se não houvesse amanhã...é música crua e descompromissada, tudo o que uma noite nublada e muito fria pedia. Sem firulas, sem acessórios...só a excitação.  

     Voltando um pouco: dentro do estádio, tentei capturar o espírito da noite; qual seria o zeitgeist de um grupo de pessoas que em plena quinta-feira se reúnem para testemunhar um show de rock? Em vão. Mistura ácida, azeda até: playboys, patricinhas, apreciadores, jovens que pensavam estar numa balada...desanimo, fico disperso. Me pergunto se ainda existe algum significado nesse tipo de reunião que não seja um puro simulacro de Disneylândia, uma Las Vegas roqueira mofada, preocupada apenas em vender memorabilia e cerveja para jovens incautos que tentam desesperadamente alcançar um tempo que passou há tempos. As máquinas fotográficas pululam, os celulares são sacados à uma velocidade impressionante e a última coisa que passa pelos corações e mentes é a música. Nunca precisei de souvenir especial para me lembrar de momentos especiais...a lamentável procissão das camisetas arrogantes, afirmando, erguendo o troféu: "Eu Fui!!". Vade retro. Para além da pirotecnia, me basta saber que o som saindo das caixas é realmente executado pela banda que vejo à alguns metros de distância. O resto é distração.

       Mas afinal, o que EU esperava do Pearl Jam? A 'outra' banda do Grunge (péssimo termo, é so hard rock de Seattle, folks), o 'Messias' de nossa geração: Eddie Vedder. Uma banda munida de referências intocáveis: Ramones, The Who, Zeppelin, Neil Young. A briga com a Ticketmaster, na metade dos anos 90. Seus shows mitológicos de quase três horas(e quem esteve no Pacaembu em 2005 sabe disso melhor), seus setlists imprevisíveis. As canções épicas...a honestidade da performance.

      Então, poucos instantes antes do início, concluí que a exigência principal, para mim, seria a emoção genuína. 'Aquele' momento, aquele erro, uma alongada num solo que pode correr diferente da gravação original. Qualquer coisa que me fizesse crer que mais do que uma máquina executando hits de maneira burocrática, ali estavam caras como eu, que montaram uma banda de rock porque simplesmente gostam muito de música e conseguem ver as canções como uma resposta e um comentário ao mundo às vezes por demasiado chato.

       Me enganei redondamente.

    O que Vedder e seus comparsas aprontaram nas quase duas horas e meia seguintes foi muito além disso. Como em toda Grande Arte, ela não se anuncia como 'inteligente' ou 'grandiosa'. Começa de maneira lenta, sem grandes pretensões (a entrada diferente de tudo que eu já vi, com a cadenciada e épica 'Release'), e aos poucos toma todos os espaços, te coloca no meio de um furacão. É preciso se segurar. Muitos que foram apenas para cantar os famigerados hits talvez não tenham compreendido a proposta da banda: trata-se de dar um passo para trás e apreciar o quadro completo. Aos poucos, as canções formavam blocos que realmente transmitiam algo. A sequência com 'Save You', 'The Fixer' e o arrasa-quarteirão 'Do The Evolution' ilustrou de maneira perfeita a idéia de altruísmo-nem-que-for-na-porrada, o supra-sumo da filosofia Vedder. Emoção transmitida através das canções, ora em lamentos épicos ('Black' em uma versão de mais de 10 minutos!)que lembravam a velha Crazy Horse de Neil Young, ou punk energético...Ramones encontrando Tom Petty e Pete Townshend na melhor tradição do rock energético que na virada dos anos 90 foi chamado de...Grunge.

          Isolado numa ilha de som perto de uma banca de merchandising da banda, consegui encontrar a paz de espírito e a solidão para sorver em goles generosos o vinho de boa safra do Pearl Jam. Com as caixas de som coladas aos meus ouvidos e a imagem da banda cristalina à uma distância maior, o frio implacável tornava a noite mais memorável...como um teste de resistência. Talvez seja idiotice minha, mas não há nada mais motivacional do que ver centenas de pessoas à sua volta entoando um refrão, pulando, dançando num frio de 7, 8 Graus...é algo para ser contemplado com atenção: momentos que nos escapam, parecem sonhados até.

         E ali, sozinho, Vedder conseguiu a grande proeza do rock de estádio: comunicou uma emoção universal e ao mesmo tempo fez o sentimento bater de maneira particular em cada pessoa do recinto. Quando dedicou 'Come Back' para o falecido guitarrista Johnny Ramone, transformou uma canção de lamento amoroso pelo retorno da pessoa amada em algo muito maior: a conexão emocional estabelecida pela saudade do velho roqueiro morto pelo câncer, e consequentemente a saudade dos Ramones desencadeou a memória afeitva de muitos (tá bom, eu) no estádio.

    E então 'Come Back' se tornou a trilha sonora para aqueles que sentem a falta de alguém. Pode ser a namorada, a esposa, o filho, o pai, o avô, a avó...pode até ser mesmo saudades de si mesmo. Da época em que um show de rock não precisava de tanta análise...tanta justificativa. Enfim, enquanto o abençoado guitarrista Mike Macready destroçava sua guitarra em um solo longo e dolorido, um filme passava na minha cabeça...e eu consegui alcançar a emoção genuína que procurava no parágrafo lá em cima.

    Depois disso, veio a catarse: 'I Believe In Miracles' e 'Alive', juntas, cantadas em uníssono por 50 mil pessoas me deram a certeza de que eu estava testemunhando algo muito especial. Nem precisava encerrar com 'Rockin' In The Free World' , nem precisava bajular o Brasil...para mim o momento já estava consumado e o caneco já era meu, nenhuma jogada no tapetão iria tirar os pontos dessa noite tão incrível.

    Mas meus amigos, a mágica, como tudo nessa vida, não dura para sempre. São momentos fugazes e depois...de volta à programação normal. Por isso é tão difícil comprovar um milagre: o extraordinário está, enfim, nos olhos da testemunha. Contar, tentar recuperar um momento através da memória é uma vã tentativa de capturar o raio na garrafa duas vezes...mas de vez em quando, o milagre acontece.

   Conclusão: se é possível classificar, esse Pearl Jam na quinta passada entra para o rol das grandes experiências que eu já vivi. Pode ter sido o grande show de rock que eu sempre esperei assistir, mas não sei se isso existe. Acho que aconteceu mesmo na minha cabeça...e olha que minha canção favorita só foi tocada no dia seguinte: 'State of Love and Trust'. Seus versos me assombram já fazem mais de dez anos:

'And I listen for the voice inside my head
Nothin', I'll do this one myself '

Já pensou se eu tivesse visto isso na sexta? Funciona assim: para mim, chegar à perfeição pode ser perigoso...o grande barato é viver na borda da perfeição, contemplar aquilo que pode ser...é o 'quase' que faz a gente continuar perseguindo o 'Mystery Train' que Elvis perseguiu a vida inteira...e é assim que eu quero para mim. Então essa coisa de 'show da minha vida' não existe! Sem ponto final, sem 'topo do mundo'...os Road Movies deixaram a lição: é a viagem, e não o objetivo, que valida todo o resto.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Drive (Drive, EUA, 2011, 94 min.)

  Lembra da última vez que você viu um filme que fica dias e meses na sua mente, te impedindo de assistir qualquer outra coisa? Aquele tipo que entra na sua corrente sangüínea e ao mesmo tempo consegue a proeza de te fazer ver o mundo com uma nova trilha sonora, como se tudo dali em diante fosse banhado por uma nova luz, um pouco mais...cinematográfica. É delírio, eu sei. Mas nos colocar sob esse signo de paixão quase irresponsável não é mérito, afinal, da arte?

  Se procurarmos com atenção, com um pouco de sorte nos deparamos na hora certa com um filme que não é somente "sensacional", ou "fantástico", ou "incrível", ou meramente divertido, mas realmente substancioso. Por um processo evasivo mas tangível, alguns filmes derrubam todas as nossas defesas e dão sentido a todos os medos e desejos que evocamos neles.

  Dessa maneira, eles expõem tudo o que escondíamos no íntimo e dão um sentido a isso. Apesar de ser uma outra pessoa que conta a história, a experiência é como uma confissão. Nossas emoções disparam a loucos extremos; nos sentimos ao mesmo tempo enobrecidos e desvalorizados, redimidos e condenados. Testemunhamos que é disso que se trata a vida, que é para isso que ela serve. Porém é esse mesmo reconhecimento que nos faz entender que a vida jamais pode ser tão boa, tão inteira. Com uma clareza que a vida nos nega por suas próprias e boas razões, vemos lugares aos quais nunca poderemos chegar.

 Uma coisa assim acontece quando tem que ser.

  Drive é um filme maior, que possibilita inúmeras leituras. Todas válidas, todas possivelmente incorretas, mas principalmente é o filme de gênero mais democrático da nova década que chega. Na sua estrutura de thriller criminal, correm livremente referências que vão dos filmes de John Hugues à Jean-Pierre Melville, passando por Shane-Os Brutos Também Amam e Encontros e Desencontros. Mais uma vez a praga das múltiplas referências pode assustar o cinéfilo escolado, pensando se tratar de um carbono de Tarantino, que por sua vez já é também um derivativo.

  Mas a estrela do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn brilha mais forte. Realizando aqui sua obra definitiva em solo estadunidense, Refn trabalha com o roteiro de Hossein Amini, baseado no romance de James Sallis. E surge como um novo referencial para esse tipo de filme. É com prazer que vemos em Drive nascer o 'pós-Tarantino': um cinema de ação construído sob um punhado de referências, mas que leva a brincadeira um passo adiante, adicionando uma pegada própria, mais minimalista. Ao mesmo tempo abertamente fetichista e emocional, causando um impacto no espectador através de som e imagem, com pouquíssimos diálogos. Provocando uma sensação de lugar e envolvimento difícil de ser encontrada no cinema atual.

 O personagem do motorista solitário, dublê em filmes de ação, mecânico e piloto de aluguel para roubos ousados é a personificação do peregrino que vaga sem motivação pela metrópole, em busca de uma causa. Um sozinho sem lar, um psicopata com um coração de ouro. É o Travis Bickle de Taxi Driver, revisitado em toda sua inocência e desesperança pelo olhar melancólico do ator Ryan Gosling, que atravessa o filme nos fazendo crer que ainda é possível seguir os passos de Pacino em Um Dia de Cão: os olhos sempre devem dizer mais sobre a motivação do personagem do que longos monólogos. Seria fácil, pelo tema do filme e a referência óbvia - carros e assaltos - ligá-lo a Steve McQueen e a tradição do cinema de ação dos anos 70, mas Refn e Gosling vão além: o que temos aqui é um homem andando na corda bamba do amor e do ódio, que pode explodir à qualquer momento. Capaz de grande selvageria, inusitada ternura e surpreendentemente lacônico. A carga emocional carregada pelo 'motorista' (assim mesmo, sem nunca revelar o nome) é um pólo de tensão que sustenta o filme.

  Na outra ponta da corda temos Irene (Carey Mulligan), o arquétipo da donzela fragilizada, em apuros, à espera do cavaleiro que virá salvá-la e derrotará o dragão. Nessa estrutura de fábula proposta pela obra, Irene e seu filho Benício são o ideal de pureza, o bem que não pode ser maculado. A atração entre ela e o 'motorista' é imediata: Refn constrói uma paixão avassaladora em planos intensos, longos, cheios de clima e acompanhados por canções atípicas, todas evocativas dos anos 80, comentando de maneira quase inocente as cenas de sedução. É um romance anunciado por quase toda a primeira metade do filme.

  Mas esse paraíso logo vai se tornar inferno com a saída do marido de Irene da prisão. Standart Gabriel (Oscar Isaac) logo vai tratar de envolver o motorista, sua mulher, seu filho e mais um punhado de coadjuvantes numa trilha de sangue que muda completamente o rumo do filme. Existe um vilão, interpretado com garra pelo veterano Albert Brooks e seu capanga, Nino (Ron Perlman). Ambos parecem ter saído das páginas da HQ 100 Balas. São caricaturais, venais, perversos. Representam o mal encarnado, a última fronteira que separa o nosso amigo motorista de levar uma vida idílica ao lado de Irene e Benício.

  Uma vez me disseram que as histórias são sempre as mesmas. Eu concordo com isso. O que realmente importa é como elas são contadas. E pode ter certeza de que o plot, o argumento de Drive não é original. Suas situações já foram revisadas centenas de vezes. Mas o olhar do diretor Refn purifica esses clichês e nos entrega uma experiência diferente de tudo já feito no gênero. Um filme de ação com sentimento, coisa rara. Filmado como se estivesse à beira do abismo e isso não é uma metáfora: sua representação transmite a sensação de que a obra está, o tempo todo, nadando contra todas as correntes.

 É claro que outros filmes virão. Nicolas Winding Refn tem 40 anos e nove filmes nas costas. Isso não é muito e eu acho que apenas Drive pode ser chamado de trabalho maduro. O que assusta em Refn é que ele está apenas começando. Considerando o que seu filme fez para mim nestes últimos dias, essa é também a afirmação mais positiva que eu consigo evocar, sobre cinema ou qualquer outra coisa.

domingo, 18 de setembro de 2011

The Driver (The Driver, EUA, 1978, 91 min.)

  E eis que o ciclo de filmes policiais anos 70/ começo dos 80 chega ao final com 'Driver', fita de 1978 que traz a direção do expert no gênero Walter Hill e é estrelada por Bruce Dern (no auge da loucura), a então novata (e linda) Isabelle Adjani, e Ryan O'Neal, galã de 'Love Story' e ' Barry Lyndon', fazendo aqui o papel-título, emulando os maneirismos de Steve McQueen, que não aceitou fazer o filme por achá-lo muito parecido com seu triunfal 'Bullitt', filmaço que revolucionou o cinema de ação em 1968, trazendo o astro fazendo suas próprias cenas de ação, dispensando dublês numa sequência rodada nas ladeiras de San Francisco dirigindo um Mustang GT 390 Fastback em manobras ousadas até para dublês veteranos.

  Mas 'Bullitt' fica para outro dia. 'Driver', um misto de faroeste moderno com perseguições insanas de carro, conta a história do personagem título, cujo nome nunca é revelado. Sua especialidade é dirigir carros em fuga para assaltantes. Seu método é minimalista, assim como seu discurso: ele simplesmente age, e esse ação é completamente descritiva. Um fora da lei que só existe em celulóide, esse 'driver' é antes de mais nada filhote de McQueen, Charles Bronson e principalmente Alain Delon em 'O Samurai', de Melville. Sua existência é definida puramente pelas missões que recebe, e essa presença taciturna faz o charme da fita. Numa época de pretensos machões, chorões que falam muito e fazem pouco, um protagonista silencioso diz muito sobre como o herói de ação era encarado há 20, 30 anos atrás. Ryan O'Neal não é um grande astro, não possui carisma, e isso colabora mais ainda com o distanciamento emocional necessário para não nos identificarmos ou torcermos pelo personagem.

  Carisma para dar e vender tem Bruce Dern, interpretando 'o detetive', policial esculachado e cheio de frases prontas que toma a perseguição contra o 'driver' de maneira pessoal. Quando Dern aparece em cena, é sempre um barato vê-lo doidão, vomitando regras furadas, discursos vazios e proferindo ameaças. Na obsessão de capturar o anti-herói, contrata uma gangue de assaltantes e os obriga à contratar o motorista para um assalto, que monitorado pela polícia pode resultar na captura que tanto deseja. É claro que as coisas se complicam, envolvendo Isabelle Adjani como uma suposta testemunha de uma das fugas espetaculares do motorista e várias reviravoltas e cenas inacreditáveis de perseguição policial.

  Curioso como esse filme simplesmente passou por baixo do radar de colecionadores e apreciadores do gênero. De fato não é uma fita que busca originalidade, mas Walter Hill, que foi colaborador de Peckinpah e dirigiu clássicos como 'Lutador de Rua' e '48 Horas' entende de ação como poucos. Sabe ser minimalista na condução do roteiro sem perder a levada acelerada do filme, e mantém o interesse tanto em cenas movimentadas (muito bem conduzidas numa Los Angeles sempre notívaga) quanto em cenas íntimas, de interiores, onde a sordidez dos ambientes como hotéis baratos, botecos e ruas mal-iluminadas contrastam muito bem com a ambigüidade dos personagens. Destaque ainda para duas cenas de perseguição automobilística que merecem figurar entre as melhores já realizadas até hoje.

   Encerro aqui esse pequeno ciclo que revisou de maneira modesta três filmes americanos um pouco mais obscuros que, cada um à sua maneira, ajudaram a definir o cinema policial de ação adulto. Realizados por grandes diretores, são o lembrete de que o feeling e a compreensão dos símbolos e, porque não dizer, 'clichês', funcionam muito mais do que um grande orçamento e astros fabricados. Alguns diretores contemporâneos como Tarantino e Nicolas Winding Refn parecem ter herdado essa sensibilidade. Outros como Fincher e Nolan parecem retrabalhar essa iconografia e apresentá-la em novos contextos, em filmes como 'Seven' ou 'Insônia', respectivamente. Não importa. O grande barato da pesquisa e análise dos filmes  é justamente a habilidade minha e sua, que está lendo isso, de processar essas referências, encontrar pontos de intersecção nas idéias e abordagens desses grandes autores e, com o tempo, desenvolver uma nova maneira de apreciar filmes que numa primeira projeção parecem banais na superfície, mas que tem muito a oferecer. Basta olhar com um pouco mais de atenção.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Viver e Morrer em Los Angeles (To Live and Die in L.A., EUA, 1985, 117 min.)

   Hoje é a data de estréia nos cinemas americanos daquele que possivelmente se tornará o grande filme do ano para amantes dos filmes de ação mezzo Pulpy/ Noir: Drive, de Nicolas Winding Refn. E esse blog divulga a crítica do segundo filme que faz parte do  pequeno ciclo de obras que serviram como fonte de inspiração para o diretor Refn na realização de seu novo trabalho.

  'Viver e Morrer em Los Angeles' é um filme policial que conta uma história muito simples: um detetive de Los Angeles (William Petersen, que trabalhou com Michael Mann em Manhunter e posteriormente se tornou astro da série de TV C.S.I.) sai à caça de um sociopata falsificador de notas, interpretado com verve pelo grande Willem Dafoe.

  Tomando partido desse argumento batido, William Friedkin faz aqui seu melhor filme desde  'Sorcerer-Comboio do Medo', refilmagem de 'O Salário do Medo' que Clouzot realizara em 1953 e Friedkin refilmara com Roy Scheider em 1977. Friedkin é diretor com mão pesada, que se encaixa perfeitamente em projetos como os seminais Operação França e O Exorcista. É uma questão de gosto pelo lado escuro da natureza humana, um modo de ver o mundo que para um filme como esse 'Viver e Morrer em L.A.' caiu de maneira perfeita.

  A Los Angeles retratada pelo filme é a dos becos-sem-saída, dos ferro-velhos: suja, feia, perigosa. Acompanhamos a descida ao inferno do detetive ao mesmo tempo em que Friedkin faz a tradução visual da decadência moral descrita no roteiro. É um mundo de traidores: informantes, traficantes, policiais. Ninguém sai ileso, mas ao mesmo há um senso de beleza meio esquisito que nos lembra: estamos em 1985. Isso aqui ainda é antes de Tarantino, antes do ultra-realismo de Paul Greengrass. Há uma influência forte de Miami Vice, e por extensão, o nome recorrente ao cinema policial da época: Michael Mann. É uma busca pelo realismo que se traduz mais no modus operandi de mocinhos e bandidos (Friedkin declara nos extras do dvd que trabalhou com vários consultores policiais para dar verossimilhança à linguagem e ações dos personagens, coisa inédita para a época) do que no aspecto plástico do filme, coloridíssimo e pontuado por canções típicas da época, emulando os sintetizadores de Giorgio Moroder ou a própria trilha sonora de Thief composta pelo grupo Tangerine Dream.

  Friedkin ficou famoso pela sua perseguição de carros em Operação França e aqui ele retoma essa regra obrigatória que faz parte do cânone das produções policiais americanas. Por dez minutos, acompanhamos, quase sem diálogos, um longo exercício de estilo, onde a câmera do diretor não mede esforços para nos inserir no meio de uma frenética corrida de carros. Merece entrar para a lista das grandes cenas de ação já filmadas. Contando na época apenas com logística e uma vontade feroz de realizar uma sequência das mais ousadas já concebidas, Friedkin e seus colaboradores interditaram várias ruas de Los Angeles. Rodaram, durante o dia, talvez a maior perseguição de carros realizada nos anos 80. É uma marca registrada do diretor que aqui se adequou perfeitamente ao material. Ele ainda tentaria uma cena parecida, mas dessa vez com resultados desastrosos, no péssimo filme' Jade', fita de 94 com David Caruso e Linda Fiorentino.

  Curioso observar que 'Viver e Morrer em L.A.' não é mesmo o tipo de filme sobrevivente ao teste do tempo. Pelo contrário. Seu charme reside justamente em sua inadequação, em como ficou congelado em seu retrato de uma época de exageros e imperfeições. Mas são justamente essas imperfeições que fazem do filme tão esquisito e interessante, quase um alienígena ao meio das produções realizadas na época. É a marca do diretor William Friedkin, que mesmo irregular, sempre faz de seus filmes experiências memoráveis. Felizmente, esse filme é mais um exemplar do seu virtuosismo na direção de fitas policiais.


(No terceiro e último filme do ciclo, comentarei o filme 'Driver', produção de 1978, dirigido por Walter Hill, com Ryan O'Neal, Bruce Dern e Isabelle Adjani.)

sábado, 10 de setembro de 2011

Profissão, Ladrão (Thief, EUA, 1981, 117 min.)

   Após um longo tempo sem postar neste blog, o escriba que vos fala poderia comentar muitos filmes novos que já foram vistos e devidamente absorvidos (A Árvore da Vida, Um Sonho de Amor, entre outros), mas devido à proximidade da estréia nos EUA daquele que pode se tornar o grande filme de 2011, Drive, de Nicolas Winding Refn, esse blog começa aqui um pequeno ciclo de três filmes quintessenciais para se entender o cinema de ação do final dos anos 70/começo dos 80, pré-Duro de Matar. Fitas policias herdeiras de alguma estrutura dos faroestes e sempre dirigidas por grandes nomes como Michael Mann, William Friedkin e Walter Hill. Como já consegui apurar por sites e revistas importadas, esse subgênero cinematográfico foi o referencial do diretor Refn para a realização de Drive. Então nada mais justo do que revisitar filmes aparentemente esquecidos por aí, nas prateleiras das locadoras, nos canais da Tv a cabo, nos torrents da vida.

  Hoje é com muita satisfação que comento o grande filme Thief- Profissão Ladrão, obra de 1981 que marcou a estréia de Michael Mann na direção de longas para cinema. É estrelado por James Cann em atuação extraordinária, coadjuvado por Tuesday Weld, James Belushi e Robert Prosky.

  O personagem-título é um negociante de carros usados, Frank (James Caan), ex-presidiário que ganha a vida de fato realizando roubos ousados de jóias, arromabando cofres com grandes somas de dinheiro. Seu código de ética para os assaltos envolve sempre trabalhar sozinho e nunca roubar artefatos que possam ser rastreados- coleções, títulos do tesouro nacional ou moedas raras estão fora de seu escopo de ação.

  Seu único homem de confiança é Barry (James Belushi), fiel escudeiro nos roubos e de caráter inabalável. Tirando isso, Frank é essencialmente um solitário. Ganha a vida como seu próprio patrão e aprecia viver sempre por contratos abertos, nunca se apegando à nada. Evita qualquer conexão com gangues e outros criminosos, até conhecer Jesse (Tuesday Weld), garota misteriosa que age aplicando golpes aqui e ali, cujo passado insinua uma conexão com traficantes de drogas e chefões do crime.

   Não demora para um relacionamento começar entre os dois e Frank decide, súbito, que sua vida solitária e instável já não o satisfaz mais. Agora, com uma mulher em quem pode confiar e uma vida mais estável pela frente, ele quer mesmo é criar uma família, morar numa casa simples no subúrbio e abandonar os crimes de vez.

   E nada é tão simples assim. Frank, inspirado pela obsessão em mudar o rumo de sua vida, faz um pacto com o demônio. Leo (Robert Prosky), chefe do crime organizado, reconhece o talento de Frank e o alicia, junto à uma equipe suspeita, para realizar um grande assalto. E para o bem e para o mal, pode ser o último da carreira de Frank. Daí para frente o destino desses personagens está irremediavelmente selado. Não há saídas fáceis, soluções absurdas.

  Admito: Michael Mann é o diretor que de trinta anos para cá melhor soube utilizar os clichês do Grande Policial Noir Americano (assim mesmo, em maiúsculas) em favor de um cinema viril, sanguinolento, com grande senso de ética e uma ambição, uma busca quase extra-sensorial por uma espécie de Santo Graal que não existe nesse mundo físico em que nós e seus personagens habitam. Em todos seus filmes Mann discute o peso da tarefa, as relações de trabalho dentro dos moldes herdados do Faroeste. São homens que existem estritamente nos limites das funções que exercem. A vida é simplesmente uma aposta, e para Frank, voltar à prisão significa a morte. Um parti-pris ideológico muito parecido com o de Neil McCauley em Fogo Contra Fogo, vivido por Robert DeNiro. São estereótipos batidos, que nas mãos hábeis de Mann ganham um novo significado, justamente por sua obsessão em nunca fazer uma releitura ou sátira desse tipo de comportamento. Seu cinema se leva muito à sério, e até hoje suas fitas Collateral, Inimigos Públicos e Miami Vice continuam a trabalhar essa visão ética herdada do cinema americano dos anos 70 e dos romances policiais Noir de Raymond Chandler. Não há espaço para o humor negro feito de citações e colagens de um Tarantino por aqui.

Outra observação que não poderia passar despercebida é o tratamento que Michael Mann confere à ambientação dos personagens na cidade de Los Angeles. É como se para ele a cidade fosse uma musa idealizada, passível de vida apenas à noite. Ou melhor: esses personagens, marginais por convicção, saem de suas 'tocas' e realizam seus negócios ilegais sempre após a meia-noite, quando existem apenas para as luzes, distorcidas no contra-plano, quase uma pop-art que funde essa galeria de losers do sonho americano numa moldura poética, urbana e impiedosa, um deserto sentimental em plena cidade, sempre de madrugada. Ao mesmo tempo, assim como no Taxi Driver de Scorsese, é perceptível o interesse que o diretor nutre por essas figuras, transformando-nos em testemunhas de seus sonhos que não se realizarão e suas ambições impossíveis. Uma megalomania quase romântica que encontra ressonância em um momento da cultura americana muito especial, o final dos anos 70/início dos 80, quando Bruce Springsteen cantava sua ode aos excluídos, Darkness On The Edge Of Town, sobre becos sem saída e homens que não tinham outra escolha a não ser cumprir um destino trágico; mas para nosso deleite quase voyeurístico, muito cinematográfico. Não é uma crítica social, é apenas uma iconografia muito forte, um painel dos anti-heróis fracassados que sempre terão seu réquiem de luxo nas mãos de grandes realizadores como Mann.

   Um comentário aqui para aquela que após O Poderoso Chefão, é provavelmente a grande atuação de James Caan. Há uma cena em que Frank se encontra com Jesse em um desses restaurantes de beira de estrada que só existem no imaginário americano. E que cena extraordinária. Em pouco mais de dez minutos, esperando um café e um hambúrguer, Frank relata a Jesse toda sua trajetória: como fez para sobreviver na cadeia, o forte código de ética que desenvolveu; seus sonhos; suas fraquezas...tudo é desenvolvido por Caan num monólogo arrepiante, evocando de imediato as cenas de Brando com Eva Marie-Saint em Sindicato de Ladrões. É um momento único e definidor da motivação do personagem. Ao mesmo tempo, o revela vulnerável a tal ponto que invoca uma tristeza, uma melancolia cara à todos os personagens de Mann. É uma consciência de que todos personagens do filme, exceto Jesse (Tuesday Weld), não chegarão vivos ao final.

Michael Mann, o último dos grandes diretores de ação americanos - Bravo!


(Próximo filme do ciclo ação/policial 70-80: 'Viver e Morrer em Los Angeles', de William Friedkin)

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Lanterna Verde (Green Lantern, EUA, 2011, 114 min.)

   Lanterna Verde, nas histórias em quadrinhos da DC comics, ganhou muita popularidade nos últimos anos graças às sagas escritas por Geoff Johns e desenhadas por artistas como o brasileiro Ivan Reis e Ethan Van Sciver. Nunca foi uma unanimidade, mas tem um séquito fiel de seguidores e eventualmente, é um super-herói que faz parte da Liga da Justiça numa escala de poder logo atrás de Superman, Batman e Mulher-Maravilha. Junte isso ao fato de que graças à rentabilidade dos superhero movies os estúdios estão rindo à toa, e eis aí a oportunidade perfeita para mais um herói ganhar as telas com um tratamento digno, certo?

   Lamento, mas...errado. É triste dizer isso, mas Lanterna Verde é um filme em que todos os elementos estão lá, mas inexplicávelmente nunca decola, e termina deixando um gosto amargo de que não realizou seu potencial.

  Muita gente reclama que o filme conta mais uma história de origem, mas acho isso bobagem. Afinal, como primeiro filme de uma suposta série, o correto mesmo é estabelecer as fundações para que o público possa ficar confortável com o mundo do personagem nas vindouras continuações. A história de Hal Jordan, que segue os passos do falecido pai como piloto de testes e é escolhido pelos Guardiões do Universo como protetor do 'quadrante' que inclui o Planeta Terra, e ganha o anel que lhe dá poderes apenas limitados pela sua vontade ou medo está toda traduzida em celulóide, como deveria ser.

  Mas mesmo com o treino empolgante do novo Lanterna e um vilão interessante, Parallax (vivido na sua forma humana com gosto pelo esquisitíssimo Peter Saarsgard, de Educação), o filme nunca engrena. É claro que a escalação do péssimo Ryan Reynolds para viver o herói foi equivocada, mas é apenas um entre outros muito piores. A mocinha, Carol Ferris, vivida pela maravilhosa Blake Lively (The Town e Gossip Girl), também cumpre um destino estabelecido: o de acompanhante do herói, repetindo falas insossas e funcionando como muleta do roteiro para explicar ou delinear as intenções do herói.

 A verdade é que o grande culpado pelo filme ter saído tão desinteressante é o diretor Martin Campbell, profissional tarimbado, diretor de fôlego que sabe conduzir o aspecto técnico das filmagens, mas não sabe contornar um roteiro ruim. A qualidade do seu filme depende exclusivamente do texto bem-acabado que tiver em mãos. Quando pega um escriba bom, como Haggis em Cassino Royale ou Ted Elliott e Terry Rossio em A Máscara do Zorro, tudo vai que é uma beleza. Agora, se o roteiro for ruim, sai debaixo. O homem tem mão pesada, e o que é pior, aceitou fazer esse filme pura e simplesmente como um emprego, pela grana. Isso fica claro em cada frame de filme. É claro que dinheiro é bom e todo mundo gosta, mas é inadmissível em pleno 2011 um filme desse quilate ser entregue a um operário da indústria, sem a menor afinidade com o personagem, apenas batendo o cartão e dirigindo um filme medíocre com bons efeitos especiais e só.

 Na próxima vez (se houver próxima vez, claro), fica a dica: contratem pessoas que se importem de fato com a história e os personagens, de preferências fãs da HQ original. Ou pelo menos um diretor mais autoral, com intimidade com o material. Já ouviram falar em Edgar Wright? Guillermo Del Toro? Christopher Nolan? Bryan Singer? Matthew Vaughn? Pois é, todos os mencionados são de uma nova geração de diretores em completa sintonia com uma nova audiência, que exige desse tipo de filme mais do que a matinê de sábado protocolar de antigamente. Do jeito que está, Lanterna Verde é o melhor filme de super-herói...dos anos 90. E quem viu as produções da época sabe que isso não é, de modo algum, um elogio.

Planet Dos Macacos - A Origem ( The Rise of The Planet of The Apes, EUA, 2011, 105 min.)

  Como disse a imortal Beatrix Kiddo num filme antes, 'First things first': lamentável o fato dos estúdios em Hollywood não confiarem mais na memória, no discernimento, na inteligência das pessoas. O fato é que certos filmes não precisam de reinício, de reboot, de reimaginação, nada disso: eles são imortais, mantém sua marca indelével na cultura pop e tem milhões de fãs, gente fiel que faz do culto, o ato supremo da cultura pop, seu regozijo ante a tanta porcaria que vem e vai nas temporadas cinematográficas.

  Pois bem. Eis que esse 'Origem' do Planeta dos Macacos não tem nada de origem. Explico. Assim como aconteceu com Batman, James Bond, X-Men e outros, isso aqui é uma borracha total nos acontecimentos de todos os filmes anteriores da série e uma tentativa de reintroduzir o conceito para uma nova platéia, etc, etc.

  Isso é, francamente, blábláblá de executivo de estúdio. Mas enfim. Se esse eterno recomeço já gerou filhos indesejados como o ótimo, mas mal-recebido Superman de Bryan Singer, outros, como Cassino Royale e Batman Begins, são revisões das mais bem-vindas ao cânone dos personagens, adições substanciais que funcionam como versões paralelas ao universo 'oficial' dessas séries.

  E isso é Planeta dos Macacos - A Origem: um filme sensacional, que usa o nosso conhecimento prévio das regras da franquia para jogar essas mesmas numa nova perspectiva, inusitada e muito pertinente aos tempos selvagens que vivemos. O diretor Rupert Wyatt faz um ótimo trabalho ao costurar as discussões tão caras ao universo da série -humanidade, evolução, determinismo- junto com uma surpreendente mescla de estilos que adicionam uma vitalidade insuspeita à obra. Dentro do molde básico de um filme 'Planeta dos Macacos', Wyatt faz um filme de prisão, um drama muito bem ancorado pela atuação do grande John Lithgow e um terceiro ato eletrizante, que confirma o realizador como um diretor de ação de primeira linha.

A história funciona: acompanhamos a ascensão de Caesar, símio usado em experiências para a cura do Mal de Alzheimer pelo cientista Will Rodham (James Franco, cada vez mais sonolento). É claro que tudo leva à um acirramento de ânimos entre macacos e humanos, e eu não vou revelar mais nada aqui sob pena de ser um disseminador de spoilers, coisa que abomino. Destaque para a linda de morrer Freida Pinto como a veterinária ajudante do cientista.

  Ao fim da projeção, o saldo é positivo. Ao mesmo tempo em que fica um dissabor pela total erradicação da história contada nos filmes anteriores e até na refilmagem anterior de Tim Burton, é animador um cineasta com idéias tão boas ter carta branca para executar sua visão num filme comercial. Assim como em X-Men- First Class, a Fox demonstra grande boa-vontade em revisitar, mesmo que desnecessariamente, conceitos ótimos por autores muito competentes. Então fica assim: mesmo sabendo que se trata de uma manobra mercadológica, é honesto, é um ótimo filme e, se der dinheiro, que venham as continuações. Que contradição.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Atração Perigosa (The Town, EUA, 2010, 125 min.)

   Sem brincadeira: que tristeza é ver esse segundo filmaço de Ben Affleck como diretor (aqui também como ator principal) sendo esnobado no Brasil e não ganhando o merecido reconhecimento de crítica e público. Atração Perigosa ('tradução' estapafúrdia do título original, The Town) é um filme policial na tradição de Os Infiltrados e Fogo Contra Fogo, clássicos onde a obstinação de homens dos dois lados da lei é mais intensa que tiroteios ensurdecedores pela cidade (aqui Affleck filma Boston, sua cidade natal que sempre é retratada com muita sensibilidade pelo diretor/ator desde sua parceria com Matt Damon em Gênio Indomável).

   Conta a história de Doug McRay (Affleck), ladrão de bancos que junto á sua gangue promove um verdadeiro arrastão pelos bancos de Boston. Desde muito jovem fazendo parte de um microcosmo criminal que envolve família e amigos de infância (como o contratante vivido pelo falecido Pete Postlethwaite e o parceiro no crime sanguinário e instável interpretado pelo ótimo Jeremy Renner), McRay foi escolhido pelo crime desde seus antepassados. Uma geração inteira de criminosos que não possuem outra escolha a não ser o assalto. Essa idéia familiar de contravenção é tão bem desenvolvida por Affleck quanto as cenas de ação, que explodem na hora certa: magistrais e cruas, lembrando Siegel, Mann, Friedkin.

  Mas o estopim da virada para o jovem ladrão é a paixão por uma de suas vítimas, Claire (Rebecca Hall, belíssima atriz de Vicky Cristina Barcelona). Testemunha e traumatizada por um roubo no qual McRay e seus comparsas foram responsáveis, primeiro cabe ao ladrão monitorá-la e eventualmente matar a garota, caso ela revele saber demais sobre o ocorrido. Mas seguindo a grande tradição do filme policial americano, McRay se afeiçoa por Claire, o que muda todas as relações com a família criminosa, e o coloca em uma posição vulnerável para si mesmo e toda sua gangue. Com o FBI em seu encalço, simbolizado pelo obcecado agente Frawley (Jon Hamm), McRay precisa realizar seu último trabalho para fugir com Claire, abandonar a carreira criminosa e fugir de Boston para não voltar mais.

  É um argumento batido, mas que nas mãos de Affleck parece revitalizado. Uma retomada do policial americano sério, no estilão anos 70, sem fazer concessões. O realizador devolve o cinema de ação ao berço das grandes tragédias familiares, retirando-o da vala comum dos duros-de-matar que infestam os multiplexes. Aqui é cinema adulto, comercial e ao mesmo tempo honesto, que reconhece a capacidade do público em apreciar uma boa trama sem pressa. Em 2007 o jovem diretor fez o sensacional Medo da Verdade, suspense baseado na obra de Dennis Lehane que nem chegou aos cinemas do Brasil. Agora encontrou a mesma sorte com seu The Town. Resta que o público das locadoras descubra esse grande filme, subestimado. Um dos melhores de 2010.

O Poder e a Lei (The Lincoln Lawyer, EUA, 2011, 120 min.)

  Vira e mexe o cinema americano nos presenteia com um bom 'Filme de Advogado', fitas policiais com tramas rocambolescas em que quase sempre o herói se vê enrolado numa teia de contravenções e dilemas morais, precisando resolver, às custas do intelecto e de força bruta, casos criminosos de impossível resolução. Ou quase.

 Felizmente, esse 'O Poder e a Lei' dirigido pelo novato Brad Furman, é de ótima safra. Adaptado do romance 'Advogado de Porta de Cadeia', best-seller de Michael Connely, conta a história de Mick Haller, advogado recém-divorciado, com pinta de bon vivant, que passa os dias em Beverly Hills com o seu motorista dirigindo um Ford Lincoln. Haller é um sujeito de moral dúbia, como a introdução do filme não demora a nos mostrar: fazer acordos com traficantes ou Hell Angels é tão natural para ele quanto tomar um uísque no bar, sempre acompanhado de seu escudeiro fiel, o investigador vivido por William H. Macy.

Eis que vem a Haller um playboy (Ryan Phillippe), acusado de espancar uma garota de programa. Ao mesmo tempo em que está incerto da inocência do rapaz, aceita o caso. E aí todas as ramificações dessa escolha, as reviravoltas muito bem construídas, são desenvolvidas em quase duas horas de ritmo ininterrupto de filme, um ótimo roteiro com uma agilidade que lembra os atuais seriados de tv, onde a peteca nunca pode cair sob pena de desinteresse do público.

 E Matthew McConaughey está perfeito no papel. Passa a credibilidade de rua necessária ao personagem e ao mesmo tempo honra a tradição do advogado bêbado que busca a redenção moral imortalizado por Paul Newman em O Veredito. O elenco de coadjuvantes também ajuda: Marisa Tomei como a ex-esposa de Haller, Ryan Phillippe, William H. Macy, Josh Lucas, Bryan Cranston, Michael Peña...grandes 'character actors', trazendo veracidade e brilho para o filme, mesmo que em pequenas pontas.

  Eu particularmente gosto muito dessa mistura genuinamente americana: o 'Film Noir', diluído numa versão mais 'Pulp' e criminal, somado ao prazer do subgênero que são os 'Filmes de Tribunal'. Pode não ser original, em muitos momentos resvala no clichê, mas não é isso que está em questão aqui. É toda uma subcultura de símbolos e significados que o diretor Brad Furman sabe explorar com maestria: o advogado em conflito moral, o playboy ricaço violento, a ex-esposa fragilizada, o promotor babaca, o amigo do herói bêbado e sempre com a razão...são inúmeros os signos que fazem de um filme desse tipo um deleite para os fãs da linhagem Noir. Eu sou um deles, então recomendo esse excelente filme.

Não Me Abandone Jamais (Never Let Me Go, EUA/UK, 2010, 103 min.)

Não Me Abandone Jamais discute a consciência da mortalidade. O momento da vida em que nos damos conta de que um relacionamento irá acabar, uma pessoa amada irá fatalmente nos deixar e nós mesmos iremos partir. O filme é uma adaptação da obra publicada em 2005 pelo escritor japonês radicado na Inglaterra, Kazuo Ishiguro, e conta a história de três jovens que vivem desde o nascimento confinados num internato situado no interior da Ingleterra. Tommy (Andrew Garfield), Kathy (Carey Mulligan) e Ruth (Keira Knightley) formam um triângulo amoroso incomum, destruido por uma revelação sensacional que muda todo o rumo da história e curiosamente filia a obra ao gênero ficção científica. Não contarei aqui porque metade do choque é a revelação do porquê esses jovens desde cedo convivem tão isolados num ambiente cheio de regras.

 Dirigido de maneira não-emocional, mas poética por Mark Romanek, realizador de Retratos de Uma Obsessão, o filme é um profundo questionamento sobre o quão donos de nosso destino realmente somos. É também a história do amadurecimento de um grupo de amigos e os diferentes rumos emocionais que cada um deles tomam diante um futuro nada promissor. A fotografia de Adam Kimmel acertadamente é toda construída em cima de tons frios, sóbrios, ressaltando o distanciamento emocional do ambiente que cerca os personagens. A trilha sonora de Rachel Portman também é muito discreta, explodindo aqui e ali em momentos de catarse emocional, nunca soando exagerada ou artificial.

  Verdade seja dita, achei um dos filmes mais originais dos últimos tempos. Assisti em cinema no final do ano passado e não gostei, não capturei a idéia principal do filme. Agora revejo em dvd e foi uma espécie de epifania: uma obra imperfeita, mas tão cheia de vida no aspecto técnico, nas atuações corretas e  questionamentos pertinentes que fico me perguntando como não fui arrebatado de primeira por um filme tão melancólico e de extrema beleza como esse. Fica a dica: na dúvida, sempre reveja um filme se você não tem certeza exata daquilo que pensou. A recompensa é muito gratificante. Ótimo filme.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of The Spotless Mind, EUA, 2004, 108 min.)

Ah, a memória. É uma bênção e uma maldição. Simultaneamente, as vezes. Como é bom relembrar um momento que na hora parecia sem importância, mas com as camadas posteriores de lembranças, torna-se intocável, absoluto. Não importa o que foi de fato. Para mim a realidade quase sempre foi reajustada pelo meu senso de espetáculo. Ali, no fundo da minha mente, no meu photoshop sentimental, retoco momentos, esqueço frases equivocadas, acrescento outras que deveria ter dito mas nunca pude; mudo a locação, saturo cores, crio novas despedidas, novos reencontros. Muitas vezes com a mesma pessoa. A musa, a mulher perfeita, que existe por alguns segundos e depois escapa pelos dedos. Desaparece por semanas, meses, anos, décadas. Posso reencontrá-la, mas não posso me desligar da realidade em que vivo...tudo vai ficando cinza, cores esmaecendo, sentimentos cada vez mais mascarados pela dureza das relações- quase sempre sem brilho nenhum, sem faísca...mas e a memória, ela permanece? Existe de maneira autônoma? Quer dizer, de alguma maneira é real?

  Decepção. Dolorida, intensa, estragada, corrosiva, consome meus dias. Ao mesmo tempo em que o pavilhão de memórias boas é construído em velocidade espantosa, as imagens da ruptura vem como um tsunami, uma onda, inexorável, destruidora. Todos os momentos que aconteceram, as frases que foram ditas, as palavras que precisavam ser mas não foram. O fracasso, a derrota, a perda da motivação. O transtorno de ver a musa nas mãos de outro artista (quase sempre medíocre, mas aí vai do interlocutor), o anulamento de todos os pactos, imaginados ou consumados. A falta de esperança. Ainda vale a pena acordar? É tão difícil...algumas coisas servem como sinais de que ainda existe um coração. Filmes. Livros. Revistas. Discos. Assisto um filme, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Como é possível? É exatamente o Google Maps do relacionamento amoroso, o começo (recomeço?) cheio de imprevisibilidades que excitam; o meio trepidante, já avistando o iceberg. E o final destruidor, o desmoronamento do templo, o pacto desfeito; todas as esperanças descarga abaixo. Esse francês, o Gondry, a fofa Winslet, Jim Carrey, meu amigo; e esse roteirista suicida, Kaufman: todos unidos num complô para abaixar minhas defesas, me deixar pelado no meio da rua, todo mundo rindo da minha cara?  "Olha lá! Um Romântico Idiota! Peguem-no!"

  Não. A verdade é mais desinteressante e menos reveladora. A real é que todos, TODOS nós temos momentos de relação amorosa que gostaríamos de reviver e outros que imploramos para serem sumariamente deletados da nossa memória. Hum, mais precisamente: existem pessoas que gostaríamos de trazer de volta e outras que caíssem, sem piedade, no calabouço do esquecimento, devoradas pelos crocodilos da memória e regurgitadas de volta à mediocridade. Mas, espera ai, se eu fizer isso, partes importantes da minha biografia serão extirpadas. E no lugar delas entra exatamente o quê? Só sucesso. Só vitória? Branco Total? Que coisa mais chata. Vida de brinquedo.

  Olha, sinceramente, doutor, obrigado. Eu quero minhas memórias de volta: quero reviver tudo do jeito que foi. Ou melhor: esse Lego mental que está aqui dentro pertence única e exclusivamente à mim, portanto quer saber? A única alternativa plausível para essa bagunça toda é procurar outra musa, olhar para frente e fingir que eventualmente está tudo bem, afinal, cada esquina virada é uma nova chance e...ah, que porcaria. Não, não é nada disso.    

  A coisa toda é: quero reencontrar minha musa. A mesma musa. Mas tanto eu quanto ela, revitalizados. Nada de segunda chance ou recomeço, isso é coisa de livro ruim de auto-ajuda (um pleonasmo, por favor). Eu quero o primeiro encontro. Com a mesma pessoa, a mesma mulher. A mesma musa. Mas um primeiro, não um segundo encontro. Nada aconteceu. Uma folha em branco, um começo, não um novo começo.

 E Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças é isso: o cinema usando o seu melhor para nos dizer o essencial: Pare de se enganar! É impossível concorrer com o passado, nem tenta esquecer, nem tenta dar reboot. Vai dormir e espera aquele sentimento péssimo da noite passada ir embora. Você vai acordar meio estranho, sem lembrar de muita coisa. E aí você levanta, toma café, banho, vai trabalhar, pega o ônibus, vai à pé, ou de carro...encontra gente velha, gente nova.

  E tudo pode mudar num encontro, ou não. Talvez eu nem me lembre, mas acho difícil. Minha memória é muito boa. Ah, a memória. É uma bênção e uma maldição. Simultaneamente, as vezes. Como é bom relembrar um momento que na hora parecia sem importância, mas com as camadas posteriores de lembranças, torna-se intocável, absoluto. Não importa o que foi de fato. Para mim a realidade quase sempre foi reajustada pelo meu senso de espetáculo. Ali, no fundo da minha mente, no meu photoshop sentimental, retoco momentos, esqueço frases equivocadas, acrescento outras que deveria ter dito mas nunca pude; mudo a locação, saturo cores, crio novas despedidas, novos reencontros. Muitas vezes com a mesma pessoa. A musa, a mulher perfeita, que existe por alguns seg...